Episódio 9: A Gaiola Pombalina

A 1 de novembro de 1755, Lisboa amanhecia sacudida por um violento sismo, com quase 9 graus de magnitude na escala de Richter. De seguida, um tsunami aprofundou ainda mais a destruição da capital portuguesa. O saldo fez-se em muitos milhares de vítimas mortais, graves problemas sociais e económicos e uma cidade quase inteira por reconstruir. É nesse processo de renascimento urbanístico de Lisboa, liderado por Marquês de Pombal, –  “o maior desafio que houve na Engenharia portuguesa”, na visão de Carlos Sousa Oliveira, professor catedrático jubilado do Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do Técnico – que surge a “Gaiola Pombalina”.

Falamos de um “elemento estrutural tipicamente português”, nas palavras de João Azevedo, professor no mesmo Departamento, composta por elementos de madeira verticais, horizontais e inclinados (a chamada estrutura em forma cruzes de Santo André), que garante uma boa capacidade de resistência à ação sísmica. O modelo mais famoso dessa estrutura, com aproximadamente um metro de altura e de largura, encontra-se no Museu de Civil do Instituto Superior Técnico, e foi provavelmente construído na oficina de carpintaria do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, escola que precedeu o Técnico.  No Laboratório de Estruturas e Resistência de Materiais, do Técnico, está também exposta uma secção, em tamanho real, de uma gaiola pombalina com mais de 250 anos.
“Chamavam-lhe gaiola porque as pessoas achavam piada de ver crescer estas estruturas em madeira que pareciam umas gaiolas para uns grandes pássaros”, explica João Azevedo. “Na realidade, esta estrutura com as chamadas Cruzes de Santo André, são estruturas de madeira que têm um bom comportamento sísmico, mas que depois eram preenchidas com alvenaria, o que lhes dava uma resistência adicional. É isso que existe nos poucos edifícios que ainda têm as gaiolas pombalinas: nós não as vemos porque ainda estão dentro das paredes”, complementa.

E será uma invenção portuguesa? “A Gaiola pombalina talvez tenha aparecido antes de 1755 e tenha sido aperfeiçoada depois quando foi a reconstrução de Lisboa. Talvez já tenha sido usada por países nórdicos, onde a madeira é um material por excelência, e na Turquia… Sabe-se que a gaiola pós-1755 cumpre alguns requisitos que as anteriores não cumpriam”, resume Carlos Sousa Oliveira. Há relatos, difíceis de confirmar, de que terão sido testadas de uma forma também ela histórica: “No Terreiro do Paço foram montados grandes estrados, com estruturas de gaiolas pombalinas em cima, e com soldados a bater com martelos na base a simular um evento sísmico”. Se isso aconteceu, foi “a primeira mesa sísmica de que há memória”, conta João Azevedo.

De resto, o sistema que lhe dá suporte foi usado na construção de edifícios até ao final do primeiro quartel do séc. XX e ainda hoje é usado, mas com recurso a outros materiais. E a técnica ainda gera entusiasmo e trabalhos de Mestrado, como um mais recente de uma aluna do Técnico que imprimiu uma gaiola pombalina numa impressora 3D.

É também comum vermos secções de gaiolas pombalinas expostas, sem preenchimento de alvenaria, geralmente para efeito estético ou para criar divisões maiores, em alguns edifícios de Lisboa. João Azevedo considera uma má ideia, no mínimo: “Eu chamar-lhe-ia mesmo um crime que hoje acontece muito em Lisboa, que é as pessoas fazerem coisas erradas nos edifícios sem saberem o que estão a fazer”.

“Sempre que há um sismo, há uma nova forma de pensar, de agir, de interpretar as coisas”, diz-nos Carlos Sousa Oliveira. Mas devemos esperar um sismo para breve? “A única certeza que eu tenho é que um dia teremos sismos com a mesma ou com maior intensidade que o de 1755”, responde João Azevedo. Estamos preparados para isso? “A Engenharia sísmica já fez muito. O que já construímos dá uma garantia de segurança muito grande. O problema é quando as coisas não são bem feitas”, conclui.

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