Episódio 10: O Nível Ótico de Brito Limpo

“Este é talvez o exemplar de nível ótico mais brilhante que nós utilizámos e foi feito por um português. É absolutamente notável”. Ana Paula Falcão, responsável pela Unidade Curricular de Topografia no Técnico, refere-se ao nível ótico criado em meados do século XIX por Brito Limpo, que pode ser visitado no Museu de Engenharia Civil.

Este instrumento inovador e revolucionário – “ainda hoje em alguns dos estudos há referências ao nível Brito Limpo, que conseguia precisões superiores às dos instrumentos que já eram considerados os grandes instrumentos da época” – foi idealizado e concebido por Francisco António de Brito Limpo (1829-1891), que dedicou a sua carreira ao exército mas também ao serviço da Comissão de Produção de Cartografia em Portugal.
Construído peça a peça de forma artesanal, este instrumento conheceu seis exemplares que serviram de referência na área durante 30 anos, até ter sido ultrapassado pelos desenvolvimentos tecnológicos da área da ótica e ao início do fabrico em série. Terão sido construídos nas oficinas do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que mais tarde veio dar origem ao Técnico, alguns anos antes de serem motivo para a medalha que Brito Limpo recebeu na Exposição Universal de Paris, em 1867, entre outras distinções.

Esta “pérola do ponta de vista dos instrumentos da topografia e da geodesia” contribuiu para a resolução do “problema da determinação dos níveis ortométricos” ou, por outras palavras, ajudou a manter a horizontalidade do instrumento para garantir leituras mais rigorosas. A Professora Auxiliar no Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos, Ana Paula Falcão, dá-nos o contexto: No século XIX, Portugal pretendia criar um referencial altimétrico que fosse único para o país todo. A partir da instalação de um marégrafo (um equipamento mecânico regista as marés), em Cascais, em 1882, determinou-se um zero para a altimetria e usou-se esse registo como referencial para determinar as altitudes dos diversos pontos do país. Essa determinação dos desníveis é feita através de uma operação chamada nivelamento geométrico. E é aí que entra o nível ótico.

Como se mede? São colocadas umas miras – umas réguas graduadas colocadas na vertical, no extremo de um lanço, onde temos um ponto com a cota conhecida e outro com a cota que queremos conhecer. O nível ótico deve, por isso, trabalhar unicamente no plano horizontal para efetuar as leituras para essas miras. A diferença das leituras dá-nos o desnível entre as duas miras. Mas qual era então o problema? “Para assegurar o plano horizontal nós utilizamos níveis que tinham que fazer leituras atrás e à frente. Os que existiam naquela altura implicavam uma rotação de 180 graus e quando o nível roda 180 graus muitas vezes a bolha desalinha e deixamos de estar a trabalhar no plano horizontal”. Ora, o que Brito Limpo fez foi incorporar duas lunetas em vez de uma, para podermos fazer leituras em simultâneo para as miras que estão colocadas no início e no fim dos lanços. E ainda “uma particularidade absolutamente deliciosa”: criou a possibilidade de as duas lunetas rodarem segundo o eixo horizontal de 180 graus: a luneta de cima passa para baixo e vice-versa. “Em vez de termos duas leituras passámos a ter quatro leituras e resolvemos desta forma alguma falta de horizontalidade que poderia acontecer com a rotação do nível ótico”, explica.

Para além de ser uma “peça de museu que não dever sair da nossa memória”, o nível de Brito Limpo ajuda a reforçar a importância dos trabalhos de geodesia e cartografia. “Não há projetos, não há construção, se não houver uma cartografia de apoio. Há muitas vezes um esquecimento da cartografia e dos seus instrumentos”, declara.

 

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