Episódio 92: O ampliador de fotografia

O ampliador de fotografia do Núcleo de Arte Fotográfica do Técnico (NAF) ajuda-nos a reconhecer com maior detalhe os mais de 70 anos de história daquela que é a secção autónoma mais antiga da Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico. O objeto, seguramente com cinco décadas de existência, foi usado por várias gerações de estudantes do Técnico e também pela comunidade da cidade, a quem o laboratório de fotografia analógica do NAF se abre. “Acho que ainda o vi no laboratório… é muito antigo, tem mais de 50 anos de certeza”, diz Carlos Miguel Fernandes, investigador no Instituto Superior Técnico e colaborador do Núcleo há cerca de 30 anos. No entanto, garante: “Nos ampliadores não houve uma evolução muito grande. Aquilo restaurado faz perfeitamente o mesmo que os outros (com a diferença de ser necessário introduzir filtros manualmente). Restaurado, monta-se e amanhã está a ser usado”. O testemunho do objeto faz-se também pela sua estética, que remete para outros tempos. Já Emanuel Moreira, antigo estudante do Técnico e atual diretor de uma empresa da área do software, tem memórias mais específicas sobre o amplificador: “É provável que o tenhamos recuperado. Chegámos a ter nove ampliadores, tentámos recuperá-los a todos. Toda a gente que lá passou usou esse. Depois comprámos lentes melhores… mas sim, de certeza que trabalhei com ele”.
Emanuel Moreira integrou o Núcleo em 1991/92, numa altura que a estrutura recuperava de uma fase menos ativa. “No início dos anos 90 veio uma nova geração de alunos que pegou nisto e deu uma nova dinâmica”, recorda. Já gostava de fotografia e a descoberta de um laboratório de fotografia a preto e branco no Técnico levou-o a juntar o seu nome à história do NAF, núcleo com raízes no início da década de 50. As receitas vinham essencialmente da loja de fotografia e de cursos de fotografia. “Começámos a gostar daquilo, a passar lá muito tempo e às tantas começámos a perceber que fazia sentido pegar. Queríamos fazer exposições e trabalhar em fotografia, tínhamos ali sempre aquele sonho da arte fotográfica. Começámos a melhorar as coisas para podermos ter dinheiro para podermos investir no laboratório para podermos chamar mais pessoas”, recorda.

O grande momento de reconhecimento da importância NAF chegaria em 1993, na ponta de cassetetes. As violentas descargas policiais sobre um grupo de estudantes nas imediações da Assembleia da República, em Lisboa, foram captadas pelas objetivas de vários estudantes do Técnico. “Estivemos lá nos sítios onde as cosias aconteceram. Da primeira vez que houve uma carga policial a sério, tínhamos uma série de pessoas que estavam lá e tiraram fotografias ‘lindíssimas’, no sentido de poderosas”, recorda Emanuel Moreira.
Na altura, esse grupo de estudantes tinha “a mania” de querer ser fotojornalistas e tentou inclusivamente ter acesso a carteiras profissionais. Não era possível. “Então criámos nós próprios os nossos cartões de fotojornalistas para quando fosse preciso passar as barreiras policiais. Às vezes funcionava, outras vezes não”, recorda. Nesse dia de novembro de 1993 funcionou algumas vezes e o acesso deu origem a três dias sem sair do laboratório para revelar fotografias que contassem o que aconteceu. “Conseguimos pôr de novo a luta estudantil na boca do mundo e mostrar que alguma coisa estava mal: quando tem de ser recorrer à violência para calar um conjunto de estudantes há ali qualquer que não está bem”, defende.
O reconhecimento aliava-se à abertura que o NAF sempre teve com a comunidade, através do seu laboratório, caraterística que ainda hoje mantém. “Aquele laboratório era uma coisa impressionante, era provavelmente o único que havia em Lisboa, não pertencente a uma escola específica, aberto ao público. Praticamente era gratuito. Naquela altura tínhamos mais estudantes de fora do Técnico do que propriamente do Técnico”, recorda Emanuel Moreira.
Carlos Miguel Fernandes deixa um conselho a quem, hoje, também quiser utilizar o laboratório: “Tentem. Quem gosta de fotografia, quem já se interesse, que tente a fotografia analógica. Pode parecer limitador, mas permite pensar a fotografia de uma forma que o digital não deixa. O digital, ao ser tão abrangente, tão livre, tem o efeito inverso, limita-nos um pouco todo o potencial que temos em interpretar a imagem e ler a imagem”. mas nem só de fotografia vive o grupo, como testemunha Emanuel Moreira: “Um dia inscrevi-me para ir lá fazer umas brincadeiras, no mesmo dia conheci uma pessoa que é uma das minhas melhores amigas e que me acompanhou a vida toda desde o Técnico”.

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