Episódio 59 – A locomotiva de Civil

É um modelo reduzido de uma locomotiva de um comboio a vapor, com mais de dois metros de comprimento e quase um metro de altura, datado de 1906. Nasceu do sonho e do engenho de Manuel Gualdino da Silva (1865-1914), um operário do Barreiro com grande atração pela mecânica que, com a ajuda de dois colegas, meteu mãos à obra e concluiu o modelo em menos de um ano. Inspirando-se num exemplar que viu numa revista, conseguiu com meios limitados fazer um trabalho semelhante ao que em Inglaterra se fazia de forma industrial. Do sonho nasce movimento: o comboio, composto por locomotiva e seis vagonetas com capacidade para 24 passageiros, tornar-se-ia uma grande atração das Festas da Padroeira do Barreiro, em agosto de 1906.
O modelo de locomotiva feito em aço, bronze e latão – inspirado numa máquina do tipo “Atlantic” da companhia inglesa “Great Northean”, incluída na revista britânica “Railway Engineer”, de julho de 1905 – teve ainda, pelo menos, outra aparição pública em 1944, numa festa de beneficência dos Bombeiros de Paço de Arcos, em Oeiras. É o último registo que há antes da chegada ao Técnico, em 1956, no âmbito da comemoração do primeiro centenário dos caminhos de ferro portugueses. “Houve uma grande exposição de modelos ferroviários aqui no Técnico, no Pavilhão Central, e essa locomotiva vem para cá e aqui fica”, explica Nelson Oliveira, antigo estudante do Técnico, engenheiro civil especializado em engenharia ferroviária e coordenador do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários. “A primeira vez que a vi foi aqui no Técnico, no meu primeiro ano, muito surpreendido ao ver um modelo, numa escala bastante grande, de uma locomotiva a vapor”. A locomotiva, na altura a sofrer com a passagem do tempo (e com a chaminé cheia de areia e usada para apagar beatas de cigarros), terá sido posteriormente restaurada e incluída na coleção do Museu de Civil, inaugurado em 1993.

Para José Pinheiro, sócio fundador do Clube de Entusiastas do Caminho de Ferro, faz sentido que a peça esteja no Técnico. “É daqui que saem os grandes engenheiros que dão acesso aos caminhos de ferro”, defende. “Fiz o máximo de pesquisas e cheguei a uma conclusão: que esta locomotiva se está cá é porque é da casa”, complementa. O Clube que integra já organizou cerca de 140 exposições sobre caminhos de ferro, todas a custo zero, e reúne apaixonados pelos comboios a vapor, mas também da chamada engenharia em miniatura, a técnica de reprodução de mecanismos a escala reduzida utilizada também para a construção desta locomotiva.
“Acontece na época do vapor. Leva-nos ao mundo da experimentação, a testar conceitos de engenharia. Na hidráulica ainda se recorre muito aos modelos à escala, e na Engenharia de estruturas: o nosso decano Edgar Cardoso valorizava muito o estudo dos modelos estruturais (ouvir Episódio 35 – A Maquete da Ponte da Arrábida)”, explica Nelson Oliveira. As miniaturas inseriam-se numa lógica de formação dos mecânicos e das pessoas que iriam lidar com esta tecnologia, mas também para efeitos de lazer e divertimento. “Existem outras locomotivas à escala, capazes de funcionar pelos próprios meios. Mas não são assim tantos. Este modelo (a locomotiva de civil) é também uma representação da atração que o caminho de ferro exerce sobre as pessoas”, aponta. Exemplo disso é o entusiasmo do clube integrado por, aqui resumido nas palavras de José Pinheiro: “A época do vapor tem um encanto: o cheiro do carvão e a fuligem que sai e que suja o nosso vestuário…”.

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