Episódio 16: O Meteorito de São Julião de Moreira

Não se sabe quando este corpo celeste entrou na atmosfera da Terra mas é possível imaginar o momento, fazendo um paralelo em relação a outros meteoritos. Uma entrada “provavelmente com grande impacto, formando uma cratera de impacto, bastante ruído, possivelmente uma explosão”, arrisca Zita Martins professora do Técnico e investigadora na área da astrobiologia no Centro de Química Estrutural. “Tudo o que acontece com este tipo de meteoritos”, resume. Todos têm a chamada crosta de fusão, uma camada de cerca de 1 ou 2 milímetros queimada, muito escura, provocada pela entrada na atmosfera, que queima a sua parte exterior. Geralmente o que acontece é que ao entrar na atmosfera terrestre e antes de pousar na superfície, o grande pedaço de rocha desintegra-se. “Este meteorito inicialmente tinha 160kg, o que vemos aqui não é de todo isso, é apenas um pedaço”.
Sabemos que este meteorito foi descoberto em 1877 por um lavrador, quando andava no campo a trabalhar na povoação de São Julião de Moreira, perto de Ponte de Lima, no Minho – daí o seu nome de batismo. No entanto, “pode ter caído há séculos ou milhares de anos. Sabemos que foi descoberto a cerca de 1,40m de profundidade, o que para um solo naquela região representa algumas dezenas de milhares de anos”, explica Manuel Francisco, professor do Técnico, onde também é diretor dos Museus de Geociências. E também sabemos que o dono do terreno “ganhou 3 contos de reis pela venda, o que era um balúrdio à data”. Muitos pedaços do meteorito estão hoje distribuídos por museus de todo o mundo, incluindo o Vaticano.

É num dos dois Museus de Geociências do Técnico, o Museu Décio Thadeu, que se encontra este meteorito especial. Falamos de um objeto extraordinário, muito cristalino, e uma inspiração para cineastas e produtores, nas palavras de Manuel Francisco. E de um meteorito denso, com um interior muito bonito em que se adivinha um padrão do entrelaçado entre ferro e níquel, como adivinha Zita Martins.
É especial também por ter sido estudado por Alfredo Bensaúde, primeiro diretor do Instituto Superior Técnico (1911-1920) e doutorado em Engenharia de Minas. Como nos explica Manuel Francisco, o meteorito chegou originalmente ao Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, instituição que viria a dar origem ao Técnico. “Na altura em que o seu nome é sugerido para estudar o meteorito, ele estava a fazer provas para ser admitido como professor nesse Instituto”. “É interessante ver que o Bensaúde foi um visionário em muitos aspetos, também pioneiro na análise de um meteorito. Há dados que ele publicou (em 1889) que mostram o estudo deste meteorito e incluem a primeira referência ao uso de microscópio para observar meteoritos em Portugal. Outros cientistas de outras partes do mundo também analisaram este meteorito e as análises coincidem todas. É de uma beleza enorme ver o que as análises de pedaços diferentes do mesmo meteorito coincidem”, complementa Zita Martins.

Mas o que define um meteorito? São rochas extraterrestres muito antigas, algumas delas do tempo da formação do nosso sistema solar. Ou “pedaços de história do nosso sistema solar, de todos nós, da origem da vida” e “máquinas do tempo” como Zita Martins gosta de descrever. A maior parte dos meteoritos vem de asteroides – de uma conhecida cintura de asteroides entre Marte e Júpiter e entram no campo gravitacional da Terra na sequência de colisões entre si. Quando “temos a sorte” dessas rochas sobreviverem à entrada através da atmosfera e conseguirem pousar na superfície do nosso planeta, então aí sim temos um meteorito. Há algumas exceções: meteoritos que vieram da Lua e de Marte. E outras coisas completamente diferentes: meteoros, as chamadas estrelas cadentes, que são rastos de luz de poeira que arde na atmosfera e por isso projeta essa luminosidade.
Aos Museus de Geociências do Técnico, e seu laboratório, onde fazem análise mineral e rochas, continuam a chegar, por via não científica, dezenas de alegados meteoritos para analisar. Nunca o são. “Dou cabo dos sonhos das pessoas. Já desiludi muita gente”, resume Manuel Francisco.

Quanto ao Meteorito de São Julião de Moreira e tudo o que ainda não se sabe sobre ele, talvez ainda venha a ser descoberto por futuros alunos do Técnico. “Estamos a estudar meteoritos semelhantes a este”, explica Zita Martins. “Este especificamente ainda não analisei, analisei o irmão gémeo, quase. Tem a ver com o que eu quero encontrar. No grupo de astrobiologia que temos aqui no Técnico, estamos muito interessados em tentar detetar moléculas orgânicas que sabemos que compõem a célula, que é a unidade básica da vida, e perceber como é que surgiu a vida na Terra. Por outro lado, estamos também interessados em estar envolvidos em várias missões espaciais e tentar perceber a química que existe em determinados corpos celeste muito primitivos, como asteroides, cometas, etc”, complementa. Tudo isso feito num “lugar de sonho” assim resumido: “Estar numa Universidade que tem um Museu que tem um meteorito”.


Conteúdo Extra: Os Meteoritos e a origem da vida na Terra:

As características do meteorito de São Julião de Moreira inserem-no num contexto muito especial de meteoritos que podem apontar pistas para a descoberta de como surgiu a vida na Terra. Nas palavras de Zita Martins:
«Este meteorito é especial porque tem vários minerais (ferro, níquel, cobalto e também fósforo). O fósforo é muito importante… Uma das grandes questões na ciência é: como é que surgiu a vida aqui na Terra? Como é que passamos de ter simples moléculas orgânicas ou até determinados elementos químicos e passamos a ter unidade básica da vida que é a célula.
E o que nós sabíamos até recentemente é que um determinado grupo de meteoritos – condritos carbonáceos – que são muito ricos em carbono e tinham aminoácidos que constituem as proteínas, tinham bases nitrogenadas, vários compostos orgânicos… Mas havia uma grande questão: de onde é que vem o fósforo?
Se pensarmos em material genético, começamos a pensar no ADN, que nos diz a cor dos olhos, a cor do cabelo, etc… Toda essa informação é um esqueleto, é uma molécula em hélice dupla, e essa estrutura tem fósforo. A questão que se colocava era de onde vem esse fósforo e não havia grandes respostas.
Os cientistas que trabalham na área dos meteoritos verificaram que este tipo de meteoritos ferrosos, como o de São Julião de Moreira, têm um mineral um bocadinho diferente (Schreibersita – composto por ferro, níquel e fósforo na sua estrutura). Esse mineral é muito raro aqui na Terra mas existe em abundância neste tipo de meteoritos.
Um grupo de investigadores, num estudo com mais ou menos dez anos, simulou o ambiente da terra primitiva (mais ou menos 4.6 mil milhões de anos, mais ou menos aquando da sua formação), incluindo as fumarolas, colocaram lá para dentro estes meteoritos e viram que determinadas moléculas orgânicas (pirofosfito) se formaram. Que é um possível percurso de outra molécula (pirofosfato). Essa molécula é importante porque é associada ao ATP (adenosina trifosfato) – é como se fosse a nossa central de energia da célula. Todos os seres vivos precisam disso, o ATP é uma molécula fundamental para o metabolismo.
Ver que estes meteoritos ferrosos têm um papel fundamental para a origem e para o desenvolvimento da vida torna este pedaço de rocha muito especial».

 

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