Episódio 66 – O exoesqueleto humano

Parece-se com uma bota mas é uma das primeiras estruturas externas de apoio ao corpo humano desenvolvidas por investigadores portugueses. No Técnico, entre 2007 e 2013, deram-se grandes passos no desenvolvimento de soluções de engenharia com aplicação na área da saúde, através da criação e desenvolvimento do exoesqueleto humano. O conhecimento de professores, investigadores e estudantes do Técnico colocava-se, com um nível de profundidade sem precedentes no país, ao serviço da melhoria da vida de quem vive ou convive com um problema de saúde. Neste caso, para solucionar uma patologia no tornozelo designada de pé pendente (quando a perna perde a capacidade de contrair e o pé “cai”). O desafio, aqui explicado por Jorge Martins, docente do Departamento de Engenharia Mecânica do Técnico, tem uma particularidade: “Somos muito sensíveis às patologias do tornozelo e temos um controlo motor muito fino em torno da musculatura para o tornozelo”.
É aí que surge o exoesqueleto, assim definido por Miguel Tavares da Silva, professor associado do mesmo Departamento: “é uma estrutura exterior ao corpo humano que funciona em paralelo com as estruturas biológicas e que o ajuda a desenvolver melhor uma dada tarefa ou, eventualmente, a recuperar uma função perdida”. Ao contrário da prótese, que substitui, o exoesqueleto apoia a estrutura biológica.
Os dois professores e investigadores do Técnico / Instituto de Engenharia Mecânica (IDMEC), impulsionados pelo financiamento do programa MIT Portugal, mobilizaram esforço e ideias de áreas como a biomecânica, métodos computacionais e robótica para aplicar no exoesqueleto. “Era uma área que estava a começar a surgir e podíamos dar contributos. Foi tudo uma enorme descoberta para nós”, recorda Miguel Tavares da Silva.

Esta aplicação externa para o tornozelo materializou-se num módulo que está na base e que suporta o pé, que é literalmente calçado e complementado por umas correias na parte da perna. A somar a essa estrutura, há ainda “um sistema atuador (motor, caixa redutora, componentes)” e um objeto extra “onde são efetuados cálculos, medições, um processamento, e depois é enviado um sinal de atuação para o motor que promove o movimento de articulação nas juntas”, explica Jorge Martins. “Com este sistema motorizado, conseguimos voltar a promover essa função, mas de uma forma externa. Já não é o cérebro que contrai o músculo para elevar o pé, mas sim o nosso computador externo que envia um sinal para o motor”, explica. “O que nós pensámos foi arranjar um exoesqueleto que precisamente levantava o pé durante a fase de balanço da marcha. O que ele faz é colocar uma corrente elétrica num músculo esquelético, que de alguma maneira vai estimular o mesmo impulso nervoso enviado pelo sistema nervoso central. Essa corrente elétrica vai fazer com que o músculo contraia na altura certa e com a força adequada”, complementa Miguel Tavares da Silva.
O projeto conseguiu cativar muitos estudantes de Engenharia Biomédica e de Engenharia Mecânica, que lhe dedicaram as suas teses de mestrado e doutoramento. Na lista de ângulos a explorar cabia quase tudo: modelos computacionais, modelações geométricas do exoesqueleto, seleção de motores e equipamento e muito mais.

O exoesqueleto foi testado essencialmente em pessoas saudáveis, não tendo sido efetuado um estudo clínico aprofundado com um número de doentes. Mas o projeto deixou uma “semente para outros projetos que têm vindo a avançar nas várias equipas de investigação, a nível computacional e de desenvolvimento de dispositivos médicos”, defende Miguel Tavares da Silva. “Este projeto foi também inspirador para outros grupos de investigação nacional”, argumenta.
A “bota” tem ainda a capacidade de despertar a curiosidade das pessoas para a investigação que se faz nesta área de interação homem-máquina. “Há um bocadinho de ficção científica sempre na cabeça das pessoas, muitos filmes como o Robocop e o Iron Man”, arrisca Jorge Martins. Não deixa de ser uma forma de espreitar o futuro. E que podemos esperar dele? Responde Miguel Tavares da Silva: “A tecnologia está a avançar rapidamente e a capacidade de engenho do ser humano é incrível: estão sempre a surgir ideias novas, conceitos novos. Diria que no futuro a patologia vai ser cada vez menos notória, cada vez mais vamos ter ajudas técnicas que nos vão permitir fazer uma vida próxima daquilo que é a forma de agir da maioria (para não usar a palavra “normal”, somos todos “normais”)”.

História Extra
Um professor que passa horas no Youtube
«(Passa horas no Youtube) a olhar para as pernas das pessoas. Tentamos encontrar vídeos de pessoas a entrar e a sair dos metros, onde há muita gente e as pessoas estão completamente desligadas do que estão a fazer, mais preocupadas com o meio que as rodeia, e tentamos encontrar estes cenários onde as pessoas estão o mais naturalmente possível a andar. E também os atletas de alta competição, os maratonistas… Portanto, horas a ver vídeos de pés na fase de push off, na fase de balanço, na fase de impacto com o solo. Faz parte do nosso dia-a-dia.»
(Jorge Martins)

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