Episódio 55 – O Spectrum no Técnico

O Spectrum é um microcomputador de 8 bits que fez as delícias de toda uma geração de jovens dos anos 80, dando-lhes a oportunidade de experimentar um conjunto de jogos míticos para consola. Lançada em 1982 para fins de lazer, tornou-se quatro anos depois num auxiliar pedagógico essencial para o ensino no Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico. Não era nenhuma brincadeira, mas… “tendo em conta os programas que fazíamos, acaba por ser quase um jogo. Só que em vez de ter um bonequinho a entrar no ecrã, tinha luzinhas a acender e a apagar”, brinca Mário Ramalho, professor auxiliar do mesmo Departamento, na área de controlo e informática industrial. Durante quase duas décadas, o Spectrum serviu de placa de aquisição de dados, trabalhando com vários tipos de computadores, máquinas e robots.

Para além da consola ZX Spectrum, negra com um arco-íris num dos extremos, esta adaptação tecnológica assume-se como uma verdadeira geringonça: afixados numa tábua de madeira – para que os vários componentes não se percam e andem sempre juntos – aparecem também um gravador e leitor de cassetes, um transformador de eletricidade, uma ficha tripla, dois interruptores elétricos e uma placa com circuitos feita à mão. A tecnologia permite, nas palavras de Mário Ramalho, “ir buscar grandezas físicas e guardá-las dentro do computador sob a forma numérica” e traduzi-las para outro equipamento. Na altura construíram-se, pelas mãos de Luís Raposeiro, atual coordenador-técnico de mecanotecnia, oito conjuntos para auxílio nas aulas. Hoje, quase quarenta anos depois, repousam no Edifício de Mecânica 3, onde “assistem” às movimentações de drones e robots modernos, fruto da atividade laboratorial e de ensino e investigação na área de sistemas e controlo, no Laboratório de Controlo, Automação e Robótica.

Já em 1986 era uma ideia tão nova como o pouco tempo de serviço que Luís Raposeiro levava no Técnico. “Foi talvez das primeiras coisas que executei”, recorda. “Pediram-me para arranjar uma base onde pudessem inserir determinados componentes e periféricos. Fazer a parte da impressão da placa, fazer a associação dos vários componentes, soldaduras, etc…”, complementa. E porquê tanto trabalho? Mário Ramalho explica: “Era na altura o computador mais barato e extremamente potente em termos de aplicações”. “Permitiu poupar dinheiro e adaptar o equipamento às nossas próprias necessidades. Sistemas desses para aquisição de dados custavam literalmente uma fortuna”, reforça.
Os oito exemplares do Spectrum no Técnico foram úteis e estiveram ativos durante cerca de 20 anos, tendo sido apenas substituídos em 2006, quando se desenhou uma placa de aquisição de dados capaz de se adaptar aos novos tempos e necessidades. Estava prestes a nascer a IST_Board, a placa minúscula que permitiria que computadores e robots trocassem dados entre si e se viria a tornar num fenómeno de vendas mundial (ouvir episódio 47 – A IST_Board). Por muita utilidade que os oitos exemplares do Spectrum no Técnico ainda tivessem, o avanço tecnológico e as suas dimensões (impróprias para os novos trabalhos de automação, que passaram a incluir cada vez mais pequenos robots) precipitaram o seu fim.

História Extra: Quando se trabalha com o Spectrum em casa, ninguém liga a luz
«Quando trabalhava com o Spectrum em casa proibia as pessoas de irem à cozinha. O Spectrum era feito para ser utilizado em casa. De cada vez que acendia uma lâmpada florescente, o campo elétrico do arrancador de vez em quando dava cabo da memória. Era comum acontecer isso.
Portanto, enquanto eu trabalhava com o Spectrum – ainda fiz alguns trabalhos para disciplinas no Specturm – e aquilo estava a tarde inteira a fazer cálculos, nessa altura ninguém ia à cozinha porque ele ainda só tinha os cálculos da metade da tarde. Começava a haver protestos. Nessa altura fazia-se o contrário que era pô-lo a funcionar à noite, enquanto toda a gente ia dormir para ter os resultados de manhã. E aí já não havia problemas desses.»
(Mário Ramalho)

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