Episódio 80: Balua, o balão de grande altitude

Em 2009, vários grupos de estudantes do Técnico mobilizavam-se para responder a um desafio lançado pela ESA – Estação Espacial Europeia, de participar no desenvolvimento de tecnologias espaciais. Um desses grupos decidiu fazer um desvio estratégico e trocou as voltas à ideia de construção de partes de satélites, focando-se no balão. “Chegámos à conclusão que, no tema do Espaço, demorávamos tanto tempo a atingir alguma coisa e acabávamos por terminar o curso e ainda não tínhamos feito nada de palpável. Então decidimos fazer outra coisa que era quase Espaço. Não era um satélite, era um balão”, descreve Diogo Henriques, um desses antigos estudantes, ainda hoje ligado a essa área de investigação, no Técnico. Nascia o projeto Balua, nome que “na nossa inocência” significava “o balão que vai à Lua”. Não foi. Mas subiu a grande altitude no envolvimento entre estudantes e investigadores do Técnico e no desenvolvimento de conhecimentos com impacto em áreas como a deteção e prevenção de incêndios,a vigilância da costa marítima, estudos ambientais ou fotografia aérea profissional.

O projeto Balua não se centrava apenas na construção do balão, mas também apostava numa carga útil (o chamado payload) que incluía aparelhagem eletrónica de comunicação e de recolha de dados, criada de raiz pela equipa, completada por outros aparelhos adquiridos no mercado, como um rastreador de satélite e uma câmara de vídeo digital. Não chegou à Lua, nem ao Espaço, mas sobrevoou a estratosfera da Terra a uma altitude de cerca de 35 quilómetros. “Estamos a falar do limite da nossa atmosfera, onde quase já não há ar. Já vemos um bocadinho da curvatura, mas pouco, já vemos o escuro do céu”, explica Diogo Henriques. “Temos imagens fantásticas, temos repetidores de comunicações, e muitas das condições semelhantes à do Espaço, como as temperaturas muito baixas, de -40 a -60 graus centígrados, e temos quase vácuo, uma atmosfera quase inexistente”, complementa. O Balua enfrentava também o desafio das comunicações. Apesar de estar a 30 ou 40 quilómetros de altitude, encontrava-se às vezes a 300 ou 400 quilómetros em distância horizontal, quase a mesma distância a que estamos de um satélite em órbita.
Com que objetivos voava o Balua? “Costumo dizer a brincar que era provar que a Terra não é plana”, responde. O grupo era maioritariamente composto por estudantes de Engenharia Aeroespacial e objetivo era mais concreto: garantir que uma câmara saísse, fosse ver e registar o espaço profundo e voltasse sem ninguém lhe tocar. “Lançar um balão é relativamente simples, é só largá-lo e ele sobe. O difícil é encontrá-lo de volta. Não temos as imagens à medida que o balão está a recolhê-las, não há transmissão de dados, o que implica sempre um processo de recuperação do payload”, aprofunda. E é aí que “entra a parte da engenharia e planeamento”, que envolve estimativas do vento, a direção e o que está em cada camada, e como o balão é arrastado pelo vento à medida que passa em cada camada da atmosfera. “A constância da direção do vento faz com que consigamos lançar na maior parte dos dias junto ao litoral e garantir que cai ainda em território nacional”, explica. Um dos desafios do projeto passava pelas deslocações até à região onde está prevista a queda do payload, uma verdadeira aventura, porque podia cair em qualquer lugar”.

Amadurecida a experiência de estudantes, os conhecimentos adquiridos pelo Balua foram-se convertendo e multiplicando por projetos de investigação, depois de uma tentativa de converter também o balão num planador, com uma inteligência que o tornasse capaz de voar e regressar a “casa” no final do voo. Alexandra Moutinho, professora no Departamento de Engenharia Mecânica do Técnico, e também antiga professora de Diogo Henriques, está hoje ao leme de projetos que têm essa ligação umbilical ao Balua. “Atualmente temos dois projetos de investigação que usam precisamente esta tecnologia dos balões para aplicações de investigação”, descreve. Um tem aplicações na área dos incêndios: uma aeronave que pode assumir-se como um satélite que poderá transmitir imagens em tempo real georreferenciadas da zona que estiver a arder e pode funcionar também como um repetidor de comunicações, impedindo a sua falha. O segundo projeto pode ser uma mais valia para a monitorização atmosférica e subaquática, recorrendo a balões para lançar sondas nos oceanos, evitando os elevados custos atualmente associados a esse processo. “O número de aplicações em que podemos usar os balões é muito grande, principalmente se queremos esta lógica de ter uma imagem aérea bastante mais alta. Estamos a falar de quilómetros de altitude, que não conseguimos com satélites nem com drones”, resume. Grandes altitudes atingidas por um balão que, nas palavras de Diogo Henrique, nasceu para gerar a “satisfação de fazer coisas que funcionam”.

Ir à estratosfera conhecer as variações do azul e voltar
«Durante o curso estávamos todos a aprender alguma coisa, mas no final sentíamos que precisávamos de aplicar isto de alguma maneira, ter essa satisfação que é enorme numa coisa destas, principalmente quando começamos a ter feedback de terceiros que queremos fazer coisas connosco, repetir… como o de ´fazer um estudo para azul’: Tivemos um artista, o Márcio Vilela, que é fotógrafo e queria fazer um estudo cromático para o azul. Queria perceber como é que o azul do céu varia com a altitude. Ele começa no azul claro e acaba no preto. Tirou fotografias desde os zero aos trinta quilómetros, fez a variação da cor e conseguiu apanhar a atmosfera.»
(Diogo Henriques)

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