Episódio 49 – A Máquina de calcular, de manivela, de Herculano de Carvalho

Recuperando uma imagem dos anos 60, vemos uma enorme secretária de madeira, cheia de papéis e com uma máquina de calcular, de manivela, pronta para operações de multiplicar, dividir, somar e subtrair. Estamos no Laboratório de Análises do Técnico, nessa altura dirigido por António Herculano de Carvalho (Diretor do Técnico entre 1938 e 1942), e na memória ecoa também o som de uma manivela barulhenta que utilizava enquanto calculava os elementos que caraterizavam a água. “O Professor Herculano fazia os boletins de análise e para os fazer tinha que efetuar cálculos com esta máquina. Ele colocava esses valores na análise e via se a análise estava correta. E emitia com as caraterísticas da água”, recorda Maria Cândida Vaz, professora aposentada do Técnico, que chegou ao Técnico em 1963 para trabalhar com Herculano de Carvalho e que viria mais tarde a dirigir o Laboratório, em 1984.

Falamos de uma máquina de calcular baseada em rodas e manivela, de origem sueca e datada do início dos anos 30, uma evolução já considerável após o aparecimento das primeiras nos finais do século XIX. Tem cerca de 30 cm de largura e pesa aproximadamente 10 kg. “Eram os melhores meios de cálculo que estavam disponíveis à época, o que de melhor havia para fazer contas com alguma precisão”, explica Carlos Albuquerque, professor no Departamento de Matemática na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “Eram máquinas metálicas essencialmente, movidas à mão. Quando fazemos uma operação, por exemplo somar dois números, temos normalmente um conjunto de rodas que são os acumuladores onde ficam registados os números e temos um registo onde fazemos a marcação do número e de cada vez que damos à manivela estamos a somar ou subtrair números ao acumulador”, descreve.
Para multiplicações de, por exemplo, um número de sete algarismos por outro de seis algarismos o resultado é “razoavelmente imediato”. “Quando estas máquinas se desenvolveram, a alternativa era uma pessoa a fazer à mão, em papel”, refere. A régua de cálculo (Ver Episódio 39) não dá os mesmos níveis de precisão. “Para Engenharia é excelente, mas para não para o cálculo financeiro ou astronómico ou um tipo de cálculo que precise de maior precisão”, complementa.

No Técnico, a máquina era usada por Herculano de Carvalho, um dos nomes da geração de engenheiros formados nos anos 20 e 30. “Queria mudar o país, que o país se desenvolvesse. Estava interessado que a indústria se fixasse no país e procurou através da ciência que houvesse investigação igual à que se fazia lá fora”, descreve Cristina Marques, aluna do Doutoramento em História e Filosofia da Ciência na Universidade de Évora e investigadora integrada do Instituto de História Contemporânea do Pólo de Évora.
Discípulo e seguidor científico das pisadas de Charles Le Pierre (ver Episódio 27 – O Autoclave de Charles Lepierre), Herculano de Carvalho foi também um dos pioneiros em Portugal na investigação na área da energia nuclear. Teve também um papel crucial na instalação em Portugal do Laboratório de Espectrometria de Massa e Física Nuclear que, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, foi instalado no Complexo Interdisciplinar (Ver Episódio 25 – A “Exaltação dos ritmos dominantes das origens”). “Com a 2.ª Guerra Mundial e com o despertar da energia nuclear, atómica, surge em Portugal uma possível área de investigação, porque o país era rico em urânio. Todo o projeto de investigação que era feito nos Estados Unidos era supersecreto e, portanto, não havia grande conhecimento da investigação. Segundo aquilo que li, [Herculano] foi um dos primeiros cientistas a ter acesso ao projeto de Manhathan para poder avançar com a investigação”, conta.
A máquina de calcular, que terá acompanhado os principais momentos de investigação de Herculano de Carvalho, terá perdido influência a partir dos anos 70, com o surgimento das máquinas de calcular eletrónicas, o que torna o seu uso numa experiência de viagem no tempo, como descreve Carlos Albuquerque: “Há sensações que são próprias do nosso tempo, como mexer num telemóvel, e há esta sensação mecânica, típica de há 100 anos, das coisas mexerem, serem pesadas terem este barulho, terem este ar sólido…”.

História Extra
Carros movidos a lenha?
«Na 2.ª Guerra Mundial também houve o problema dos combustíveis. O Prof. Herculano era o Presidente do Instituto Português dos Combustíveis e fez investigação para que se tentasse encontrar uma alternativa aos combustíveis. Fez uma investigação que envolvia carros com gasómetros. Eles punham lenha, uma combustão controlada, o carro andava, de x em x quilómetros tinham que parar para limpar os filtros e também para pôr mais lenha. Mas os veículos andavam era uma alternativa que ele tentou sempre procurar. Preocupou-se muito com a poluição ambiental, dos combustíveis e os fertilizantes para a agricultura.»
(Cristina Marques)

 

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