Fotografia do violino em fundo branco

Episódio 1: O violino do Bensaude

Alfredo Bensaúde foi um dos primeiros Doutorados em Portugal, introduzindo no país um conjunto de ideias que revolucionaram por completo o ensino da Engenharia em Portugal no início do século XX. Aplicou-as no Instituto Superior Técnico, instituição da qual foi o primeiro Diretor e de que se viria a tornar Diretor Honorário. Mas a sua vida teve outra grande paixão, que se manifestou durante os seus tempos de estudante, de um percurso académico feito na Alemanha: durante o ano letivo de 1874/1875, suspendeu a sua atividade académica para se dedicar inteiramente ao ofício da construção de violinos. Ao longo de 53 anos, construiu sete e reparou e colecionou um número de instrumentos impossível de quantificar. O violino número 3, construído há quase 120 anos por Alfredo Bensaúde – “violeiro amador”, como os assinava – encontra-se atualmente na Sala Duarte Pacheco, o gabinete do Presidente do Técnico, depois de ter estado guardado num cofre durante décadas. Porquê? “Nós perdemos a memória dos objetos escondidos. É um objeto esteticamente muito bonito, tecnicamente muito difícil de construir e simboliza aquilo que é a matriz cultural do Técnico em termos culturais e de formação”, explica-nos Rogério Colaço, atual presidente do Técnico.
“Bensaúde fez a sua formação no exterior e, quando regressou a Portugal defendeu um conjunto de ideias, em termos de ensino, bastante disruptivas para a altura e que inclusivamente lhe causaram alguns dissabores entre os colegas que não estavam habituados a ideias tão progressistas. Defendia que a formação técnica se faz pela prática, ou seja, com as mãos nas coisas”. Foi também com as próprias mãos que Bensaúde construiu os seus violinos, um detalhe que Rogério Colaço considera profundamente simbólico. “É que faz parte da matriz de formação do Técnico, ao longo de mais de um século: a formação pela prática. Os nossos alunos têm que ter acesso a laboratórios, a empresas, e isso vem desde o tempo do Bensaúde. O saber é indissociável do saber fazer”.
Um dos seus grandes marcos foi a apresentação de um Projeto de Reforma do Ensino Tecnológico, em 1892, em que destacava precisamente as deficiências do ensino a nível pedagógico, em particular a fraca preparação dos alunos, mas também em termos de instalações. Mais tarde, na qualidade de diretor do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, apresentaria também um relatório preparatório da criação e definição do modelo de organização e gestão do Instituto Superior Técnico. Foi já como professor e diretor do Técnico, a partir de 1911, que Bensaúde iniciou a renovação do modelo de funcionamento e dos métodos de ensino da engenharia em Portugal. Pelo meio, sempre a paixão pela música.
Voltando ao violino número 3 e à sua qualidade: Não está mal mas não é assim nada de especial”, brinca Christian Bayon, violeiro profissional e fabricante de violinos e violoncelos. A avaliação é feita segurando o violino número 3 com as próprias mãos: “É um violino com história, feito por uma pessoa importante para o país”. “É um trabalho de amador muito bem feito, de acordo com as regras. É uma pessoa que se informou, feito com métodos profissionais”, complementa. A descrição técnica dos sete violinos de Bensaúde aponta uma cobertura de verniz na sua composição e uma total simetria “na curvatura dos tampos e no contorno da costilha”. Mas a sua principal caraterística está mesmo no simbolismo. Voltando a Rogério Colaço e à sua avaliação deste um “objeto esteticamente tão bonito, tecnicamente muito difícil de construir”: “É de grande relevância simbólica, não só porque foi pertence ao fundador do Técnico, como foi construído por ele. Nós hoje em dia se olharmos para pessoas que têm cargos dirigentes, poucas são aquelas que têm disponibilidade para fazer coisas com as suas mãos. E as coisas fazem-se com a mãos”.
Construído em 1904, estimado uma vida inteira, foi utilizado pela última vez em concerto em 2011. Testemunha a intensa atividade de reparação, colecionismo e construção de violinos por Alfredo Bensaúde. O último a que deu corpo surgiu em 1927 e foi batizado de “Canto do Cisne”.

 

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