Episódio 71 – A taça do campeonato de voleibol

Os estudantes do Técnico têm, desde os finais dos anos 30, lugar reservado na História do voleibol português. Mais do que isso: o Técnico (através da equipa da AEIST – Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico) venceu a primeira competição oficial realizada em Portugal (o Campeonato de Lisboa, em 1939/1940), venceu as primeiras sete edições do Campeonato Nacional de Voleibol (entre 1946/47 e 1953/53) e deu continuidade a essa fase dourada, conquistando 13 campeonatos nacionais dos primeiros 21 realizados em Portugal. A última taça de campeão chegou ao Técnico na época 1967/68, o que ainda hoje é suficiente para colocar o Técnico como segunda equipa nacional com mais campeonatos, com mais três que o Benfica (10) e apenas superada pelos 18 campeonatos do Sporting de Espinho. No palmarés consta ainda uma Taça de Portugal, conquistada em 1966/67 (e uma final em 1976/77).
Um dos testemunhos que contam a história dessa fase de ouro é Taça de 1948, cuidadosamente guardada pela AEIST e que faz o serviço para este episódio. É ainda anterior à chegada de João Raimundo à equipa, onde esteve desde 1950 até disputar o seu último jogo em 1957, em Rabat, a contar para a Taça dos Campões Europeus. No seu palmarés acumulou “seis ou sete campeonatos” e testemunhou uma viragem no voleibol nacional: o início da profissionalização. “Nessa altura, Portugal era um país esquisito, isolado e existia uma coisa chamada Cortina de Ferro. Conhecíamos a França, que tinha cá vindo jogar uma vez ou duas, e a Itália”, recorda. Mas tudo mudaria em 1954, com a visita de uma equipa Jugoslava ao país. Dois dos atletas não voltariam ao seu país de origem e tornar-se-iam os primeiros jogadores profissionais em Portugal, no Sporting. Ficou traçado o destino do primeiro campeonato nacional que o Técnico não ganhou (1953/1954), mas que viria a ser recuperado na época seguinte: “Em 1955 deu-se um milagre e ganhamos aquilo por 3-1 ou 3-2”, recorda.
Talvez venha dessa vontade de superação um estatuto muito especial que os jogadores do vólei do Técnico tinham dentro da Instituição. “Eram apontados. Olha, aquele faz parte da equipa, porque eles destacavam-se. E a equipa de vólei era qualquer coisa que era reconhecida no Técnico e fora do Técnico. Havia um carisma. Havia ali uma áurea”, recorda José Manuel Antelo, engenheiro formado pelo Técnico em 1995 e que, em 2022, com 90 anos de idade, voltou a ter cartão de estudante. Inscreveu-se em duas cadeiras de matemática no 1.º ano de Engenharia Mecânica. Porquê? “Nestes últimos 50 anos a matemática teve um de desenvolvimento e tomou direções completamente diferentes daquelas que tinha estudado e tenho curiosidade de aprender”.
Também inspirado por essa “áurea” chegava à equipa, em 1965, Luís González Briz, antigo estudante de Engenharia Química e Industrial do Técnico, onde permaneceu até 1971. “Tive a imensa alegria de conquista dois campeonatos nacionais seguidos”, recorda. Mas ser jogador do Técnico, nesse período, não era só estatuto, exigia também muita entrega. “Achei que indo para uma equipa ainda por cima vencedora me podia adaptar bem. Os primeiros treinos forma difíceis porque eles já eram quase todos uns craques. A minha sorte era que na altura era vulgar o chamado campeonato de reservas. Foi essa dinâmica que me seduziu”, descreve. Mas também exigia algum esforço financeiro, em contracorrente ao profissionalismo emergente: “Era vulgar pagarmos o duche. Quando treinávamos três dias por semana, havia no Técnico o Sr. Domingos da AEIST que nos ia cobrar após o banho, um escudo por cada duche que tomávamos”, lembra. Também as deslocações e as refeições eram apoiadas pelos atletas mais velhos, alguns já inseridos no mercado de trabalho. “Não só não tínhamos qualquer subsídio como ainda tínhamos de pagar para jogar”, resume.

O Técnico não foi só um projeto vencedor no panorama nacional do voleibol, foi também um dos berços da modalidade no país, em particular na sua transição para o território continental. A modalidade terá sido introduzida no país pelas tropas americanas estacionadas nos Açores durante a 1.ª Guerra Mundial. E quem a trouxe para o continente foi precisamente um antigo aluno do Técnico, Augusto Cavaco, considerado o “pai do voleibol em Portugal”. Destacou-se como jogador, mas sobretudo como treinador: “Foi treinador de nós todos e tutor, porque havia muitos que eramos órfãos, não tinham família e tivemos o nosso mentor desportivo e não só”, descreve João Raimundo. Fundou a equipa de vólei do Técnico e acompanhou-a de perto até à sua morte, em 1975. O seu legado mantém-se até hoje, com uma soma interminável de títulos e histórias, mas também com uma herança honrada pelos atuais estudantes do Técnico, que continuam a competir e a conquistar campeonatos regionais e nacionais universitários com as cores da AEIST. Atualmente com equipas masculinas e femininas A e B, os atletas de voleibol do Técnico personificam em cada lance a História do voleibol português.

 

História Extra:
A morte trágica de Augusto Cavaco, pai do voleibol nacional e guia espiritual de uma geração no Técnico
«Quando veio estudar para o Técnico fundou a equipa de vólei e acompanhou-a até 1975 quando morreu. Foi o nosso guia espiritual durante esses anos todos.
Numa altura de dificuldade até em termos económicos na AEIST – ele tinha na altura a única empresa em Portugal de sondagens -, ajudava a suportar as despesas que tínhamos em deslocações, transportes, etc.
Dava conselhos básicos e tão básicos que ainda hoje são raros: cumprir os horários, fazer o que ele mandava, esforçarmo-nos ao máximo para fazer as coisas como deviam ser, nunca desistir. Formaram-nos mesmo a nível pessoal e profissional de cada um. E foi padrinho de uma data de filhos nossos ao longo da vida. (Quando adoeceu passou a estar nos açores com mais regularidade para recuperação e descanso)
Houve um dia que ele estava nos Açores e foi almoçar a casa de um outro amigo na ilha de São Miguel. Quis ir num barco a remos, o mar estava mau, os pescadores avisaram-no. Ele quis ir sozinho a remos. E depois telefonaram a um de nós já retirado do vólei, o José Carlos Viana, jogador do Técnico também internacional, que na altura era Secretário de Estado da Marinha Mercante, a dizer que tinha havido um acidente e ele foi com um avião militar no próprio dia e foi com as autoridades, à Falésia, a um sítio chamado Mosteiros, uns rochedos no meio do mar, onde viu ainda o corpo que tinha o fato de treino do Técnico vestido,  depois desapareceu com o mar, umas horas depois…»
(João Raimundo)

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