Episódio extra: O mocho de pedra do Técnico

Afinal havia outro. E era um mocho de pedra. O objeto extra do podcast “110 Histórias, 110 Objetos” é uma escultura do artista plástico Bordalo II, que inclui material metálico recolhido entre o “desperdício” dos laboratórios do Instituto Superior Técnico. A obra é uma das primeiras desta série feita em pedra pelo autor pensadas para o espaço público. Nasceu com o objetivo de representar todos os objetos do Instituto Superior Técnico cujas histórias não puderam ser contadas ao longo dos 110 episódios do podcast. E está, desde fevereiro de 2024, à entrada do Técnico Innovation Center, junto ao Jardim do Arco do Cego, em Lisboa.

“Nesse percurso todo, enquanto se construíram as histórias dos 110 objetos, construiu-se também a história desta escultura. Representava tudo aquilo que era o Técnico e que o Técnico poderia ser no futuro: a junção de ideias diferentes, de sabedoria, de juventude”, enquadra Rogério Colaço, presidente do Técnico. “Neste projeto, contámos a história de objetos extraordinários, fora de série, mas nenhuma instituição é feita só de excelência. Toda a excelência tem sucessos, fracassos, desperdícios, coisas que não usamos, coisas que achamos que já não servem. O desafio a que aqui nos propusemos foi o de como construir um objeto que conseguisse simbolizar isso tudo, sendo um novo objeto, mas um objeto que nos desse prazer de desfrutar”, explica Joana Lobo Antunes, coordenadora da Área de Comunicação e Marketing do Técnico e autora do podcast. “Para nós foi óbvio que a pessoa que deveríamos chamar seria o Bordalo II e assim foi”. E a partir da ideia nasceria uma obra de arte que muito rapidamente foi ganhando a forma de um animal.
“É um mocho”, confirma o artista plástico Artur Bordalo, conhecido artisticamente como Bordalo II. “Tem a ver com a parte da sabedoria dos mais novos, é um mocho jovem e fica num sítio em que a malta vem beber copos, confraternizar, viver. Acho que é muito importante as pessoas não se esquecerem que viver não é apenas seguir as regras e viver em modo quadrado”, complementa. O autor explica ainda o sentido que encontrou para esta personagem – “um mocho peludo, despenteado, assim uma bolinha”: “Está em início de carreira, de vida, é uma esponja, ainda está a tempo de aprender muita coisa”.
Para o artista, trabalhar com este tipo de materiais (essencialmente pedra mas também algum metal recuperado entre o “lixo” do Técnico) acaba por “ir bastante ao encontro de coisas que se estudam, que se aprendem e com que se trabalha no Técnico”. “Trabalhar com uma Faculdade acaba por estar também muito ligado aos meus princípios e àquilo que eu defendo. Uma das coisas que eu defendo é que a educação e a cultura são a base de uma sociedade sustentável”, aprofunda.
Na visão de Rogério Colaço, a estátua assume-se ainda como um convite a toda a comunidade. “Se há uma palavra que caracteriza este mocho jovem à porta do Técnico é essa: convite. Venham ver-nos, conhecer-nos e ver aquilo que os nossos estudantes e investigadores fazem. Venham entrar e venham conhecer o Técnico”. Para além do mocho, muitos dos objetos que deram corpo a este podcast podem ser vistos numa exposição a apresentar no mesmo espaço, entre 23 de maio e o final de 2024. Foi também editado um livro que que conta a história de todos os 110 (agora 111) objetos. E depois deste episódio, ainda sobram histórias para contar? Responde Rogério Colaço: “Com certeza. O Técnico tem infinitas histórias para contar”.

Extra: Pedras: Desperdício ou as vidas infinitas das matérias primas?

«Trabalhando com o Técnico faz sentido usar estes materiais. Muitas vezes as pedras que usamos são pedras de entulho ou desperdício de edificações ou de partes da construção e acho que isso acaba por estar também muito ligado à parte da Engenharia, não só da Arquitetura mas também da Engenharia, que é uma das coisas que acredito que seja importante no Técnico. Quando um engenheiro projeta alguma coisa – uma ponte, um prédio, seja o que for – vai ser escavado um solo, vai ter de se preparar uma zona em que antes de estar lá edificada ou preparado esse mobiliário urbano de grande porte humano, preparado pelo homem, estiveram elementos naturais, pedras, metais., n coisas completamente diferentes daquilo que nós construímos por cima. Se calhar um prédio tem pedras nas cantarias, ferros nas varandas, betão na sua estrutura, madeira nos acabamentos, mas todas essas coisas são já uma transformação de materiais naturais, por assim dizer.
Tento agarrar em alguns desses materiais naturais (que nessa exploração para os transformar em coisas que o homem pode usar, se perdem, esse tal desperdício), as partes que não têm aproveitamento na parte da pedra, e conseguir fazer um puzzle com essas coisas, transformando-as, cortando-as, jogando com os claros, os escuros, até construir uma forma de um bicho que podia eventualmente ter vivido nesse espaço onde tudo isso foi explorado, adulterado, alterado, até se transformar em entulho.

Os materiais que compõem uma peça podem dar inúmeras voltas e acho que isso é relevante também para entendermos o quão importante é por exemplo a reciclagem. As coisas podem não voltar a ter interesse ou utilidade enquanto coisa mas têm interesse enquanto material. As coisas irem para um aterro é estar a enterrar matéria prima, porque a matéria prima dá muitas voltas na sua vida, é quase infinita a possibilidade de utilização que têm.»
(Artur Bordalo)

«No início [da pesquisa para esta estátua], queríamos aproveitar todo o lixo possível e imaginável. Até ter descoberto que nem todo o desperdício poderia servir para este fim. Então andámos ao lixo em vários sítios, a tentar recuperar tudo o que pudesse. E às tantas fomos inundados com pessoas que queriam dar-nos todo o tipo de coisas, desde plástico, metal, pedras, tudo e tudo. Algumas puderam ser aproveitadas, outras não. Estão bem visíveis. Aquilo que teria sido sucata ou desperdício do Técnico, neste momento tem uma nova vida nesta obra aqui à porta, pela arte e o engenho do Bordalo e da sua equipa. Estamos muito orgulhosos com isto.»
(Joana Lobo Antunes)

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