Episódio 106: O MeteoTécnico

Foi no Técnico que nasceu o primeiro modelo montado em Portugal com a capacidade de fazer previsões meteorológicas diárias. O MeteoTécnico surgiu em 1999 a partir da vontade de dar resposta a preocupações ambientais, através da compreensão da atmosfera. Perante as perguntas ‘onde vão parar os poluentes que saem de uma chaminé de uma fábrica?’ ou ‘para onde vão os poluentes que saem da central de Carvão de Sines?’, surgiam também respostas a ‘Como saber que tempo vai fazer?’. “Era necessário ter a capacidade de fazer uma modelação adequada da atmosfera. Modelar a atmosfera é perceber quando chove, quando a temperatura varia, como é que as nuvens se comportam, que é no fundo usar o modelo de previsão meteorológica. E foi isso que o levou a querer montar um modelo de previsão meteorológica aqui no Técnico que pudesse dar resposta a estas preocupações em termos ambientais”, explica Tiago Domingos, professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico e filho de José Delgado Domingos (1935-2014), professor catedrático do Técnico e criador do modelo.
Para a executar esta ideia, era necessário adotar um modelo de previsão que gerasse um enorme volume de dados, o que exigia computadores capazes de os processar com a velocidade necessária. Os servidores (como os da imagem) deram, ao longo dos anos, corpo a uma ideia que começou a ganhar forma no trabalho de mestrado desenvolvido por Tânia Sousa, a partir de 2001. A antiga estudante de Engenharia do Ambiente, e hoje professora do Técnico, dedicou a sua tese à montagem do sistema MeteoTécnico, por proposta de Delgado Domingos. “Naquela altura, grande parte do tempo dele passava à volta disto. Era preciso assegurar que aquilo funcionava, que os dados eram descarregados, que aquilo estava a funcionar, que eram produzidos os resultados do modelo e que esses dados ficavam disponíveis”, recorda. A partir de um modelo meteorológico americano (o MM5) disponível na internet, e com dados iniciais cedidos pelo Instituto de Meteorologia da Galiza, começavam a surgir os primeiros resultados um ano depois. “Depois de implementar o modelo, adaptámo-lo. O que era possível melhorar com a informação local que tínhamos, nós fizemos. Depois de fazer ajustes, parametrização das nuvens e precipitação, por exemplo, começámos a obter resultados, que foram bastante bons”. Um ano depois era a vez de Jorge Palma, atual engenheiro do ambiente, terminar o curso e dar continuidade ao projeto em colaboração com Tânia Sousa. “Apanhei o modelo já montado. O meu papel era mais de manter o sistema, o que não era pouco: os dados têm de ser processados, tem de se ter programas que leiam os outputs do modelo e possam ser transformá-los de uma forma que possamos vê-los”, explica. Após atualizações sucessivas, o MeteoTécnico conta hoje com uma média de visitas diárias de cerca de 3 mil pessoas. “Tenho tido um feedback muito positivo: há pessoas a dizer que são as melhores previsões em Portugal”, revela Jorge Palma. A comprovar essa crença, surge a história contada por Tiago Domingos, passada na competição de ténis Estoril Open (em 2007 ou 2008): “Estava-se à beira de cancelar ou não a final por causa da chuva e o professor Cruz Serra, que na altura tinha funções dirigentes aqui no Técnico, estava lá como convidado. Naquele momento diz aos organizadores: ´o Técnico tem previsão meteorológica, a previsão diz que não vai chover, não tenham medo, podem fazer a final e não é preciso cancelar por causa da chuva´”, recorda.

Melhor do país ou não, o MeteoTécnico continua também a desempenhar o seu papel em contribuir para a investigação que se faz no Centro de Ambiente e Tecnologia Marítimos (MARETEC – LARSyS), em colaboração com vários grupos de investigação nacionais. Já o portal MeteoTécnico continua acessível com previsões, gráficas, mapas e até frases inspiradoras sobre o tema. Para todos e gratuitamente. Foi sempre assim desde 2001.

História Extra: O pioneirismo de José Delgado Domingos explicado pelo filho
«O MeteoTécnico começa com o meu pai, professor José Delgado Domingos, que era professor catedrático aqui no Técnico, no Departamento de Engenharia Mecânica. Nos anos 90, chegou à conclusão que era preciso montar um sistema de previsão meteorológica aqui no Técnico. As razões já vinham de trás. Ele originalmente, nos anos 60, lançou a investigação em Engenharia Mecânica aqui no Técnico, foi o primeiro autor de um artigo científico na área da Engenharia Mecânica em revistas internacionais, nos anos 60, e começou a trabalhar nas questões de termodinâmica e transferência de energia e massa. Nos anos 70, começou a dedicar-se às implicações ambientais destas questões. Esteve associado ao debate sobre energia nuclear em Portugal. E também esteve associado à questão da poluição atmosférica. Nos anos 70 fez alguns trabalhos, numa visão simplista de como é que funcionava a atmosfera para poder perceber como é que os poluentes se dispersam na atmosfera. Entretanto foi maturando as ideias sobre este assunto e no início dos anos 90 foi um dos criadores da Licenciatura em Engenharia do Ambiente, do qual o Jorge e a Tânia foram alunos e eu a Tânia somos dois professores. E concluiu que era fundamental ter uma boa capacidade de perceber como é que a atmosfera funciona. Para perceber quando os poluentes saem de uma chaminé de uma fábrica, onde vão parar. Os poluentes que saíam da antiga central de carvão de Sines, se iam para a Lisboa, para Setúbal ou Tavira… Para fazer isso concluiu que era necessário ter a capacidade de fazer uma modelação adequada da atmosfera. Modelar a atmosfera é perceber quando chove, quando a temperatura varia, como é que as nuvens se comportam, que é no fundo usar o modelo de previsão meteorológica. E foi isso que o levou a querer montar um modelo de previsão meteorológica aqui no Técnico que pudesse dar resposta a estas preocupações em termos ambientais.
Simultaneamente acabou por montar um modelo de previsão meteorológica que não só permite dar resposta a estas preocupações ambientais mas também permite fazer previsão meteorológica, ter todos os dias disponível uma previsão para o dia a seguir, naquilo que foi o primeiro modelo montado em Portugal com a capacidade fazer previsão diariamente. O próximo passo foi montar este sistema e pô-lo a funcionar e a fazer previsão meteorológica.
O meu pai faleceu em 2014 e desde então tem sido o Jorge que tem mantido a tocha em andamento e continuado a atualizar o sistema e a fazê-lo progredir.»
(Tiago Domingos)

 

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