Episódio 64 – Os tampos dos grandes auditórios

Não é fácil entrar num dos cinco grandes auditórios (GA) do Pavilhão Central do campus Alameda do Técnico e não reparar nos seus históricos tampos riscados por gerações e gerações de estudantes. “Em 1972 já estavam todos escritos”, recorda Isabel Ribeiro, professora catedrática aposentada e professora distinta do Técnico e investigadora no ISR Lisboa – Instituto de Sistemas e Robótica. Foi nesse ano que entrou como estudante e começou a acumular memórias nos GA, ontem também viria a dar aulas. “Nesses tempos eu li: ‘se trabalhar dá saúde, que trabalhem os doentes’”, explica. 50 anos depois, percorre as palavras que se foram acumulando ao longo do tempo nos tampos de madeira: “Hashtags, já tem hashtags!”. Viagem por alguns tampos com Isabel Ribeiro: “Sporting… Benfica… ui!… também se podiam ler outros palavrões, mas há aqui coisas recentes: LEFT 20/21, Right 20/22, Ferraz, Invasões… ui!… não posso ler também, é o nome de um professor… Bloody Maggie, hashtag #tab. Ah! E agora noto uma coisa curiosa: dantes escrevíamos só com esferográficas, agora muitas inscrições com corretor branco: Macs… carambola… entradas… Beja, Évora, Sampaio, depois aqui parece um ET, um poliedro, aqui deve estar relacionado com álgebra, uma cartola, uns bigodes, alguém devia estar a preparar-se para ir de carnaval, Covilhã é melhor, porque alguém tinha escrito Guarda. Enfim…”.

Agora entramos nas memórias de Teresa Vazão, docente do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Técnico: “Nestas salas sentaram-se ao longo dos anos muitos alunos. Na minha geração tiravam apontamentos tentando freneticamente apanhar o ritmo igualmente frenético com que eles eram escritos no quadro. Enquanto isso, não tínhamos telemóvel, as cabeças quando deambulavam ou deambulavam internamente ou deambulavam para o tampo da mesa. Estes tampos da mesa guardam a história do Técnico”, descreve. Não há nenhum risco seu (“é uma pena”), mas considera que os tampos não estão maltratados. Pelo contrário, “podemos entender isto como vestígios arqueológicos, digamos assim, de gerações e gerações de alunos e deixaram a sua história”. Viagem por alguns tampos com Teresa Vazão: “Havia alguns que desenhavam admiravelmente e se entretinham a fazer as suas obras de arte ou a deixar as suas mensagens de amor secreto. Nunca se sabe. Olhe, temos aqui um que achava que era mágico, outro escreveu “2800”, quem sabe se isto é o ano em que ele pensa acabar o curso ou o dinheiro que ele pensa ganhar ao final do mês…”.
Os GA eram, tradicionalmente, o sítio onde os estudantes da Escola iniciavam os chamados “cadeirões” do seu percurso académico. Teresa Vazão recorda os seus primeiros passos, há 40 anos atrás: “entrava neste campus com este pé direito enorme e sentia pela primeira vez o que era ser aluna do Técnico”.

E agora as memórias de Carlos Salema, que entrou como alunos em 1959 e se tornou docente do Técnico desde 1965 (atualmente professor emérito do Universidade de Lisboa e presidente do Instituto de Telecomunicações): “Os anfiteatros eram pequenos para a quantidade de pessoas, de maneira que me habituei a trazer um cadeirinha desmontável e sentava-me à frente entre a primeira fila e o estrado para poder assistir à aula. Ou então sentava-me no chão”.
Isabel Ribeiro recorda “sala muito grande, com muitos alunos, e com o professor em cima do estrado muito distante de nós”. Considera que os cinco anfiteatros “fazem parte da história do Técnico, que é uma coisa que não podemos apagar”. “Poderá ter que ser restaurado, mas mantendo exatamente esta traça”, defende.
Carlos Salema também não encontra nos tampos nenhuma marca sua e também não se lembra de ver os seus estudantes a rabiscar – “normalmente mantenho os alunos ocupados”, brinca -, mas há uma memória que todos têm em comum: o barulho ensurdecedor de todos os tampos a serem recolhidos no final de cada aula. Nas palavras de Teresa Vazão: “Imaginem este anfiteatro cheio de gente, que tinha que ir a correr para ter aulas noutro sítio qualquer… Imaginem este barulho da sala inteira, a sair ruidosamente, lá para fora”.

História Extra
Memórias de grandes aulas nos GA do Técnico
«Toda a gente se lembra do Professor Campos Ferreira. O que os distinguia dos outros: o brilho no olhar, o magnetismo, o entusiasmo que ele transpunha para a Matemática. O estarmos a abrir as portas de um mundo que achávamos que dominávamos e não dominávamos assim tanto. Estas aulas eram a porta de entrada para aquele mundo. Tinha um livro fabuloso, mas era um livro difícil de ler,na altura não eram livros eram folhas soltas que eram vendidas por um Sr. também muito conhecido, que era o Sr. Carvalhosa, que vinha sempre abrir a porta do Prof. Campos Ferreira, apagar o quadro no final. Notava-se a deferência que a escola tinha pela pessoa. E isto tinha uma certa magia na relação com o estudante. Estávamos perante um deus possível.»
(Teresa Vazão)

«Lembro-me de ter aqui aulas de Química, talvez Física, as aulas de Análise Matemática, aqueles cadeirões do 1.º ano eram no Anfiteatro de Eletricidade, onde agora está a Torre Norte, e lembro-me do Professor Jaime Campos Ferreira, que alguma vez fumava no giz e queria escrever com o cigarro.»
(Isabel Ribeiro)

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