Episódio 25 – A “Exaltação dos ritmos dominantes das origens”

Do caos para um cosmos. Uma escultura absolutamente dinâmica. Varrimento energético por manchas muitos informes que nascem do acaso da matéria. São muitas as tentativas de descrever a profundidade da “Exaltação dos ritmos dominantes das origens”, o elemento escultórico assinado por Lagoa Henriques, Mestre escultor (1923-2009), e que se encontra na parede exterior à entrada do edifício do Complexo Interdisciplinar do Instituto Superior Técnico, no campus da Alameda. Disponível aos olhos do público desde 1973, data em que obras de ampliação do Complexo foram concluídas, a escultura procura sintetizar a investigação que era efetuada no edifício. A ponte entre a ciência e o artista foi feita por Jorge Calado (atual Professor Emérito do Técnico) como nos conta Hermínio Diogo, professor no Departamento de Química do Técnico: “A primeira pergunta que ele [Lagoa Henriques] lhe [a Jorge Calado] faz é: o que se faz aqui neste edifício? Ele explicou-lhe que é um edifício de investigação, onde se tenta coordenar e estruturar a matéria que está muito dispersa… O elemento escultórico nasce a partir daí. Se repararmos, de um lado temos uma forma um bocadinho aleatória e do outro temos umas formas geométricas já muito bem definidas. É no fundo a passagem do caos para o elemento já mais elaborado”. O conceito artístico é também resumido assim por Maria João Gamito, professora na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa: “É esse varrimento energético por manchas muito informes, elas próprias nascem do acaso da matéria. Não há moldes que as enformem. Elas são fundidas diretamente na areia, ganham os caprichos da própria forma”. Algumas dessas formas terão sequência em obras posteriores do artista, como no monumento a Antero de Quental que está no jardim do Príncipe Real (Lisboa), onde “aquela bruteza da pedra convive com a pureza dos arcos que a atravessam”.

O artista, também conhecido por ser autor estátua de Fernando Pessoa no Chiado (Lisboa), foi também, nas palavras de Maria João Gamito, o “melhor professor do mundo”, capaz de prestar atenção e fazer ligações entre tudo, sem nenhum tipo de hierarquia. Exemplo: “Ele punha no mesmo plano, criava pontos de contacto, entre um barrista alentejano e o Fernando Pessoa. Tinha esse amor às coisas, essa capacidade de se entusiasmar e apaixonar por elas”. Lagoa Henriques foi ainda o “responsável pela grande reforma do ensino do desenho em Portugal”.

A “Exaltação dos ritmos dominantes das origens” terá chegado ao Técnico na sequência de um convite feito ao artista pela Comissão da Direção Geral dos Monumentos e Edifícios Nacionais, após visita ao seu atelier. Na verdade, não chegou propriamente ao Técnico porque, como nos explica Hermínio Diogo, o edifício do Complexo Interdisciplinar não pertencia à Instituição, mesmo estando dentro do campus. O que conhecemos hoje em dia é uma ampliação conseguida por Abreu Faro, primeiro professor catedrático da Escola na área de telecomunicações (1923-1999), iniciada em 1969 e concluída em 1973. O edifício original foi inaugurado em 1964 e pertencia ao “Laboratório Calouste Gulbenkian de Espectrometria de Massa”, que albergava alguns dos centros de estudo da energia nuclear que começavam a surgir em Portugal. Tinha 600m2, que aumentou para os 6000m2 após a ampliação. A obra de Lagoa Henriques e o edifício – inicialmente pintado de cor rosada que o tornou conhecido carinhosamente no Técnico como o “Moulin Rouge” – haviam de se tornar oficialmente parte do Instituto Superior Técnico em 1995. Quanto à história da inauguração do edifício e da escultura, conta-se em duas palavras: nunca aconteceu.

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