Episódio 34 – ISTSAT-1: O 1.º Cubesat português

Se tudo correr bem, daqui a dois anos estará a arder ao reentrar na atmosfera. Antes disso, a previsão é que vá para o espaço, ainda este ano, à boleia de um satélite da Agência Espacial Europeia (ESA), e cumpra a sua missão. Para além dos objetivos científicos do projeto, o ISTSAT-1 leva no seu histórico muitas horas de dedicação e de criação de propostas tecnológicas inovadoras de alunos e professores do Instituto Superior Técnico. É o primeiro nanosatélite, no formato Cubesat, totalmente desenvolvido em Portugal e está praticamente pronto para entrar em órbita, a 580 km da Terra, e testar a capacidade de deteção da presença de aviões em zonas remotas.
Entre botões, rádios, monitores e microfones, a partir do espaço que acolhe o projeto ISTSat – a sala 0.77 do campus TagusPark do Técnico (Oeiras) – e que em breve se tornará na sala de controlo de missão do ISTSAT-1 –  Rui Rocha, coordenador do projeto e professor do Departamento Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, explica-nos os próximos passos da iniciativa: “Entregaremos o satélite à ESA, para depois passar uma série de testes e exames em ambiente espacial e provar que continua a funcionar e é suficientemente fiável para colocar a bordo. A ESA colocá-lo-á num lançador, provavelmente o Ariane 6, que será lançado na base da Guiana, em Kourou, para uma órbita. O que se sabe até agora é que será elíptica, não se sabe exatamente os parâmetros ainda, e com esta órbita ficará um ou dois anos em serviço. Se tudo correr bem, será controlado a partir desta sala onde estamos agora”. Uma vez no espaço, o ISTSAT-1 será projetado e seguirá o seu caminho sozinho. Depois de lançado e identificada a sua posição enviará dados sobre os aviões para algumas estações terrestres habilitadas pelo projeto.

O projeto ISTSAT-1, que começou a ser construído em 2017, insere-se num programa espacial criado para equipas universitárias, o Fly Your Satellite. É um dos quatro sobreviventes entre 13 propostas iniciais e o único que desenvolveu toda a estrutura do satélite. “Quando começámos a pensar no nanosatélite, um dos nossos objetivos era fazer tudo aqui no Técnico. Foi a nossa principal motivação inicial: sermos capazes de fazer pela primeira vez em Portugal um satélite de raíz, desde o zero”, explica Moisés Piedade, antigo professor do mesmo Departamento e um dos responsáveis pelo projeto. Antes deste satélite já existia também no TagusPark, desde 2005, uma estação de rastreio de satélites, que deu origem ao projeto Nanosat.
O satélite é um cubo de 10/10, cada aresta com 10cm – tamanho uniformizado internacionalmente para este tipo de aparelhos – onde “cabe muita coisa”, sensação amplificada pelo potencial da nanotecnologia na eletrónica. “Lá dentro tem um sistema bastante complexo. Levamos a bordo cinco placas, cinco subsistemas”, explica Rui Rocha. A maior parte destas placas são aquilo que se designa pela plataforma como aviónica e tem que existir em todos os satélites. Todas têm um computador. Uma delas é a chamada carga útil do satélite e o resto faz parte das plataformas de alimentação, incluindo o computador de bordo que controla tudo, o processador de comunicações e a placa responsável pela missão.

E como se escolheu a missão? “Foi um bocadinho difícil arranjar uma missão que, de alguma forma, fizesse sentido e nos fizesse sentir que o satélite era útil em alguma coisa”, explica Rui Rocha. Acabou por se encontrar um enquadramento relacionado com os sinais que os aviões são obrigados a enviar, desde 2020. É através desses sinais que é possível, por exemplo, saber o paradeiro de qualquer avião, como podemos observar em algumas aplicações informáticas. Esses sinais concentram-se, contudo, em zonas onde existem aeroportos e onde se vê a terra. Em zonas remotas geralmente não se detetam aviões, não por não existirem mas porque não há nenhuma estação terrestre a receber esse sinal. “É exatamente esse o interesse de um serviço destes oferecido a partir do espaço e é isso que o Satélite no fundo vai provar: que o nosso sistema, a nossa carga útil é capaz de receber esses pequenos sinais a partir da órbita”, complementa. “O grande objetivo é provar que é possível num espaço tão pequeno e com aquele tipo de eletrónica e com aquele tipo de antenas (fáceis de fabricar) receber esses sinais”.

