Episódio 104: Stork, a pedra elástica
Não salta mas permite saltar. E também não é bem uma pedra, mas antes um compósito constituído por vários pedaços de pedra, envolvidos por camadas de fibra e resina e também por cortiça. A história da Stork, descrita pelos seus criadores como a “pedra saltitona”, começou a ser desenhada há muitos anos, quando Pedro Miguel Amaral, professor do Departamento de Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico, no início da sua carreira de investigação, integrou um projeto de investigação europeu para estudar a pedra natural e o seu comportamento ao corte. “Aquilo foi tudo uma grande interrogação para mim na altura recém-formado engenheiro de materiais. Porque é que eu iria estar a trabalhar agora em coisas como “calhaus”? Na altura, achei que o desafio era suficientemente interessante para aceitá-lo e nunca mais larguei a pedra natural e o fascínio que tenho pelo desenvolvimento em torno deste material e desta indústria”, recorda.
Voltando aos saltos com pedras e ao porquê do uso da expressão “pedra saltitona” para descrever este tipo de material: “Nós é que saltamos em cima deles e eles não se destroem e, portanto, a sensação que dá é que, quando nós saltamos, a pedra ajuda-nos a saltitar com ela”. Para chegarmos a este projeto foi essencial a chegada de Joel Pinheiro, atual responsável pela Autorque, uma empresa fornecedora de sensores para bicicletas elétricas. Em 2013 era estudante de Engenharia Aeroespacial e juntava o seu interesse pela utilização de cortiça no espaço, em revestimento de satélites, à área das pedras naturais e dos compósitos. “Tínhamos ali a oportunidade de encontrar funcionalidades acrescidas que não existiam até então nos produtos normais de pedra natural”, sublinha Pedro Miguel Amaral. Nascia assim o grande desafio (e, na altura, bloqueio) da investigação de Joel Pinheiro: “Como é que eu consigo dar alguma – vou chamar-lhe assim – inteligência à pedra natural? Quando digo inteligência é na medida em que a inteligência vem do ser humano, ao introduzir novas funcionalidades e novas características num material que, à partida, tem milhões e milhões de anos”. “É evidente que nós não conseguimos transformar a pedra num ser inteligente, isso parece-me que é mais ou menos óbvio para qualquer material, mas conseguimos torná-la mais adaptada e mais “certa” para as aplicações que vamos utilizar”, complementa Pedro Miguel Amaral. No caso, a stork (nome que funde as palavras stone e cork – pedra e cortiça – e ao fazê-lo fica com o nome “cegonha” em inglês) consegue ter uma “pseudo-elastiicdade”, recuperando a sua forma inicial depois ser pressionando por um peso maior.
Essa experiência pode ser confirmada no Laboratório de Ensaios Mecânicos e de Materiais do Departamento de Engenharia Mecânica, no campus Alameda do Instituto Superior Técnico, onde nascerem e se estudam pedaços de “stork”. “As relações de espessuras entre a cortiça e a pedra, bem como o tipo de fibras que estão aplicadas e a orientação das mesmas, podem ser trocadas para ir ao encontro das características desejadas. Essa é a componente de inteligência que nós aqui colocamos”, aprofunda Joel Pinheiro. O universo de investigação e de experimentação é, desse modo, quase infinito, tal como a junção entre pedra natural e cortiça. “Parecia óbvio que tínhamos de fazer este caminho juntos, e foi assim que isto foi começando. Se nós formos capazes de pegar numa pedra natural e, de repente, tiramos-lhe quatro vezes o seu peso e acrescentarmos características que ela não tinha… se calhar isto tem hipótese de poder vingar. E foi um bocadinho esta a forma como nós olhámos para isto inicialmente, ainda um bocado imberbe nessa altura. Não sabíamos bem para onde é que íamos conduzir a coisa”, explica Pedro Miguel Amaral.
O que se sabe agora é que o conceito e funcionalidades da Stork começou a chamar a atenção em feiras internacionais, acabando por ser comprada pela empresa Filstone. Neste momento, tem aplicação em painéis colocados à entrada de uma ala do Hospital da Luz, em Lisboa. E poderá ter muitas outras aplicações num futuro próximo. “Sobretudo do ponto de vista de mercado e para Portugal (ou seja, do impacto que o Técnico teve e terá a nível nacional), acho que ainda vai ter muito caminho para andar”, acredita Pedro Miguel Amaral.
Conteúdo Extra: Pedra natural + Cortiça = valorização económica nacional
«E aqui também há uma razão, também muito importante do ponto de vista de termos desenvolvido todo este processo – a pedra natural é um material de grande valorização económica para o país. Primeiro, porque temos a matéria-prima “cá dentro” de Portugal. Depois, porque todos os processos que conduzimos sobre a pedra natural são, muitos deles, feitos com tecnologia que também é portuguesa, o que significa que o valor acrescentado bruto para o país é muito, muito, muito grande.
Aliás, há umas comparações muito interessantes entre aquilo que é a indústria da pedra natural e a Autoeuropa. A indústria da pedra natural resulta para Portugal num valor acrescentado bruto idêntico ao valor da Autoeuropa. Apesar de a Autoeuropa ter muito mais valor de mercado (na perspetiva em que vende mais e tem mais transação financeira), o que deixa para Portugal é muito menor do que aquilo que a pedra natural faz em comparação, porque a tecnologia, matéria-prima e mão-de-obra são nossas, portanto temos a faca e o queijo na mão para trabalhá-la.
Ora, a indústria da cortiça tem exatamente a mesma lógica da indústria da pedra natural, o que significava que parecia quase uma espécie de “1+1=2”.
Parecia óbvio que tínhamos de fazer este caminho juntos, e foi assim que isto foi começando. Portanto, se nós formos capazes de pegar numa pedra natural e, de repente, tiramos-lhe quatro vezes o seu peso e acrescentarmos características que ela não tinha… se calhar isto tem hipótese de poder vingar. E foi um bocadinho esta a forma como nós olhámos para isto inicialmente, ainda um bocado imberbe nessa altura. Não sabíamos bem para onde é que íamos conduzir a coisa.
Toda a receita, todo o desenvolvimento que foi feito até conseguir atingir-se esta conjugação de… não só de materiais mas de características mecânicas, o próprio método de fabrico… tudo isto influencia a característica final do material, até porque muitas vezes nós ouvíamos “ah, isso de colar pedra na cortiça parece ser uma coisa simples”, e a verdade é que há muito know-how e houve muito trabalho de investigação por detrás para conseguir chegar-se às características reais que o produto consegue hoje ter.»
(Pedro Miguel Amaral)
- Conteúdo Extra:
Conversa completa com Pedro Amaral e Joel Pinheiro acerca da Pedra Elástica Stork - Recomendamos:
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Joel Pinheiro
Pedro Miguel Amaral
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