Episódio 29 – O Acelerador Van de Graaff

Em 1961 um acelerador Van de Graaff chegava a Portugal com a capacidade de criar uma nova comunidade de Físicos. Instalado no edifício de Física do atual campus Tecnológico e Nuclear (CTN) do Técnico, antigo INETI e ITN, situado em Loures, era o primeiro passo para concretizar uma estratégia nacional de aproveitamento da energia nuclear utilizando recursos naturais. O acelerador, que traz o nome do investigador que o construiu e deu maior projeção à utilização destas máquinas [Van de Graaff – 1901-1967], instalado em Portugal atraiu para o país investigadores que haviam feito os seus doutoramentos no exterior e que deram início às suas carreiras científicas em território nacional.
Parte dos componentes do acelerador está já no Museu Nacional de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa, tendo as outras peças sido recicladas para a nova versão que, a partir dos anos 90, passou a atingir energias mais elevadas. O laboratório onde se encontra o atual acelerador com cerca de 4 metros é também uma “mistura de equipamentos perfeitamente atuais, alguns do que melhor existe a nível mundial, com outros produzidos por este laboratório na década de 60”, como explica Eduardo Alves, investigador e diretor do Laboratório de Aceleradores e Tecnologias da Radiação do CTN. A zona é reservada por questões de segurança, mas “todo o campo de radiação que existe e está a ser monitorizado em tempo real para sabermos qual a intensidade de radiação a que estamos sujeitos”. Por via das dúvidas – e sobretudo porque, no seu início de atividade, o acelerador ter trabalhado com feixes de neutrões com um poder de penetração enorme – os equipamentos estão dentro de um bunker, construído em betão com um metro de espessura. “Não há qualquer possibilidade de libertação de radiação para o exterior”, explica Eduardo Alves, que trabalha no laboratório desde 1981.
O acelerador é um equipamento elétrico que permite acelerar partículas elementares – protões, eletrões ou iões. Recorrendo a feixes de partículas, é possível estudar os mais diversos materiais para obter informação sobre a sua constituição. “Se quisermos saber qual o comportamento de um determinado material, quais as propriedades desse material, tem que se saber necessariamente de que é que esse material é feito e essa é a informação que nós podemos tirar com as técnicas nucleares que nós utilizamos aqui, usando o feixe de partículas”, detalha Eduardo Alves. Para conseguirmos medir, é necessário encontrar um instrumento de medida com dimensão daquilo que vai ser medido. Ou seja: “Se eu quiser medir átomos, terei que encontrar algo da dimensão do átomo, portanto usamos feixes de partículas para medir a presença dos átomos e da sua distribuição no interior dos materiais”, exemplifica. E para que serve então o acelerador? “Para conseguirmos trabalhar com os potenciais elétricos necessários para fazer a aceleração das partículas, não conseguimos atingir esses valores no meio ambiente, na atmosfera ambiente”. Ao transferir parte da energia dos nossos feixes para os átomos do material que está a ser analisado, projeta-se as partículas dos átomos para níveis de energia mais elevada, antes de voltarem novamente ao estado fundamental, de mínima energia. Após a passagem do estado excitado ao estado fundamental desses átomos, é emitido excesso de energia que adquiriram sob a forma de radiação. É essa radiação que é medida, quase como um raio-x. “É como se fosse o bilhete de identidade dos vários elementos químicos que existem na minha amostra”, explica-nos.

“No fundo, o que estamos aqui a ver é um brinquedo quando comparado com o que as pessoas ouvem falar em termos do CERN [do LHC – Large Hadron Collider, o maior acelerador de partículas do mundo, no Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), na Suiça]. A única diferença está na dimensão e na energia. Mas os princípios físicos básicos são os mesmos”, explica o investigador.
Este pequeno acelerador tem um potencial de investigação em áreas tão distintas como a deteção da autenticidade de obras de arte e metais preciosos, o estudo dos materiais utilizados na eletrónica, assim como no diagnóstico e tratamento de doenças.
Com mais de cinquenta anos de vida, o acelerador é testemunho das técnicas da física capazes de nos levarem até à origem do planeta. “Se quisermos ir até há milhões de anos atrás, temos que utilizar isótopos radioativos, e é a partir da variação da concentração desses isótopos ao longo do tempo que nós conseguimos fazer a datação dos objetos arqueológicos. Por isso é que sabemos que o nosso planeta tem não sei quantos milhões de anos”, explica Eduardo Alves.

 

Conteúdo complementar: Duas histórias contadas por Eduardo Alves

Um: As moedas do tempo de D. Afonso Henriques
«Na Casa da Moeda existe aquilo que é suposto ser a primeira moeda cunhada no Reinado de D. Afonso Henriques, ou do filho, não se sabe bem, em ouro. Posteriormente, há 30 anos talvez, apareceram no mercado de colecionadores mais duas moedas dessas. Obviamente que se colocava logo a questão da autenticidade ou não dessas moedas. Se fossemos os donos das moedas, não íamos autorizar ninguém a descascar um bocadinho a moeda e ver se era mesmo ouro ou não era, se era falso ou não. Portanto, as técnicas de que estou a falar permitem obter informação sobre a composição dessas moedas sem as danificar absolutamente em nada, mantendo intacto todo o seu valor, e verificar se realmente eram verdadeiras ou não. ».
Saldo: só uma delas era verdadeira.

Dois: Os brincos de prata transformados em platina
«Antes da pandemia era normal, no fim do terceiro período do Liceu, os alunos virem aqui fazer visitas ao campus, ver os vários equipamentos, o reactor, o acelerador, etc. E numa dessas visitas o trabalho que estava a ser realizado com os aceleradores envolvia a utilização do feixe externo, ou seja, fazermos passar o feixe através de uma janela para exterior. E podemos por lá amostras de qualquer forma, tipo, etc, que podem ser analisadas. E uma colega perguntou aos alunos se tinham algum objeto que quisessem saber de que era feito. Houve uma aluna que se ofereceu logo, disse que tinha uns brincos que a avó lhe tinha dado, que eram de prata e que gostaria de saber se era verdade ou não. Um investigador lá colocou o brinco em frente às partículas do feixe e… começou a ficar muito sério: ele verificou, de acordo com resultado de “raio x”, que estava a medir, que aquele brinco era praticamente platina pura e não de prata. A estudante entrou aqui com um par de brincos de prata e saiu daqui com brincos de platina, ganhou o dia como se costuma dizer».

 

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