Episódio 77: O polarógrafo Cambridge

«A Polarografia é hoje um dos métodos de Análise mais cómodos e eficientes quando utilizada criteriosamente e por mãos experimentadas. Há actualmente um número elevado e crescente de laboratórios que recorre a esta técnica, pois que ela, além de resolver problemas analíticos difíceis de resolver por outros métodos, permite ainda abordar muitas outras questões de Eletroquímica». Era assim que, em 1953, Isabel Gago apresentava o polarógrafo Cambridge e a sua importância para o Técnico. Aquela que foi, em Portugal, a primeira mulher engenheira química, segunda mulher engenheira e a primeira mulher professora do Técnico (ouvir episódio Episódio 33: O Laboratório de Análises Portátil de Isabel Gago) introduzia um artigo científico publicado na Revista Técnica (ouvir episódio 26 – A Revista Técnica) por Maria Teresa Águas da Silva e que marcava o início do impacto do instrumento na investigação que se fazia na Escola.
A técnica de polarografia foi inventada em 1922 por Jaroslav Heyrovsky, que viria a receber o Prémio Nobel da Química de 1959 “pela descoberta e desenvolvimento dos métodos polarográficos de análise”. Ao Técnico, o polarógrafo Cambridge, exemplar histórico da primeira geração da polarografia, chegaria em 1948. O instrumento tem ainda hoje uma etiqueta muito velhinha e escurecida com a inscrição “Cambridge Instrument Company, Ltd”. “O primeiro que existiu em Portugal foi no Instituto do Vinho do Porto, no Porto. Posteriormente, no Técnico, o Professor Herculano de Carvalho, que era o diretor do Laboratório de Eletroquímica, decidiu desenvolver a técnica de polarografia”, conta César Sequeira, docente aposentado do Departamento de Engenharia Química (DEQ) do Técnico.

O instrumento abriu caminho para uma técnica essencial para determinar a quantidade e qualidade de algumas substâncias químicas, em especial metais. Através do controlo da intensidade da corrente é possível analisar e caracterizar diferentes espécies químicas, assim como determinar a concentração da espécie em solução. O potencial de aplicação multiplica-se por áreas como a medicina, a biologia, a metalurgia, a análise de compostos orgânicos e inorgânicos, o estudo das descargas eletroquímicas, a indústria alimentar, entre muitas outras em que há necessidade de fazer análises com grande precisão e de quantidades que existem em pequeníssima concentração em soluções químicas.
Alda Simões, também professora associada do DEQ, chegou a utilizar, como aluna, as técnicas de polarografia, mas num aparelho mais moderno. “O que esta técnica tem de muito interessante para os dias de hoje é que deu origem a várias outras – foi revolucionária”, explica. Atualmente, o polarógrafo encontra descendência num aparelho crucial para a eletroquímica – o potencióstato. “Uma boa parte das suas técnicas baseia-se na polarografia”, defende.
Enquanto foi útil, o polarógrafo do Técnico “foi muito utilizado e bem tratado”. “Sabemos que esta técnica foi usada aqui durante tempo. Chegou até aos nossos dias em muito bom estado, apesar de haver componentes que já não funcionam. Todo o aparelho inspira algum carinho”, descreve Alda Simões.

 

História Extra
Como uma Engenheira Química descreve o polarógrafo Cambridge
«É muito diferente dos aparelhos a que estamos habituados hoje em dia. Está montado numa caixa muito bonita, de madeira, com um trabalho de marcenaria muito interessante, com parafusos dourados… Tem uma série de botões que são manípulos para se controlar a voltagem que se aplica a uma célula eletroquímica.
E realmente era uma espécie de sintonizador, porque aquilo que fazia… isto trabalha com uma célula eletroquímica com o chamado elétrodo gotejante de mercúrio. Então tem um suporte, como um reservatório com mercúrio, e depois um tubo muito fininho. A partir daí, tem uma solução, que é a solução que se pretende analisar, e dentro dessa solução o elétrodo gotejante funciona como um dos elétrodos da célula e outro elétrodo é na prática o mercúrio que se acumula no fundo da célula e que tem uma ligação a este aparelho. Portanto, a gota acaba por ser renovada, o que dá sempre um elétrodo muito limpo, com uma dimensão que vai variando. Com esta técnica é possível controlar o potencial aplicado entre os dois elétrodos e esse potencial vai permitir, à medida que se varia o potencial vai-se detetando as espécies – porque cada espécie tem um potencial característico – e depois aumentando o potencial atinge-se uma corrente (corrente limite) que dá a medida da concentração na solução.
Abrindo… tem umas ligações para prender os elétrodos. Dois para o potencial e dois para medir a corrente. Depois um monitor que tem uma agulha e cinco botões que permitem rodar para controlar a corrente, a escala de corrente, e controlar o potencial. Depois tem um visor que tinha uma luz por dentro para se fazer a leitura.»
(Alda Simões)

 

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