Episódio 78: O gabinete de Álvaro Machado
É uma divisão inteira de uma casa no n.º 50 da Avenida da República, em Lisboa, que se deslocou na íntegra para o Museu de Civil, no campus da Alameda do Instituto Superior Técnico. O gabinete de Álvaro Machado (1874-1944) estava a uma distância inferior a um quilómetro, mas a transferência para o Técnico demorou mais de 65 anos a acontecer.
Álvaro Machado foi o primeiro professor de arquitetura do Técnico, tendo sido nomeado em 1910 professor do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que esteve na antecâmara da criação do Instituto Superior Técnico, em 1911. Foi um dos sete convidados por Alfredo Bensaúde para integrar esse processo de transição. Tinha o estatuto de professor ordinário do quadro e a missão de organizar o ensino do desenho para engenheiros, função que desempenhou até 1934. Nesse ano pediu a aposentação antecipada, pouco depois da inauguração do campus do Técnico, na Alameda (ouvir Episódio 19: A 1.ª Imagem do Técnico). Um desacordo sobre a forma como a obra foi atribuída ao arquiteto Porfírio Pardal Monteiro (Álvaro Machado discordava de Duarte Pacheco e defendia uma atribuição por concurso público e não por convite, como veio a acontecer) esteve mesmo na origem dessa saída. Trabalharia na década seguinte no seu gabinete em Lisboa, tendo falecido cerca de dez anos depois, em 1944. Para a memória ficava um gabinete de trabalho, ainda hoje preservado de forma impecável.
Nuno Magalhães, arquiteto e investigador no Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, estuda a obra de Álvaro Machado há mais de uma década e descreve assim o gabinete: “Tinha o seu estirador, a sua secretária, a cadeira, a sua bata de trabalho, as paredes pejadas de quadros, pinturas, aguarelas e desenhos. Alguns de sua autoria, a maior parte não. Tem pinturas de amigos dele, desenhos de arquitetos contemporâneos e sobretudo aguarelas do pai dele, que era cenógrafo do Teatro São Carlos. Este conjunto ocupava integralmente as paredes, inclusivamente sobrepunha-se a uma porta”. “Tudo o que preenche estas paredes está exatamente na mesma posição em que estava”, garante João Vieira Caldas, professor aposentado do Departamento de Engenharia Civil e Arquitetura do Técnico. O investigador e antigo professor de arquitetura integrou mesmo a equipa encarregue de negociar com duas das filhas de Álvaro Machado a transferência do espólio para o Museu de Civil. “A posse deste espólio que tem uma história longa e complicada começou no final do século passado: Houve duas pessoas que perceberam que o espólio do arquiteto estava praticamente intacto, na sua antiga casa… restavam-lhe duas filhas, com mais de 90 anos, que estavam a pensar eventualmente vender este espólio, mas aos bocados”, conta. O prédio estava a ser esvaziado para ser vendido e a pressão imobiliária estava a ser exercida. “Foi-se tentando convencer as Sras. de que o espólio não deveria ser dividido por diversas antiquárias ou por interessados”, complementa. Perante as reticências das herdeiras – “por um lado estavam à espera de ganhar algum dinheiro com isto, por outro lado não estavam com vontade de fazer uma ligação ao Técnico” -, as negociações seguiram com “chás e bolinhos” e foram bem-sucedidas com a explicação do objetivo da operação: reabilitar a memória e homenagear Álvaro Machado. Em 2000 chegava-se a um acordo para a doação do espólio ao Técnico, que incluía o atelier agora recriado e exposto ao público.
As homenagens ao papel do arquiteto não ficaram por aí e foi também instituído a partir de 2006/2007, por iniciativa das suas filhas, um prémio com o seu nome – Prémio Arquiteto Álvaro Machado, que destaca anualmente o melhor estudante que, em cada ano civil, conclua o curso de Mestrado Integrado em Arquitetura.
Extra
Percurso e obras de Álvaro Machado
«Álvaro Machado Nasceu em 1874. Faz o curso na última década do século XIX e arranca a trabalhar logo em 1900 com o jazigo do Visconde Valmor, que foi uma obra de referência. É uma espécie de concentrado do que depois, no início do século XX, vem a ser o estilo oficial que ele desenvolveu, que foi o estilo neo-românico.
O desenho que ensinava: era um desenho de arquitetura, com pormenores construtivos, estruturas metálicas, no fundo representava precisamente a linha arquitetónica do Álvaro Machado, um arquiteto que tinha grande sensibilidade construtiva e tinha uma grande abertura para novidades tecnológicas, naquela altura eram as estruturas metálicas que se introduziam no meio da pedra e faziam as estruturas mistas.
Para além do jazigo, destaca-se o seu trabalho num restauro estilístico da Sé de Lisboa. Esteve envolvido no projeto da Sociedade Nacional das Belas Artes, fez o Colégio Académico e moradias no Estoril.
Temos vários desenhos que são o seu projeto final do curso. É um belíssimo desenho de uma estação ferroviária, muito parecida com as que se faziam em França. Ele ganhou um prémio com esse projeto de final de curso.»
Nuno Magalhães
- Conteúdo Extra:
Conversa completa com Nuno Magalhães acerca do Gabinete de Álvaro Machado
Conversa completa com João Vieira Caldas acerca do Gabinete de Álvaro Machado - Recomendamos:
“A obra do aquitecto Álvaro Machado” (Nuno Magalhães, tese de mestrado)
Álvaro Augusto Machado (página na Wikipedia)
“Jazigo dos Viscondes de Valmor” (Monumentos.gov.pt)
“Edifício da Sociedade Nacional de Belas Artes (Monumentos.gov.pt)
Museu Rafael Bordalo Pinheiro (Monumentos.gov.pt)
Prémio Arquiteto Álvaro Machado (site Técnico)
Prémio Arquiteto Álvaro Machado (site Técnico, 2016)
Museu de Civil - Agradecimentos:
Nuno Magalhães
João Vieira Caldas
Museu de Civil do Técnico
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