Episódio 101: As bolachas de silício

Têm a forma de uma bolacha, são redondas e aparentemente planas (vistas de longe), mas não são para comer. Observadas de mais de perto, apresentam “pepitas”, não de chocolate ou de outra iguaria, mas feitas de microcircuitos constituídos por diferentes materiais que as tornam alimento para diversas aplicações tecnológicas. Convidamos Susana Freitas, professora do Instituto Superior Técnico e investigadora no Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Microssistemas e Nanotecnologias (INESC MN), a selecionar alguns exemplos: “um sensor que possamos colocar na falange de um robot para detetar a pressão e a força com que segura num objeto; um sensor que detete a quantidade de hidrogénio no ar à nossa volta…”. A lista de possibilidades é quase infinita. “Podemos desenhar o que nós quisermos e na própria bolacha nós podemos escolher os desenhos. Temos ferramentas digitais que nos ajudam a desenhar os circuitos, os níveis que queremos, a geometria que queremos e escolher os materiais. Depois combinamos esses materiais e esses desenhos de uma maneira diferente e, se forem compatíveis, podem ser processados, microfabricados na mesma bolacha”, descreve.
A bolacha de silício (um elemento químico semimetálico e um dos mais abundantes na terra) é, desse modo, uma espécie de tela em branco que dá aos investigadores possibilidades infinitas de aplicações através da criação de circuitos (ouvir episódio 63 – O primeiro circuito integrado português). A arte final plasmada nessa “tela” não é estética mas sim tecnológica. “Quando o sensor funciona bem, cumpre uma série de requisitos físicos, ou seja, cumpre as equações físicas que regem o seu funcionamento e a beleza também está aí”.
A arte desenvolvida nas bolachas de silício do Técnico, assenta em blocos maciços de silício com “algumas contaminações intrínsecas” que permitem mudar as propriedades elétricas. É em cima disso que se acrescentam as “pepitas” ou se faz a escultura, de acordo com a metáfora preferida. “Fazemos camada a camada com diferentes materiais, que têm propriedades todas elas muito diferentes umas das outras e que nós escolhemos e customizamos e desenhamos para fazer o propósito que nós lhes queremos dar”, explica Susana Freitas.

O processo exige cuidados especiais, como trabalhar com superfícies lisas e planas, como o são as bolachas, sendo mais fáceis de manusear para dentro de máquinas ao longo do processo. Facilitam também a colocação de camadas de material (átomos) em cima dessa base. Este trabalho minucioso de construção dos sensores é elaborado em contexto de sala limpa, um ambiente controlado onde se tenta evitar a interferência de partículas presentes no ar.
Na sala limpa do INESC-MN, junto ao campus Alameda do Técnico, é feito esse trabalho, também aberto aos estudantes da Escola. “Temos dado formação em ambiente de sala limpa e ensinamos os alunos a desenhar os sensores, a escolher os materiais, a perceber como é que se faz esse empacotamento dos vários níveis uns em cima dos outros, nas placas de silício (e em placas de outros materiais)”, descreve.
Para além da investigação dirigida à indústria tecnológica, cumpre-se assim o papel de a direcionar para o meio académico. “A formação de alunos é muito importante nestas áreas e os alunos têm de poder experimentar variando, testando, alterar as dimensões e ver qual é o efeito”, descreve Susana Freitas. É, de resto, uma missão que considera uma grande responsabilidade: “não estragar aquilo que recebi mas, mais do que isso, fazer mais ainda e passar o testemunho aos outros”. É a filosofia que aplica para tentar contaminar com esse entusiasmo os estudantes à sua volta. Só dessa forma se valoriza o caminho que veio desde circuitos pioneiros em Portugal até ao poder que hoje significa ter nas mãos as ferramentas para fazer circuitos e sensores cada vez mais evoluídos. Só assim se garante que o conhecimento não fica retido na bolacha.

Categorias