“Para mim é um desafio de engenharia ao mais alto nível podemos fazer aqui no Técnico. Foi basicamente isso que nos motivou”, resume Moisés Piedade. “Mesmo que o cubo seja posto no espaço e não funcione, nós já ganhámos porque já aprendemos imenso: criámos entusiasmo entre os alunos e aprendizagens para além daquilo que lhes proporcionamos no curso. O que mais me motiva é isso: o desafio de resolver problemas muitas vezes por mecanismos que nunca foram estudados”, complementa Rui Rocha. E há sempre novos ângulos para perguntas por responder. Como a questão da alimentação de energia para estes satélites, explicada por Moisés Piedade: “Foi uma aprendizagem muito grande para nós, porque as normas da ESA são extremamente exigentes. Fizemos testes pela primeira vez com as baterias de lítio nestes pequenos satélites e foi uma coisa que a própria ESA aprendeu connosco”.
O projeto poderá dar um contributo fundamental à ciência aeroespacial. Um longo caminho desde a recolha de dados à morte planeada, cujas datas apenas descobriremos assim que se determine o dia e identifique local de entrada do satélite em órbita.

Quatro histórias contadas por Rui Rocha sobre o ISTSAT-1:

Um: Porquê um cubo tão pequeno?
«Quanto maior for o peso, mais caro fica lançá-lo. Nós começámos por propor um satélite de 3 us (3 unidades de satélite), mas era muito mais caro do que lançar só um u, que é um pequeno cubo, com 10 por 10 por 10cm.
Esse u vem da proposta de estandardização que surgiu nos Estados Unidos no início do século exatamente como uma maneira de democratizar o acesso ao espaço e até para facilitar esse acesso a estudantes universitários. Resolveram estandardizar a medida e este cubo de 10cm de aresta passou a designar-se por unidade fundamental que é um u. E partir deste u desenvolvem-se satélites grandes. Por exemplo, 12 u, 24 u…. Atualmente os satélites são todos desenvolvidos com base neste padrão, que é uma coisa incrível.
Normalmente para estes satélites pequenos não se contrata um lançador e o que se faz é usar estes lançamentos, por exemplo em satélites de maiores dimensões, ou aqueles dedicados às telecomunicações ou à observação da Terra, e leva-se a bordo quase como passageiros clandestinos estes pequenos satélites. E o problema punha-se: como é que se vai lançar isto, como se faz este lançamento? Normalmente o posicionamento em órbita é feito por dispositivos especiais que são transportados na cúpula destes foguetes que depois abrem… Para além da dimensão dos cubos, foi proposto também um lançador. É uma espécie de catapulta, imagine um tubo com uma mola no fundo, que permitia lançar satélites com uma unidade (Um U) ou dois U. Essa geringonça chama-se P-Pod e permitiu democratizar estes lançamentos. Estas boleias em foguetes que seriam usados para lançar estas coisas.»

Dois: A história do nome que nasceu antes do projeto
«O Satélite chama-se ISTSAT-1, mas o nome original era ISTNanoSAT-1. E o responsável pelo seu batismo é precisamente o Professor Moisés Piedade, porque a história começa muito antes do Satélite ter realmente existido (a partir de 2017). Na prática a história do nome vem da altura em que essa estação de rastreio de satélites foi inaugurada no campus TagusPark do Técnico (2008). Nós fizemos aqui uma sessão de apresentação à imprensa, com vários convidados e vários jornalistas. Foi uma sessão essencialmente levada à prática por alunos entusiastas que já faziam parte da equipa do centro de rastreio, que chamámos pomposamente Centro Espacial Português. Um dos alunos é hoje mundialmente famoso, é o Diogo Mónica (CEO da Anchorage), que foi quem fez a apresentação à comunidade do Centro de Rastreio. E à saída desse evento, o Prof. Moisés Piedade é entrevistado e diz que não vamos ficar por aqui: ‘vamos também começar a construir um satélite’. Lembro-me muito bem dessa altura, porque pensei ‘Está louco’. Se não estou em erro, disse logo nessa entrevista que seria o ISTNanosat. O nome vem daí.
E foi a partir daí que nós, lançando as primeiras teses, começámos a pouco e pouco a construir este satélite. A mudança de nome talvez valha a pena explicar: acontece numa fase posterior, já com ligação à ESA, em que eles precisavam que o nome fosse simplificado. E, por outro lado, precisávamos também que o nome do satélite não fosse exatamente o mesmo que o nome do projeto (que se chamava ISTNanosat).»

