Episódio 107 – A sonda da ressonância magnética

“Ainda me lembro da nossa alegria e curiosidade quando vimos entrar, por uma abertura feita na parede exterior da sala no 4.º piso, um íman com mais de uma tonelada”. Nesta memória de José Ascenso, professor aposentado do Departamento de Engenharia Química do Instituto Superior Técnico, estamos em 1975 e o buraco aberto na parede do complexo interdisciplinar do campus Alameda expunha temporariamente o primeiro laboratório de ressonância magnética do Centro de Química Estrutural (CQE). Lá fora, na Rua Alves Redol, trânsito cortado e uma grua erguia o equipamento, demasiado pesado para ser transportado pelo elevador. 

O “íman” era, na verdade, o primeiro espetrómetro de ressonância magnética nuclear (técnica conhecida como NMR) que existiu no Técnico / CQE. A NMR “é uma das técnicas mais importantes para o estudo da estrutura molecular das substâncias em solução no estado sólido e semissólido e está, por isso, associada aos importantes desenvolvimentos verificados na área da Química, Física, Bioquímica, Materiais e Saúde, onde a tomografia por ressonância magnética é hoje uma técnica bastante usada de diagnóstico”, contextualiza José Ascenso. 

O espetrómetro chegou ao Técnico dois anos depois de António Xavier (1943-2006) ter fundado o Grupo de Biofísica Molecular, que José Ascenso viria a integrar. Durante cinco anos serviu, de base à investigação feita pela comunidade do Técnico. “Foi nesse equipamento que eu e alguns dos meus colegas fizemos grande parte da nossa tese de doutoramento”, recorda. Estudou-se, por exemplo, “a aplicação de iões lantanídeos para a determinação de estruturas de moléculas”, alguns deles hoje usados como agentes de contraste para fazer as imagens médicas por ressonância magnética. “Dá-se às pessoas uma dose daquele agente de contraste. Os protões da água relaxam mais depressa com estes agentes de contraste e isso permite distinguir uma zona que está afetada por um tumor, ou qualquer coisa do género, das partes que estão normais”, descreve José Ascenso. “Claro que não existia a imagem médica nem nada parecido, mas estava a tentar desenvolver-se estes agentes de contraste”, recorda. 

Desse equipamento original sobreviveu, para contar a história, apenas uma sonda que servia para detetar os sinais das amostras. José Ascenso, que a guardou, descreve-a em detalhe: “é o modelo GNN-DBT-F-10P100E, da Jeol – um fabricante de espetrómetros de NMR que existe ainda hoje (é uma firma japonesa). Era montada entre os polos norte e sul do eletroíman, ficando o campo magnético perpendicular à sonda, o que não acontece hoje, em que o campo magnético fica segundo o eixo da sonda”.

Em 1980, com a chegada de um novo espetrómetro com mais potência e mais leve, não sobrou alternativa senão desmontar o equipamento. Entrou inteiro, de grua, pela parede esventrada e saiu desmontado em peças, não sem alguma dor. “Não nos queríamos desfazer do equipamento, mas era impossível ter na mesma sala aqueles dois equipamentos, porque os ímanes não eram blindados e, portanto, o campo magnético de um afetava o campo magnético do outro”, explica. E como se fez? “Tivemos de chamar o pessoal das oficinas e eles, peça a peça, desmontaram o íman, que foi para a sucata, teve de ser. Não havia hipóteses”.

 

 

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