Episódio 73 – A 1.ª patente do Técnico

Quando alguém brinda com espumante ao futuro ou celebra uma conquista está longe de imaginar o complexo processo químico que ocorre nas células que se multiplicam no interior de cada garrafa, durante o seu processo de fermentação. Até estar pronto a servir, o líquido passa por um cuidadoso processo de remoção de leveduras, contabilizando-se milhões de células por mililitro. Durante séculos, e até meados dos anos 80, altura em que um projeto inovador do Técnico tentava mudar essa técnica, todo esse processo era feito manualmente. Milhões de garrafas foram rodadas ligeiramente aplicando-se o chamado método “champanhês” de modo a que as leveduras fossem descendo para o gargalo até serem retiradas, num procedimento que demorava em média três semanas.
É precisamente neste contexto que está a base de uma ideia que viria dar a origem à primeira patente registada com o nome do Instituto Superior Técnico: uma descoberta que tentava melhorar – ou tornar mais rápido – o processo de produção de espumante. No registo de patentes aparecia, em 1985, o “Processo para a produção e vinhos espumantes naturais com leveduras imobilizadas” prometia um método biotecnológico para aplicação na produção de vinhos espumantes naturais com vista a apressar consideravelmente o método “champanhês”, através da eliminação da operação conhecida como “removimento” sem alterar as caraterísticas do produto final.

Isabel Sá Correia, professora catedrática jubilada do Técnico, do Departamento de Bioengenharia, e investigadora no Instituto de Bioengenharia e Biociências (IBB), explica em que consistia esse método “champanhês”: “A ideia é adicionar açúcar e depois haver uma fermentação por leveduras e é uma levedura que vai fazer a fermentação e vai produzir dióxido de carbono (CO2), que são os “piquinhos” do champagne. Simplesmente ela quando produz, também cresce, também se desenvolve, produzindo uma concentração de leveduras dentro do vinho, o que quer dizer que vão ter de ser retiradas antes de ir para consumo”. Com a proposta deste invento, as células de levedura são imobilizadas (ou retidas) no interior de um gel de agar-agar em condições tais que a fermentação se dá sem que fiquem células livres em suspensão. A remoção dos fragmentos de agar-agar pode então fazer-se em poucos segundos em vez das referidas três semanas. “Fazia-se uma solução, metia-se as células numa fase adequada de crescimento, comprámos pratos de sopa, enchíamos os pratos, deixávamos solidificar e depois com uma faca cortávamos em cubinhos (esferas de agar-agar) que eram colocados na garrafa”, complementa Isabel Sá Correia.
A ideia cresceu no Laboratório de Engenharia Bioquímica, liderado na altura por Júlio Maggiolly Novais, e multiplicou-se numa colaboração com o Instituto Superior de Agronomia (ISA) e as Caves Raposeira. Na equipa estava Vergílio Loureiro, atualmente professor aposentado do ISA que trabalhou na área da microbiologia, que aprofunda a explicação do método “champanhês”: “Para remover essas células, vira-se a garrafa de gargalo para baixo e depois faz-se um processo de rotação da garrafa aos poucos, normalmente um quarto de volta da garrafa. Faz-se diariamente com o objetivo de fazer como que uma espiral de todas as células até encostarem ao fundo da rolha. É inclinado quase na horizontal e à medida que vai rodando a garrafa vai inclinando para cima, vai aumentando o declive”. Outro membro valioso do processo foi Joaquim Sampaio Cabral, professor do Departamento de Bioengenharia do Técnico, que fundou e presidiu, e que fez doutoramento no tópico chamado de imobilização de biocatalizadores ou de enzimas / células. “Eu nem sabia que era uma patente, quase, na altura. No Técnico era inédito”, confessa. Atribui o mérito a Júlio Novais, que introduziu a “área de biotecnologia em Portugal” (no Técnico).
E como entraram as Caves Raposeira no projeto? Pela via de Vergílio Loureiro, que foi colega de curso José Pinto Gaspar, administrador das caves à época do projeto. “Quando lhe expliquei o que tínhamos na ideia e os trabalhos preliminares que tinham sido feitos, aderiu entusiasticamente à ideia de montarmos lá ensaios”, conta. José Pinto Gaspar confirma: “Orgulho-me muito de ter participado. Senti-me um privilegiado por poder ter feito parte nesta aventura”.

A primeira patente do Técnico (e também primeir do ISA e das Caves Raposeira) representou um grande avanço tecnológico para a época, mas não chegou a ser aplicada. O projeto durou dois anos, mas a entrada numa terceira fase, de aumento de escala, implicava custos significativos no desenvolvimento de novos equipamentos que não puderam ser aplicados. Depois de 1985, muitos foram já os brindes às patentes registadas pelo Instituto Superior Técnico. Em dezembro de 2021 registavam-se já 286 invenções ativas, entre patentes e modelos de utilidade. E o número não tem parado de crescer ano após ano.

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