Episódio 24 – A Máquina de Autómatos Celulares

Construído em meados dos anos 80, o protótipo de autómato celular do Técnico era capaz de fazer 15 milhões de operações por segundo. Deve a sua conceção às ideias avançadas 30 anos antes por John von Neumann, e o seu conceito assentava na criação de objetos com modelos matemáticos capazes de imitar o funcionamento de sistemas da vida. O desafio, tal como os sistemas vivos, é complexo e pode ser representado por um desenho de MC Escher, que mostra uma mão a desenhar-se a si mesma. “O conceito de autómato era essencialmente um modelo matemático em que nós introduzíssemos numa máquina e que a máquina fosse capaz de o alterar sem intervenção exterior”, explica Rui Dilão, professor de Física, Matemática e Sistemas Dinâmicas no Instituto Superior Técnico.
Estamos a falar de máquinas de computação paralela, que apenas começaram a ser desenvolvidas a partir dos anos 80, que integram calculadoras que trabalham colaborativamente e interagem umas com as outras de forma extremamente rápida. O grande objetivo passa por conseguir calcular sistemas muito complexos em tempo útil. “Do ponto de vista matemático, é sempre a mesma história: tentar simular sistemas muito complexos, com muitos agentes a interagir, a terem interações estranhas, complexas”, resume. O autómato celular implementa a distribuição espacial de uma ou mais variáveis e calcula tudo em tempo real, simultaneamente, fazendo esse cálculo paralelo. Calcula tudo simultaneamente em todos os pontos do espaço, através de algoritmos matemáticos extremamente precisos.

O protótipo de cálculo paralelo construído integralmente no Técnico em 1985 – a CAM1 – ainda tem à mostra todas os circuitos eletrónicos, as memórias e a sua estrutura, apenas protegidos por uma cama de acrílico. “Os protótipos de engenharia são assim. É tudo desenhado, construído e depois se funcionar, conforme a tecnologia, implementa-se em tecnologias mais eficientes, mas a primeira fase é feita assim”, explica Rui Dilão. “O que nós fizemos foi construir um sistema – feito à mão – utilizando com transístores muito grandes, repetindo uma estrutura muitas vezes, ligar tudo eletricamente e desenvolver técnicas de interagir com a máquina e fazer com que aquilo tudo trabalhe ao mesmo tempo”, descreve.
A máquina tem um movimento autónomo, comandada por um computador normal que se liga a uma interface que é controlado pelos investigadores (no caso, um Sinclair, da bem conhecida segunda geração do Spectrum). “Nós interagimos com ela colocando as condições iniciais e ela depois calcula tudo e tem um display independente e autónomo. São monitores muito elementares, não tem nada a ver com o que se faz hoje”.

A máquina permitiu, por exemplo, analisar a evolução do escoamento ao longo do estuário do Tejo, com as fontes de poluição, calculando tudo em tempo real e instantaneamente: o efeito de 6 horas de maré é calculado no autómato em poucos segundos. Mas também deu origem a colaborações com o Departamento de Defesa Nacional (protegidas pelo dever de confidencialidade), que financiou a construção de uma segunda máquina e também uma infraestrutura de informática para o Departamento de Física do Técnico.
Demorou cerca de um ano a ser construída e “funcionou à primeira”, porque as técnicas de construção da altura faziam com que se fosse testando os vários módulos à medida que se avançava na construção. “Essa máquina gerou muito dinheiro e muitos alunos tiveram os seus primeiros treinos em computação”, recorda Rui Dilão.

Este tipo de máquinas começou a ser desenvolvido a partir dos anos 80, também no Técnico. Em 1985 foi organizado na Escola um workshop com convidados internacionais de renome ligados a projetos que deram origem aos hoje chamados supercomputadores e computadores paralelos. A máquina do Técnico ainda hoje funciona, de forma algo surpreendente até para quem a construiu – “não está muito protegido, entra pó, provavelmente as soldaduras não são muito resistentes, isto foi feito à mão” – embora a sua atualidade tenha sido ultrapassada pelo grande desenvolvimento tecnológico que ocorreu nos anos 90. No entanto, a sua filosofia e parte da sua arquitetura encontram-se hoje espelhados nas chamadas “connection machines” e nos supercomputadores. E o caminho a percorrer neste campo de investigação ainda é longo e desafiante: “Ainda estamos muito longe da mão a desenhar-se a si mesma. Precisamos de mais resultados da biologia e da interação com a física e a matemática ”, resume Rui Dilão.

 

Conteúdo complementar: Uma história contada por Rui Dilão
Colaboração na matemática: Do cálculo da previsão de eclipses no século XIX ao lançamento de foguetões

«Muitas vezes há cálculos que têm que se fazer e que demoram muito tempo a fazer-se. Por exemplo: os cálculos de previsão de eclipses nos gabinetes de previsão atmosférica… Como é que isso se fazia no século XIX? Punham uma pessoa numa secretária a fazer contas? Não, não funcionava. Qualquer pessoa, mesmo um matemático ultra treinado, faz erros quando faz contas e se fizer contas e tiver que as repetir, faz muitos erros.
Planeava-se fazer umas contas para prever eclipses. Enchia-se uma anfiteatro de pessoas e depois dizia-se ’cada pessoa faz uma tarefa muito simples, cinco pessoas calculam o logaritmo 25, calculado à mão, outras pessoas vão calcular não sei quantas multiplicações, e dava-se às pessoas uns cartõezinhos… Havia uma pessoa, o maestro digamos assim, e os cálculos eram executados de maneira sequencial. E essas pessoas tinham os cartões, o cálculo era terminado, levantavam uma bandeira e todas as pessoas que tinham essa bandeira com o cálculo 1 verificavam se o cálculo era o mesmo. Se fosse o mesmo, as mesmas pessoas que estavam a fazer o cálculo 2, olhavam para o resultado do cálculo 1 e começavam os cálculos deles. Quando levantavam a bandeira, viam se estava tudo certo, se não estivesse certo tinham que repetir, e isto era um processo colaborativo.
Hoje, quando lançam um foguetão, os foguetões levam computadores a bordo, grande parte da missão é gerada por computador, vão três computadores a bordo e todos trabalham independentemente. Toda a decisão que é feita pela eletrónica só é tomada se os resultados dos três computadores que estão a fazer a mesma coisa ao mesmo tempo forem coincidentes. E depois há mecanismos, quando os resultados são diferentes, obrigam o sistema a recalcular. Portanto, a colaboração é o segredo de tudo».

 

 

Ouvir também em: Spotify | Apple Podcasts | Anchor.fm

Categorias