Episódio 88: A parede verde

À entrada do rés-do-chão do edifício de Mecânica I, no campus Alameda do Técnico, uma parede mudou de cor ao longo dos últimos anos. A partir do branco característico da construção, e com a ajuda sustentável da rega com “água cinzenta”, ergue-se uma parede verde capaz de abrigar uma grande diversidade de espécies de plantas.
A raiz da ideia, que viria a dar origem à parede verde do Técnico, surgiu em 2017, numa troca de ideias entre Ana Galvão e Cristina Matos Silva, ambas docentes do Departamento de Engenharia Civil e Arquitetura do Técnico, que fundiram as suas áreas de interesse – ambiente e recursos hídricos e construção – e deram corpo ao projeto. Primeiro em testes de laboratório, depois aplicando-a na própria parede. Falamos de uma parede modular, num total de dois metros quadrados, que consiste num conjunto de potes empilhados, produzidos com plástico reciclado. “Um dia estávamos a olhar para a parede nua da entrada do edifício e pensámos que ficava bem aqui, porque tinha uma casa de banho. Era uma ligação muito orgânica e muito direta”, conta Ana Galvão.

A parede verde do Técnico “não é horta, porque não conseguimos tirar de lá produtos, mas é um jardim vertical, também chamado de parede verde ou jardim vertical”, descreve Cristina Matos Silva. Estas soluções “são importantes para a regeneração dos nossos centros urbanos quando não temos muito espaço. As paredes verdes têm a vantagem de serem visíveis facilmente e trazem muito bem-estar. Mas como falamos de um plano vertical temos algumas dificuldades associadas, nomeadamente envolvimento da vegetação e meio de crescimento”. É aqui que entra o ponto forte da parede verde do Técnico: está ligada ao tratamento da água e a sua rega é feita através da reutilização da água dos lavatórios do edifício, as chamadas “águas cinzentas”. Para além de não necessitar de água potável para manter as plantas, esta parede consegue ainda tratar água em excesso que lhe seja adicionada, que ficará disponível para outros usos como a lavagem de pavimentos ou irrigação de jardins.
“Um dos desafios destas paredes, e de uma maneira geral dos espaços verdes em meio urbano, é que para haver verde é preciso água”, justifica Ana Galvão. “Atualmente com as condições climatéricas e alterações climáticas que vimos a sentir, a escassez na zona mediterrânica é um desafio com o qual temos que lidar. Esta parede procura dar resposta a esses desafios”, complementa. Como se faz? Utilizando a água que já está disponível na cidade de forma natural, pelas atividades humanas (as águas cinzentas) e que representam 60 a 70% da água usada no nosso dia-a-dia. “Neste caso fomos ainda um bocadinho mais longe”, defende. A parede verde do Técnico pode ser irrigada com águas cinzentas e o excesso de água que passe através da parede vertical sai filtrado depois de passar pelas raízes das plantas que “atuam como um filtro”. Podem, assim, ser reutilizadas para outras funções.
Antes da montagem do sistema na parede, a solução foi testada em laboratório, “para ser mais pequeno e controlado, para controlar que tipo de “águas cinzentas” colocávamos e em termos científicos para podermos estudar melhor a coisa”, explica Ana Galvão. Agora, está também em curso um projeto de estudo da qualidade do ar envolvente e análise da parede verde como barreira térmica para controlar a temperatura do edifício.

A iniciativa integra-se no projeto Pensar Verde, promovido pelo projeto Técnico Sustentável, que alberga outras coberturas e espaços verdes no campus e tem-se tornado um atrativo para algumas visitas à Escola. Cristina Matos Silva arrisca explicar porquê: “Uma parede verde exuberante traz bem-estar. Sentimo-nos bem perto de espaços verdes”. E esta parede tem uma mensagem pedagógica extra, resumida por Ana Galvão: “Da próxima vez que lavarem as mãos, pensem que essa água pode ser utilizada muito mais para além do que vai para ali pelo cano abaixo”.

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