Episódio 21: Os Painéis da Destilaria
É uma imagem comum no dia-a-dia do Técnico e acontece pelo menos desde os anos 60. Um grupo de alunos de Engenharia Química aguarda no hall do rés-do-chão do Pavilhão de Química que os estudantes de outra turma saiam do anfiteatro para poderem entrar e assistir à sua aula. Enquanto esperam, analisam os painéis da destilaria que ocupam dois cantos superiores da parede. “Eram icónicos. Estávamos ali e grande parte das pessoas estavam a apontar pormenores: porque é que a bomba está ali numa cova naquele sítio, a questionar-se sobre coisas que viam nos painéis e que não percebiam bem como é que funcionavam”, recorda João Carlos Moura Bordado, Professor de Engenharia Química do Técnico e estudante do Técnico no final dos anos 60.
Os painéis representam uma destilaria, ou uma fábrica de etanol, que foi construída em Angola provavelmente entre os anos 30 e 40. “Contemplávamos [os painéis] com um certo interesse. Ver uma fábrica de um produto tão elementar como o etanol era interessante, os alunos olhavam para aquilo com alguma admiração. Há ali uma série de pormenores que um aluno só mais tarde vai perceber porque é que importante que seja daquela forma”, complementa.
A fábrica produzia cerca de 15 toneladas de etanol (álcool etílico) por dia. “É uma quantidade enorme. Estamos a falar de uma fábrica com terreno e edifícios com pelo menos 4 a 5 hectares. E depois o equipamento de aço, quer reservatório de matérias-primas, quer de produto acabado, ocupa cerca de 1 hectare”, descreve.
Os painéis são ilustrativos e as técnicas que os mesmo testemunham “são basicamente as mesmas com alguns acrescentos; em termos construtivos, as fábricas continuam a ser muito parecidas”. As cores nos painéis seguem também uma lógica: “Tipicamente na indústria química, atribuímos uma cor ao produto principal, neste caso seria à matéria-prima e ao etanol, tudo quanto é água geralmente é verde, ar comprimido são tubagens azuis. Cada tipo de fluido tem uma determinada cor, existe uma espécie de código de cores”, explica João Carlos Bordado, professor com 48 anos de experiência no ensino e 25 na indústria química.
Não é claro quando foram os painéis colocados nas paredes, nem quem os ofereceu ao Técnico. “Quando entrei no Técnico em 1968, como aluno de Engenharia Química, já estavam lá e já tinham algum pó. Imagino que estivessem há dez anos ou mais. Pode ter sido algo que o dono da obra a exigiu que fosse feito e, quando a fábrica ficou construída, ofereceu ao Técnico”, analisa João Bordado. Na altura não havia a tradição de fazer maquetes, pelo que muitas fábricas exigiam à empresa construtora que fizessem.
No final dos anos 60, o ambiente do Técnico era um bocadinho diferente: “Tinha uma estrutura muito liberal. Cada aluno organizava-se como queria e tal, ia às aulas que queria, os alunos não tinham faltas, mas se não se organizassem e se atrasassem nas matérias, de facto depois não conseguiam passar de ano quando chegassem ao exame”, recorda João Bordado.
Para os alunos que hoje entram no Técnico, o docente recomenda como ferramenta principal – para que possam posteriormente progredir na carreira profissional – “a capacidade de autocrítica”: perceber o que hoje não correu bem e amanhã se pode fazer melhor.
“Os alunos de Engenharia que entram no Técnico devem ser motivados para a atividade profissional que vão exercer. Dar-lhes exemplos [como os painéis da destilaria] logo nos primeiros momentos de contacto com o Técnico daquilo que vão ver na vida profissional é ilustrativo mas também impactante”, complementa.
- Conteúdo Extra:
Entrevista completa a João Carlos Moura Bordado, professor do Instituto Superior Técnico
Fotografias dos painéis da destilaria - Agradecimentos:
João Carlos Moura Bordado
Dulce Simão
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