Episódio 60 – Cristais das ânforas de vidro

É uma coleção rara em Portugal e inclui 24 cristais em ânforas de vidro, datados da década de 40, e envoltos em muito mistério. Falamos de monocristais de compostos inorgânicos, designados por alumens, integrados numa coleção de alguns dos metais mais importantes da química. Têm um tamanho acima da média e estão protegidos por uma ampola lacrada, que ajuda a amortecer o choque e foi fundamental para a preservação dos cristais ao longo do tempo. “Estão dentro destas ânforas de vidro muito antigas. Não sabemos qual a composição química de alguns deles”, revela Clementina Teixeira, professora aposentada do Instituto Superior Técnico. Foram, provavelmente, adquiridos entre os anos 40 e 60 e feitos em “laboratório, num cristalizador rotativo”. Integram, atualmente, um módulo expositivo de duas mesas com vitrine e inclui outra coleção de objetos relacionados com cristais inorgânicos.
Quem passar pelos corredores e entrada da Torre Sul, no campus da Alameda do Técnico, é confrontado com uma espécie de coleção museológica do Departamento de Engenharia Química. É um conjunto de objetos históricos resgatados em 2017 de armários do antigo Pavilhão de Química, com o objetivo de os recuperar, identificar e expor em local mais apropriado. Entre eles, esta rara coleção de cristais em ânforas de vidro. “Vão ter um lugar de destaque na nossa coleção de química que foi recentemente inaugurada. Os armários foram restaurados, as peças estudadas e expostas de uma maneira mais apelativa”, descreve Dulce Simão, docente do Departamento de Engenharia Química do Técnico. “Quando começámos a abrir armários e a ver possíveis peças museológicas achámos que, ainda sem saber como, podiam contar muitas histórias. Algumas tinham sido inventariadas nos anos 90, mas muitas delas ainda não foram estudadas. Estas ânforas despertaram a curiosidade. Falta-nos resolver o mistério da origem dos cristais para poder contar esta história. Estamos a tentar”, acrescenta.

É, portanto, significativo o que não se sabe sobre os cristais. A sua idade não é totalmente clara e muito menos a forma como vieram parar ao Técnico. “O que eu deduzo pela prevalência de metais, era que era dado numa cadeira de Química Inorgânica”, arrisca Clementina Teixeira. “Quando vim aqui para o Técnico nunca tinha visto um cristal de alumen. Só mais tarde quando comecei a me interessar pelos cristais é que comecei a aprender toda essa química dos anos 30 e 40”, recorda.
Se a coleção é rara em Portugal, o mesmo não se pode dizer em termos internacionais. Numa rápida pesquisa pela internet, são inúmeros os colecionadores de “cristais desse tamanho” que seguem as passadas de Alan Holden, o “grande promotor de cristais para o povo”, nas palavras de Clementina Teixeira.

Fazer cristais por um fio (a técnica popularizada por um livro de 1960 de Holden) tornou-se um processo incrivelmente especializado e moroso, que pode demorar semanas. E para manter o cristal límpido é necessário controlar muito o processo. “Já ninguém se dá ao trabalho de fazer cristais desta dimensão”, diz Clementina Teixeira. “Atualmente a química tem muitos desafios pela frente, na parte da microbiologia, das alterações climáticas, na reciclagem de materiais… Talvez não tenha lugar para eles neste momento”, complementa. Mas a importância dos cristais cresceu em áreas como a física e a geologia, por exemplo. “São produzidos em grande escala a nível industrial até por físicos da matéria condensada, da física do estado sólido e por pessoas de [Engenharia de] Materiais. Temos vários campos de interesse”, defende. Desde os cristais de grandes dimensões com aplicação na física e optoelectrónica aos novos ramos da engenharia de cristais, muitas são as aplicações futuras para os cristais. E para os que apenas se fascinam com os objetos, podem sempre espreitá-los na futura coleção museológica do Departamento de Engenharia Química, a ser afinada na Torre Sul.

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