Episódio 11: O Tokamak do Técnico

Criar uma fonte de energia segura reproduzindo na terra o processo que alimenta as estrelas. Começou por parecer um sonho e tornou-se num dos grandes desafios da física experimental dos nossos dias, podendo transformar-se em realidade dentro de algumas décadas. Estamos no domínio dos Plasmas e da Fusão Nuclear, área em que o Técnico tem também uma forte presença, através dos seus investigadores e, em particular, com as experiências feitas no seu Tokamak, um instrumento que tenta ajudar a concretizar esse objetivo. Como é que isso funciona? “Para conseguirmos fazer reações de fusão nuclear precisamos de temperaturas muito elevadas, na ordem dos 100 milhões de graus Kelvin. O que fazemos é usar campos magnéticos para conseguir comprimir um gás ionizado (que chamamos de plasma) até atingir essas temperaturas”, explica Carlos Silva, professor e investigador do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN) e Departamento de Física (DF) do Técnico. É aí que também entra o Tokamak (palavra que deriva do russo e acrónimo de “câmara de vácuo toroidal”), um “equipamento científico usado para confinar este gás a essas temperaturas idênticas ou superiores ao que acontece nas estrelas, em particular no nosso sol”.
Dentro do Tokamak do Técnico, um instrumento com cerca de um metro de diâmetro, em forma de donut, com um núcleo de ferro que pesa cerca de uma tonelada, tudo é calor mas também silêncio. A fusão nuclear contém-se num ambiente de vácuo e silêncio. Apenas a mecânica do instrumento é audível, não o campo magnético. Esses campos magnéticos e elétricos aceleram os iões e os eletrões do plasma até atingirem as temperaturas que são necessárias para a fusão. “São plasmas que têm muitas colisões e também transferem energia de umas para as outras, através das colisões. No nosso Tokamak, que aquecemos de uma forma muito especial, com campos elétricos, aceleramos principalmente os eletrões. Ao colidirem com os iões vão transferir-lhes a sua energia. Imaginem uma rua com muita gente e toda a gente aos encontrões e uma pessoa a correr através dessa rua vai ter que travar por encontrões e transferir a sua energia para os outros”, explica Carlos Silva.
Neste Tokamak, primeiro e único em Portugal e baptizado com o nome de ISTTOK, não ocorre propriamente fusão nuclear ainda, o que não anula a sua importância para a investigação na área. “Muitas vezes a nossa máquina permite testar conceitos que, devido à sua flexibilidade, por ser uma máquina barata de operar, de alguma forma extremamente flexível, permite projetar uma experiência hoje e estar a fazê-la em pouco tempo. Em grandes máquinas, estes projetos chegam a demorar a demorar anos”, explica Horácio Fernandes (IPFN / DF).
O Tokamak do Técnico foi criado em Grenoble (França), esteve em Utrecht (Países Baixos) e veio para Portugal no final dos anos 80. “O ISTTOK permitiu não só criar um novo capítulo na história da engenharia e da física da fusão nuclear em Portugal, mas também desenvolver diagnósticos que depois exportamos para outras máquinas. Fomos buscá-lo e tivemos que aprender imensa coisa. Um Tokamak precisa de um sistema de vácuo, de um sistema de controlo que é eletrónico, de diagnósticos, precisa de uma equipa grande que não tínhamos. Tivemos que ir aos outros departamentos pedir ajuda e assim se conseguiu consolidar e criar uma equipa de investigação. Fizemos cá todos os sistemas de potência e adaptação da máquina às experiências que queríamos fazer, foi um processo que durou cerca de quatro anos.”, conta Horácio Fernandes. “Mesmo os Professores catedráticos também tiveram que apertar parafusos na máquina”, brinca.
O Tokamak do Técnico assume-se também como um pilar da formação experimental. “Já muito poucas máquinas com a dimensão do ISTTOK permitem ensinar no seu todo. Os alunos poucas vezes têm oportunidade de ver um Tokamak no seu todo e normalmente só trabalham com uma parte relacionada com a física ou com a engenharia, os subsistemas da máquina. Temos recebido no Técnico alunos de todo o mundo para trabalhar como o Tokamak. Estamos também ativamente a contribuir com as pessoas que formamos cá”, defende Horácio Fernandes.
Quanto ao futuro da investigação nesta área, o caminho para reproduzir a energia das estrelas na Terra passará por grandes projetos internacionais. “Para sermos relevantes do ponto de vista de investigação, o que entendemos é que temos que investir mais na cooperação para um reator internacional, como acontece no ITER [International Thermonuclear Experimental Reactor], por exemplo “, complementa.

Ouvir também em: Spotify | Apple Podcasts | Achor.fm

Categorias