Três: Que seria do satélite sem as baterias?
«A história das baterias é muito interessante: O satélite já teve várias vertentes em termos de lançamento. Primeiro era para ser lançado através da Estação Espacial Internacional (ISS). Depois, por qualquer motivo, a ESA não chegou a acordo com o intermediário que estabelece o contrato com a empresa que trata desses lançamentos. Inicialmente o satélite teve que ser desenhado a pensar que ia ser colocado a bordo da ISS. Como é um veículo espacial tripulado, os índices de rigor são muito mais elevados e no caso das baterias as regras a cumprir são muito mais apertadas do que num voo não tripulado. Portanto, tivemos que fazer a validação destas baterias de acordo com essas normas apertadas para voos tripulados, o que representou um desafio ainda maior do que o normal no caso em que vamos voar. Foi um pouco inútil, mas implicou uma aprendizagem, o que é bom para nós como escola de engenharia que queremos ser.
As baterias servem de armazenamento energético quando o satélite passa a eclipse. Quando passa numa parte da órbita não iluminada. Quando está ao sol, carrega, quando está digamos na sombra descarrega e as baterias aguentam em funcionamento o satélite.
A duração de um satélite tem que ver com a órbita em que é colocado. Se for colocado numa órbita demasiado baixa, se calhar ao fim de 6 ou 8 meses reentra na atmosfera e incinera-se. Se for colocado numa órbita mais alta, pode estar uns aninhos. De qualquer forma, atualmente, as normas de combate aos detritos especiais, digamos assim, estabelecem que nenhum satélite pode estar mais de 25 anos em órbita. e tem que se autodestruir, não digo autodestruir explodindo, que isso é o pior que pode acontecer, mas autodestruir-se reentrando na atmosfera.
Nós o que fizemos foi cálculos para perceber que em determinadas órbitas o satélite reentrará dentro de X meses. Mas há casos de satélites que estão em órbitas tão longínquas que tem mesmo que ser através de sistema de eutanásia. Normalmente são uns foguetes que são acionados e fazem com que o satélite mude de órbita e se dirija para a terra, e naturalmente reentrará na atmosfera».

Quatro: Como encontrar um satélite perdido numa órbita?
«Essa fase chama-se a fase Comissioning, em que temos uma restrição inicial de espera pelo arranque dos sistemas, inicialmente eram 30 minutos, pedimos para passar a 45. Inicialmente para garantir um maior afastamento da ISS. O satélite quando é lançado está morto / latente – é só um cubo – e a partir de 45 minutos acorda para a vida, libertando as antenas, o satélite vai a rodar, e há uma fase em que o satélite tende a parar esta rotação, para garantir que há uma maior qualidade nas comunicações com a Terra.
O grande problema nesta fase, e aí vamos precisar da ajuda de todos, que é o que é normal nestas situações, é que mesmo da ISS nós não sabíamos exatamente em que ponta da órbita ele fica quando lançado (apenas a geometria da órbita). A questão é tentar apanhá-lo, quem receber os sinais em primeiro lugar. Passado uns dias, a própria rede de vigilância dos objetos espaciais, que tem uma resolução bastante grande…
Até o satélite ser detetado decorre ainda um conjunto de órbitas. E é importante detetá-lo não só através deste sistema desta rede de estações mas também de sinais de rádio, porque muitas vezes vários são lançados e estão ali perto, não se consegue perceber se é o objeto A ou objeto B ou C.
Normalmente é uma questão de tempo, a não ser que o satélite tenha uma qualquer anomalia e fique mudo, consegue-se saber que há ali um objeto e, mesmo por exclusão de partes, se os outros que foram lançados ao mesmo tempo na mesma órbita,consegue-se perceber que é aquele.
Este é um campo de investigação: a deteção nas primeiras horas onde está o objeto. Há vários sistemas que já têm sido propostos desde LEDs identificados da Terra até GPS que leva a bordo, portanto que depois reporta qual a sua posição.»

Categorias