Episódio 83: FeedBot, o braço robótico

Quase todos os dias, à hora de almoço, é comum observar-se nos vários refeitórios do Técnico grupos de professores e investigadores em discussões e partilha de ideias. Um desses grupos integra vários professores do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores (DEEC) e investigadores do Instituto de Sistemas e Robótica (ISR-Lisboa), incluindo Manuel Marques, portador de paralisia cerebral, e João Paulo Costeira, um dos seus colegas de trabalho. A assistência ao investigador do Técnico no processo de alimentação é encarada com naturalidade. “Se o Manuel precisa de comer, alguém dá de comer. Faz parte da rede social. O vínculo nesta profissão vai para lá da mera prestação de serviços”, sublinha João Paulo Costeira. É tão natural que foi preciso um olhar do exterior para identificar um possível problema cuja solução poderia contar com o contributo do mesmo grupo de investigadores: como ajudar a alimentar quem não tem a possibilidade de se alimentar sozinho?
Da pergunta nasceria uma linha de investigação que viria a dar origem ao FeedBot, um braço robótico com o objetivo de ajudar pessoas com dificuldades motoras. Mas até se chegar à pergunta (e ao objeto que se encontra na Torre Norte do campus da Alameda) foi necessária uma viagem aos Estados Unidos da América, como conta o próprio Manuel Marques: numa visita à Carnegie Mellon University, em 2014, a professora portuguesa de robótica e computação, Manuela Veloso, reparou que precisava de ajuda de outras pessoas para almoçar e lançou o desafio de criar algo que o tornasse capaz de se alimentar sozinho. “A ideia foi dela. Realmente eu nunca senti a necessidade porque tenho sempre companhia para almoço e para jantar”, explica. “O desafio foi: ‘vocês têm as competências’ – ambos somos investigadores em visão por computador – e como é que o Manuel não tem um sistema autónomo? Ora, não nos tinha passado pela cabeça essa ideia”, reforça também João Paulo Costeira.

A partir de 2017, formou-se uma equipa e deu-se início ao projeto científico que serviria de base à construção do robot – o FeedBot. Como prioritários estavam os aspetos da visão e da manipulação. “São dois aspetos fundamentais: a perceção, saber onde está a cara e a boca para levar a comida e outro, em inglês o scooping, que é ser capaz de meter comida na colher, sem a deixar cair”, explica João Paulo Costeira. O resultado, apenas dois anos depois, expressou-se num robot já capaz de ajudar um homem a alimentar-se e com algumas componentes completamente inovadoras. No campo da visão, Manuel Marques converteu-as em artigos onde dá um enorme contributo para a resolução de um dos mais complexos desafios: fazer o robot adaptar-se ao ritmo e aos movimentos de cada pessoa. “Um dos objetivos do projeto era que o braço robótico fosse ao encontro da pessoa a alimentar e não o contrário”, explica Manuel Marques. A solução passou pelo desenvolvimento de algoritmos que, recorrendo a um sistema de câmaras, ajudavam o Feedbot a identificar movimentos do utilizador e assim perceber onde estava a boca da pessoa.

A utilização que o próprio Manuel Marques fez do FeedBot resumiu-se, essencialmente, a lanchar um iogurte à hora que entendia, de forma autónoma. Porque o almoço é combinado e faz-se em grupo. Para João Paulo Costeira, o robot nunca será uma alternativa ao acto social da hora de almoço: “É hora de discussão, criação. Faz-se muita coisa à hora de almoço. Também comer”. Mas pode representar um enorme potencial por exemplo “em instituições em que é preciso alimentar 20 ou 30 pessoas e a alimentação não é um acto social, é apenas uma pessoa a distribuir comida”. “Aí o robot vai permitir a socialização. Em vez de estarem à espera de ser alimentadas, estão a interagir enquanto o robot as alimenta”, complementa.
E quanto às refeições de Manuel Marques, é expectável que sofram alterações? Enquanto houver um ser humano por perto, não. “Gosto muito das refeições que sempre tive com familiares, amigos e companheiros de trabalho”, responde com complemento: “Nós portugueses somos assim, muitas vezes temos as ideias à volta de uma mesa”.

 

Como ensinar um robot a perceber o momento de interação social
«[O FeedBot] é uma máquina automática em que é basicamente uma colher com uns motores e um bracinho que vai a um prato, põe comida num prato e fica quieto à espera que a pessoa lá vá. É uma máquina, não tem perceção, portanto não se adapta. A pessoa é que se adapta à máquina.
O problema que foi posto e que se desenvolveu (há várias teses para lá da tecnologia) é que este sistema tinha que se adaptar ao utilizador. Um dos trabalhos que foi feito foi – o Manuel Marques tem uma relação desde sempre com o Centro de Reabilitação Paralisia Cerebral Calouste Gulbenkian – foi mostrar variabilidade na incapacidade motora. Há pessoas que mexem pouco a cabeça e, portanto, o robot tem de ir de encontro à pessoa, outras têm movimentos involuntários, e têm muita mobilidade na cabeça, portanto o robot aí ou espera ou segue a pessoa até cumprir a tarefa.
Há mais passos a dar. Sobretudo quando olhamos para a refeição como ela é, que é um acto social e não um acto mecânico. Na parte mecânica, o Feedbot mostra que se resolve. É possível. A questão é que depois o robot, se a gente tem arroz com feijão e só nos dá o feijão, a refeição não corre lá muito bem.
A outra questão é: quando é que uma pessoa come? O robot tem que adivinhar quando é que me apetece uma colherada. Se eu estou no meio de uma conversa e vem o robot e enfia-me uma colherada na boca, não é propriamente um acto simpático. Quando eu alimento o Manuel, inconscientemente eu sei quando é que devo dispor a colher… Um dos próximos passos é poder dizer ao robot o que fazer a seguir.»
(João Paulo Costeira)

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