Episódio 41 – Os Robots futebolistas

Um pequeno robot está em campo, faz uma rotação e visualiza a baliza. Não pode chutar porque ainda não tem a bola. Mas guarda a informação. Roda novamente para olhar à sua volta, desta vez encontra e alcança a bola e como se “lembra” onde viu a baliza, vira-se para o lado certo, remata e… está feito o primeiro golo de sempre dos robots do Técnico no Robocup! Estávamos em 1998 e o Técnico dava os primeiros passos nas competições internacionais que misturavam futebol e robótica. “Nessa altura os robots praticamente não se mexiam. Até “ver” onde estava a bola já era um sucesso, que é uma coisa que parece trivial. Jogava-se para o zero a zero”, recorda Pedro Lima, professor do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Técnico e investigador no Instituto de Sistemas e Robótica (ISR). No seu gabinete, situado na Torre Norte do campus Alameda do Técnico, acumulam-se taças, cachecóis, bolas de futebol, artigos sobre a participação portuguesa nessas competições e muitas memórias de “cargas de ombros e caneladas” entre robots. 

Os robots futebolistas do Técnico, hoje representados por este exemplar que não foi desmantelado, foram dos primeiros do país a participar na Middle Size League, uma das categorias da RoboCup, competição internacional de robots. Trata-se de um computador com rodas e com sensores que pode ser visto nas vitrines da entrada principal do ISR, na Torre Norte. Com cerca de 80cm de altura e com cilindros de aproximadamente 40cm de diâmetro, é constituído por uma caixa, onde se situa uma motherboard, por rodas com motores e um dispositivo baseado nos motores de abrir as portas dos automóveis “comprado na Feira da Ladra ou coisa parecida” que estava ligado a um dispositivo de chuto. Tinha uma câmara que olhava para a frente (mais tarde foi introduzido um sistema de visão omnidirecional) e um algoritmo “extremamente simples” que ainda hoje “espanta como era tão eficaz”. “É um robot móvel que pela primeira vez nos permitiu integrar a visão, o controlo e o movimento, tudo numa máquina só”, recorda.

O Técnico entrou assim, desde muito cedo, neste evento (que é científico e não desportivo), atualmente um dos de maior dimensão na área da robótica. A iniciativa desafia os paradigmas da investigação na área, criando competições em torno de objetivos comuns. O RoboCup surgiu em 1997, por iniciativa de um grupo de investigadores japoneses, após os mediáticos jogos de xadrez entre o supercomputador Deep Blue e o campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov. “Quiseram lançar um novo desafio para a Inteligência Artifical”, explica Pedro Lima. “A ideia era passar para outro desafio: um jogo dinâmico, em que a bola e os adversários vão mover-se para todo o lado, em que todos os aspetos que os robots têm que abordar, sobretudo a perceção, vão ser fundamentais”, complementa. Depois do xadrez virava-se a atenção para o futebol, uma modalidade capaz de atrair ainda mais pessoas. “Em 1998 metemo-nos numa carrinha e fomos até Paris, na altura com três robots”, recorda. Foi a primeira competição de sempre com participação de equipas portuguesas. Antes, em 1997, já tinha havido uma competição em Loures, apadrinhada por Mariano Gago, na altura Ministro da Ciência e Tecnologia. E em 2004 encheu-se um pavilhão inteiro da Feira Internacional de Lisboa (FIL) com centenas de robots e cerca de 4 mil participantes. 

Muito para além dos holofotes da competição, o RoboCup é também um laboratório vivo de investigação fundamental na área da robótica. “Muitas vezes a investigação aprofunda aspetos específicos, como a perceção, a navegação e o controlo”. Aqui o que tínhamos que aprofundar era a integração de todos estes temas: perceção, raciocínio, ação”, explica Pedro Lima. “O objetivo é resolver os vários problemas técnicos, tirando ilações para outros robots”, complementa. E têm saído da competição conhecimentos com aplicação em robots cruciais para operações de busca e salvamento (outra das vertentes do evento) em grandes tragédias ou mesmo para robots de transporte em armazéns de empresas de entregas. 

No Técnico, a participação no Robocup espelha a experiência na área de robots colaborativos, que junta investigadores das áreas da inteligência artificial e do controlo automático. “Fomos pioneiros em termos nacionais. Nem sabíamos que havia futebol robótico e a RoboCup”, recorda. A informação chegou através de Manuela Veloso, antiga aluna do Técnico e atualmente investigadora na Carnegie Mellon University, que deu uma palestra sobre a Robocup, em 1997, com a seguinte mensagem como complemento: “Vocês têm que ir ao próximo…”. E assim foi. Com o projeto surgiram também várias teses de mestrado e doutoramento feitas por alunos do Técnico (ver extras deste episódio).
Em 2013, o Técnico abandonou as competições de futebol no RoboCup, tendo continuado nas ligas de busca e salvamento e robots domésticos. Quanto à versão futebolística do RoboCup, o objetivo competitivo mantém-se intacto desde o início: “Que em 2050 uma equipa de robots seja capaz de derrotar o campeão humano da altura”. E Pedro Lima não arrisca prognósticos: “Por um lado espero não estar vivo em 2050 porque depois vão-me confrontar com o objetivo. Não ponho as mãos no fogo se vão ou não conseguir”. 


