Episódio 5: Um Telefone do século XIX

Quem atravessar os corredores do antigo Pavilhão de Eletricidade do Técnico pode ser surpreendido por um ruído estridente, produzido por uma viagem no tempo. Estará a ouvir o barulho do Gower-Bell, um telefone construído em 1882, a tocar encostado a uma parede do Museu Faraday, no campus da Alameda (Lisboa) do Instituto Superior Técnico. Em poucos segundos, é possível viajar quase 140 anos, à velocidade da ligação entre um telemóvel de 2021 e um telefone de 1882. E cada uma dessas chamadas pode perfeitamente ser atendida por Moisés Piedade ou por Carlos Ferreira Fernandes, ambos antigos Professores do Técnico e fundadores do mais recente museu do Técnico, inaugurado em 2017.

Do tamanho e com o aspeto de um móvel, este telefone não tem bocal (fala-se para um painel que regista as vibrações da voz) e incorpora dois auscultadores, ou mais concretamente dois tubos que saem do aparelho e que encostamos às orelhas. Foi inventado por Frederick Gower, que depois ter trabalhado com Alexander Bell, nos Estados Unidos, se mudou para Inglaterra e “procurou fazer diferentes dos que eram patenteados por Bell”, como explica Moisés Piedade. O telefone alcançou muito sucesso, sobretudo por ter sido um dos primeiros do British Post Office – mas não há registo da existência de muitos exemplares em Portugal. O Gower-Bell era um “modelo de luxo” e, na altura do seu lançamento, Portugal ainda dava os primeiros passos no setor: “Em Inglaterra foram vendidos cerca de 25 mil. Em Portugal, poucos. Quando surgiram as primeiras linhas telefónicas no país, exatamente em 1882, apenas havia 15 subscritores e, desses, só 6 eram de pessoas”. O telefone deixaria de ser comercializado em 1900, altura em que se realizariam em Portugal cerca de 5 mil ou 6 mil chamadas por ano.

O telefone do século XIX do Técnico foi encontrado numa cave do Complexo Interdisciplinar e foi alvo de algumas reparações e adaptações antes de integrar a coleção do Museu Faraday. É possivelmente uma herança do antigo Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que se situava onde hoje funciona o Museu das Comunicações.
“O telefone é talvez a nossa estrela”, conta Carlos Ferreira Fernandes. Destaca-se pela interação que permite estabelecer com os visitantes, entre as mais de 600 peças do Museu, que personificam mais de 100 anos de história de ensino e investigação no Técnico. Organizado pelo Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Técnico, o Faraday apresenta “objetos de diferentes épocas, desde a eletroquímica, dos princípios do eletromagnetismo, da radiação eletromagnética, as válvulas, transistores, reprodução de som…”. Ocupa sete salas e organiza-se em três áreas temáticas: Instrumentação, Escrita e Computação; Áudio, Rádio, TV e Comunicações. Todas elas unidas pelo mesmo princípio: o entusiasmo pela ciência e pela pedagogia. “Agrada-nos muito que, quando as pessoas chegam ao fim da visita, possam dizer: «Sente-se paixão»”, enquadra Ferreira Fernandes.

Para que o Gower-Bell do Técnico pudesse funcionar já no século XXI, foi necessário fazer algumas alterações. Mas não tantas como se pode pensar. “Em termos de princípios não há assim tantas diferenças. As tecnologias mudam, mas os princípios são os mesmos. Por isso é importante manter os museus vivos. São uma prova da criatividade humana e do desenvolvimento dos conceitos básicos que depois são usados por várias tecnologias”, explica.
Depois de reparado o telefone e ligado à rede interna do Técnico, foi feita uma primeira chamada de um telemóvel, seguida de um salto de alegria. “Isto funciona!”. Foi aplicada mais uma vez com sucesso a filosofia do Museu Faraday, resumida assim por Moisés Piedade: “Pôr a trabalhar tudo o que encontramos”.
Em poucos segundos, é possível viajar quase 140 anos, à velocidade da ligação entre um telemóvel de 2021 e um telefone de 1882. No Técnico, um telefone construído no século XIX assume-se como a estrela do Museu Faraday e ajuda a estrutura a gerar entusiasmo pela ciência e pela pedagogia. A história deste aparelho da filosofia do Museu no quinto episódio do podcast “110 Histórias | 110 Objetos”.

  • Agradecimentos:
    Moisés Piedade
    Carlos Alberto Ferreira Fernandes

Ouvir também em: Spotify | Apple Podcasts | Achor.fm

Categorias