Episódio 19: A 1.ª Imagem do Técnico


“Você é o arquiteto que eu e o Conselho escolhemos. Portanto, só tenho um caminho a seguir: entregar-lhe o projeto para o Instituto ou confiar este trabalho a um arquiteto estrangeiro”. Terá sido com estas palavras, na inauguração Estação Ferroviária do Cais do Sodré em 1928, que Duarte Pacheco (que foi Diretor do Técnico e Ministro das Obras Públicas e Comunicações) convenceu o então jovem arquiteto e também professor do Técnico, Porfírio Pardal Monteiro a desenhar aquilo que ainda hoje é o traçado base do campus da Alameda. “Ele [Duarte Pacheco] queria mostrar que o Técnico era uma Instituição atual e que a sua arquitetura acompanhava essa modernidade”, conta João Pardal Monteiro, arquiteto, professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa e sobrinho-neto de Porfírio Pardal Monteiro.
“O Técnico é de facto a primeira obra moderna de Portugal, a primeira que segue o movimento moderno, quer com os terraços, as janelas corridas, os pavilhões”, defende Ana Tostões, professora do Instituto Superior Técnico. “Falamos de um campus, de espaços verdes e espaços livres que vão criar esta atmosfera muito especial. Esta opção de fazer vários edifícios ligados por um espaço público verde é também muito pioneira para a época”, complementa. Nascia assim o “primeiro campus universitário de Lisboa, que resulta do pensamento crítico do Alfredo Bensaúde, que giza o programa de uma universidade baseada na ciência aplicada e que é única em Portugal”, aponta.

A “1.ª imagem do Técnico”, uma perspetiva desenhada por Porfírio Pardal Monteiro (também conhecido como “o arquiteto de Lisboa”) e colorida a aguarela por Fred Kradolfer, mostra um projeto muito semelhante àquilo que se veio a tornar o Instituto Superior Técnico, em Lisboa. “Os arquitetos na altura tinham essa sorte, faziam os projetos e poucas alterações lhes faziam. Eles discutiam muito antes mas quando faziam o projeto, o projeto ficava”, partilha João Pardal Monteiro. “Quase todas as intervenções [posteriores] tiveram o cuidado de deixar os pavilhões do Porfírio intactos”, acrescenta. No desenho do projeto vê-se uma cidade bem diferente da Lisboa de hoje. “Havia o Arco do Cego mas os prédios à volta não existiam. O Técnico acaba por chamar o que vem à volta”.

A estratégia de construção, que durou menos de uma década, passou por empregar o maior número de pessoas mas também de gastar o menor dinheiro possível. Não estranha que as oficinas tenham sido os primeiros edifícios a serem construídos no Técnico: “Foi possível empregar pessoas e fazer as coisas lá sem ter que pagar fora. O mobiliário, as portas, alguma serralharia foi tudo feito no Técnico”. Uma filosofia de poupança que deu também aso a mitos e histórias caricatas. A mais conhecida: as quatro casas de banho do pavilhão Central do Técnico terão ficado com azulejos diferentes até ao final do século porque foram feitas com amostras pedidas a quatro companhias, que as haviam enviado para tentar ganhar o concurso. “Há esse mito. Eu não acredito nisso. Era impossível”, contrapõe Ana Tostões.
O edifício terá sobrevivido a tentativas posteriores de desmantelamento. “Chegou a pensar-se em deitar o Técnico todo abaixo e deixar só o edifício do Pavilhão Central como memória. De certo modo foi a razão de surgirem as Torres e o Pavilhão de Civil, como forma de manter o Técnico ali. O património ou se intervém e se usa, ou morre”, defende.
Para além de dar origem ao nascimento do edifício do Técnico, este desenho marcou o início de uma colaboração e amizade entre Pardal Monteiro e Duarte Pacheco, interrompida por um episódio que já se tornou famoso entre engenheiros e arquitetos: “Duarte Pacheco tinha a mania de riscar em cima dos desenhos dos arquitetos, que é uma coisa de que nenhum arquiteto gosta. Um dia estavam a discutir o arranjo de Vila Viçosa e o Porfírio levou-lhe o desenho emoldurado com um vidro. O Pacheco ficou furioso. A zanga tem coisas mais profundas do que isso, mais filosóficas, mas essa foi a gota de água”. Não chegaram a fazer as pazes, uma vez que Duarte Pacheco viria a morrer num acidente de automóvel, em 1943. Porfírio apenas teria oportunidade de lhe fazer um elogio fúnebre.

 

  • Obras emblemáticas do Arquiteto Porfírio Pardal Monteiro (fotografias na Wikipedia):
    – Gare Ferroviária do Cais do Sodré
    – Instituto Superior Técnico
    – Instituto Nacional de Estatística
    – Seminário dos Olivais
    – Igreja de Nossa Senhora de Fátima
    – Edifício do Diário de Notícias,
    – Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos,
    – Laboratório Nacional de Engenharia Civil,
    – Cidade Universitária (Reitoria e Faculdades de Direito e de Letras),
    – Hotéis Tivoli, Mundial e Ritz,
    – Biblioteca Nacional.

 

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