Histórias Extra

Um: Que tal o nível de competitividade dos nossos robots?
«Nós competitivamente… vamos ser francos: ficávamos a meio da tabela. Na competição francesa [o Técnico participou entre 1998 e 2000] houve uma vez que ganhámos e não merecíamos ganhar e outra que ficámos em segundo lugar e éramos de longe a melhor equipa.
O RoboCup era uma coisa muito mais complicada, muito mais competitiva, porque estavam ali as melhores universidades de todo o mundo.
Eu gostava de ter ganho alguma, claro. Mas o queria realmente com aquilo era desenvolver muito a nossa investigação, porque era muito motivador para os alunos, e tivemos vários alunos de mestrado e de doutoramento que fizeram case studies baseados no futebol robótico, ganhámos prestígio. Aliás, a nossa equipa mesmo não ficando em primeiro lugar nas competições, houve uma vez que ganhou na categoria “seleção”, que era um misto de resultados desportivos e do impacto científico. De facto, tínhamos impacto e isso era bom.
O que não nos corria tão bem era que fazíamos um investimento muito grande em procurar levar as últimas coisas que tínhamos feito em termos de impacto na investigação. E com o tempo aprendemos que isso não era uma boa solução. Um bocadinho como a NASA quando manda um voo para Marte, não manda a última tecnologia, manda a que já está mais estabelecida. Chegávamos lá e aquilo ainda não estava resiliente. Muitas vezes quando nos falhou, foi mais por isso do que os adversários explorarem uma fraqueza nossa. Mas os outros tinham o mesmo problema e nós desfrutávamos disso.
Na altura era tudo tão pioneiro que até coisas como os robots da própria equipa irem todos à bola ao mesmo tempo acontecia. Havia o guarda-redes que era um robot distinto e com comportamento distinto. Era um jogador muito interessante que explorámos em várias teses de mestrado de maneiras diferentes. Era muito rico tecnologicamente.
Entretanto mudou, passamos a ter comportamentos de defesa, comportamentos de atacante, a capacidade de mudarem dinamicamente de comportamento durante o jogo, ou seja, perante uma situação em que o atacante não esta a fazer grande coisa porque está bloqueado por algum motivo, desiste da bola vai para a defesa e há um defesa que se torna atacante…
É uma evolução muito grande. Não havia passes na Middle Size League, no início. Porque é difícil, é muito difícil. O robot que tem a bola tem que saber onde o outro está, tem que fazer um passe com precisão, tudo isso. Neste momento todo o jogo é feito de drible e passes, ou seja, os robots estão sempre com a bola. é tática pura. Inclusivamente já há jogadas de antecipação muito bonitas.»
Pedro Lima

 

Dois: Palmas para os robots e o sofrimento das grandes competições
«Sofria-se muito no RoboCup. E sofre-se de uma maneira muito engraçada se pensarmos que estão ali robots. Nós estamos ali aos gritos a dizer “chuta, chuta”. Depois ficamos a pensar: isto não vale absolutamente nada, obviamente.
Tínhamos tendência a atribuir personalidade a alguns robots da nossa equipa e das equipas dos outros. O comportamento que eles tinham no campo era diferente e nós já tínhamos uma ideia… eles tinham uma certa forma de atuar e nós atribuíamos-lhes personalidade.
Houve uma equipa iraniana que a certa altura ganhou uma Middle Size League com um robot que era razoavelmente simples, que resultava também de eles não terem muito dinheiro para ter a melhor tecnologia, o que irritava solenemente os outros que tinham muito mais investimento. Havia uma rivalidade entre eles e uma equipa italiana, uma equipa muito boa de várias Universidades…
Quando os iranianos estavam quase a marcar um golo, os humanos da equipa entusiasmavam-se e desatavam todos a bater palmas de uma maneira cadenciada – é um costume cultural deles – . E os italianos meteram na cabeça que os iranianos faziam aquilo porque os robots tinham microfone e que recebiam instruções para jogar de uma determinada maneira. E então começaram a dizer que aquilo não correspondia às regras e num dos jogos quando os iranianos tinham a bola eles começavam a bater palmas da mesma maneira para ver se eles faziam mal o que tinham que fazer. Uma coisa completamente ridícula. Mas estão a ver ao ponto que isto chegava. Misturava-se toda a racionalidade dos investigadores com a irracionalidade da bola.»
Pedro Lima

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