Episódio 94: O impressor telegráfico Hermann

Numa fita de papel fino surgem impressos pontos e traços, entre os intervalos que os separam. É umas primeiras expressões visuais da comunicação entre dois pontos distantes quase em tempo real. Hoje, a comunicação em tempo real é uma realidade quase banal, mas nos finais do século XIX esta visão era absolutamente inspiradora. O impressor telegráfico surgia como um aparelho capaz de registar mecanicamente de forma escrita as mensagens recebidas por código morse e deixaria mais ligadas as pessoas do planeta.
Em Portugal, o fenómeno não foi ignorado, tendo-se determinado em 1864, pela Direção Geral dos Telégrafos do reino, o desenvolvimento de um impressor telegráfico, para ser instalado em postos de correios um pouco por todo o país. Nasceria assim o impressor telegráfico Hermann, quase todo desenvolvido em Portugal, com exceção de algumas peças de relojoaria trazidas de França.
Maximiliano Augusto Herrmann (1838-1913), português de origem alemã, era um especialista na área dos telégrafos e assumiu essa missão: construiu uma fábrica para produzir esses telégrafos e recheou as várias estações dos Correios com o aparelho. Um desses exemplares está hoje no Museu Faraday, no campus Alameda do Instituto Superior Técnico, e a funcionar em pleno.
O aparecimento do impressor foi “muito importante porque deixava de ser preciso ter pessoas a descodificar as mensagens: recebe a mensagem e põe numa fita em papel”, descreve Moisés Piedade, responsável pelo Museu Faraday e professor aposentado do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Técnico.

O impressor telegráfico Hermann – o termo “impressoras” só surge na era dos computadores – imprimia códigos morse numa fita de papel muito estreita, com um mecanismo assim descrito por Moisés Piedade: “Imprime usando tinta da China e através de um mecanismo de relojoaria que faz atravessar o papel e tem um solenóide que acordo com os impulsos de traço ou ponto vai encostando papel a uma caneta de tinta”. Um processo de comunicação eficaz mas que também convencia pela sua estética: “Este impressor é visualmente um aparelho bonito”, avança Albano Inácio dos Santos, engenheiro eletrotécnico e colaborador do Museu Faraday. “Tem uma grande roda onde é armazenada a fita para imprimir o texto e é interessante porque é uma coisa mecânica que descodificava sinais já no século XIX. Na altura ainda não havia transmissão de voz, só era possível transmitir sinais elétricos que podiam ser descodificados em pontos, em traços e intervalos entres as duas coisas. E esses pontos e traços constituiriam a transmissão das palavras que se queriam enviar para outro lado”, descreve. Até então, as mensagens “podiam ser descodificadas acusticamente. A pessoa ouvia e descodificava. O que era normal era escrever num papel (uma pessoa que seja rápida a escrever em papel) a partir do som escrever a mensagem no papel”, complementa Moisés Piedade.

O exemplar do Museu Faraday não só está exposto à entrada como está em perfeito funcionamento. “Foi descoberto aqui numa sala e pusemo-lo a trabalhar. Não foi muito difícil. Estava bem conservado, não tinha oxidações, não estava preso como costumamos dizer em termos de mecanismo, estava tudo a funcionar, foi quase uma limpeza, foi preciso arranjar o tinteiro e a respetiva caneta que esses sim estavam sujos e não funcionavam”, descreve Albano Inácio dos Santos. A única dificuldade foi encontrar um rolo de fita de papel tão fina. “O que fiz foi comprar um rolo grande e parti-lo em fatias pequeninas. Nos Museus, ou se tem paciência ou não há museus”, explica Moisés Piedade. E assim ficou o impressor a funcionar, como é filosofia do Faraday: “As coisas que estão aqui têm de passar pelo processo de pôr a trabalhar, senão não é Museu, é uma prateleira”.

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