Episódio 110: As “Notas Histórico-Pedagógicas” de Alfredo Bensaude

Formar pessoas e não técnicos. Se pudéssemos resumir numa frase as “Notas Histórico-Pedagógicas” de Alfredo Bensaude, primeiro diretor do Instituto Superior Técnico (entre 1911 e 1920) e ainda hoje uma profunda inspiração para a Escola, esta abertura seria uma forte possibilidade. Mas se quisermos ir mais fundo, podemos recorrer às palavras de Pedro Lourtie, antigo estudante e docente do Técnico, que foi também diretor da Editora IST Press: “As ideias pedagógicas que ele apresenta são efetivamente revolucionárias. Aliás, não há muita gente a aplicar algumas das ideias que ele defende aqui nas notas Histórico-pedagógicas”.
O livro, editado pela primeira vez em 1922 (e reeditado pela IST Press em 2003), apresenta “ideias que há cada vez mais gente a defender” por nunca terem perdido a atulidade. Pedro Lourtie destaca algumas, após nova leitura da obra. Um: “Ele tinha uma ideia de que o ensino devia ser progressivo, no sentido em que não se vai colocar o aluno perante problemas que são muito complexos e que, provavelmente, ele não consegue resolver. Portanto, colocam-se apenas problemas que ele consegue resolver e vai-se progressivamente apresentando problemas cada vez mais difíceis para que ele possa acompanhar e, no fundo, não ‘descole’, para que não haja insucesso”. Dois: “Era completamente contra o chamado ‘ensino verbalístico’. Verbalístico é o termo mesmo dele – o ensino oral, unilateral, em que o professor expunha e o aluno tinha de aprender a partir disso. Ele tentava compensar isso introduzindo muito o ensino aplicado, a prática, ou seja, do ensino teórico partia-se para a prática”. Três: “Ele era contra outra coisa que ainda agora se discute – a ideia de que o exame final não é a melhor forma de avaliação. As pessoas aprendiam, estudavam o suficiente para conseguir resolver o exame e, passado uns tempos, tinham esquecido completamente aquilo que se tinha passado. Porquê? Porque a atitude do aluno não era uma de aprendizagem, mas sim de passar nos exames. O importante é o aluno ser capaz de aprender, de querer aprender”.

O perfil de Alfredo Bensaude e o seu génio foi já explorado no 1.º episódio deste podcast (Ouvir Episódio 1 – O violino de Bensaude), em que se recorda a história de um jovem estudande de Engenharia de Minas, na Alemanha, que suspendeu os seus estudos durante um ano para construir violinos. Um deles está ainda hoje na sala do presidente da Escola. “Tecnicamente, é muito difícil construir um violino com as características que tem e, por outro lado, ele simboliza um pouco daquilo que é, tem sido e, espero, continuará a ser a matriz cultural do Técnico em termos de formação”, defendia Rogério Colaço, presidente do Técnico, falando sobre o violino. Mas o legado de Bensaude vai muito para além desse instrumento. Essa “matriz” acabaria por inspirar também um novo modelo de ensino da Escola, aplicado em 2021.
Raquel Aires Barros, professora do Departamento de Bioengenharia do Técnico, esteve envolvida no desenho do modelo de ensino e práticas pedagógicas. “Dados os desafios a nível internacional e no próprio país, a crescente competitividade internacional das escolas mais reconhecidas, era necessário que refletíssemos sobre o modelo de ensino do Técnico, as suas práticas pedagógicas, e foi isso que se fez”, explica. O grupo de trabalho “Comissão de Análise do Modelo de Ensino e Práticas Pedagógicas do Instituto Superior Técnico” identificou a necessidade de aumentar a flexibilidade nos diferentes cursos, de tornar a aprendizagem menos baseada em exames, de aumentar a interligação entre as várias disciplinas, de introduzir as chamadas soft skills – “um engenheiro, hoje em dia, só é completo se tiver uma forte formação básica e técnica, mas também é necessário introduzir outras competências para a sua formação. Saber dirigir equipas, saber trabalhar em equipa, saber gerir bem o seu tempo, ser mais eficaz, mais eficiente…”. A inspiração nas notas de Bensaude não é rejeitada: “Daí também a nossa ideia de haver mais ensino laboratorial, mais ensino baseado em projetos… pode ser um bocadinho mais complexo, acaba por dar mais trabalho, mas acho que só temos a ganhar com isso em termos de aprendizagem”, defende Raquel Aires Barros. Vem também daí a importância de continuar a publicar estas notas pedagógicas com mais de um século, simplificada em dois pontos por Pedro Lourtie: “Primeiro, porque isto é a história do Técnico. É um documento essencial para perceber o início do Técnico. Segundo, porque tem ideias das quais não fazia mal nenhum que as pessoas se lembrassem de vez em quando”.

 

Extra: Um modelo de ensino capaz de ensinar a criatividade?

«Inovação, criatividade, sim… nós estamos na Universidade de Lisboa e o que nós identificámos é que o aluno poderia escolher, por exemplo, fazer música, uma cadeira de política. Consoante os seus objetivos, ele poderia escolher diferentes disciplinas, artes, disciplinas mais sociais… poderia escolher o tipo de disciplina. Pode escolher o que quiser dentro das escolas da Universidade de Lisboa – Direito, por exemplo, ou então uma disciplina mais relacionada com ciências ou matemática…
Olhámos para a Carnegie Mellon University (CMU), para o MIT, para a DTU na Dinamarca, para a EPFL, para a ETH, para a KTH na Suécia, para a Melbourne University da Austrália, para o Politécnico de Torino na Itália, uma universidade em Singapura, para a TU Delft na Holanda, para a Universidade Católica do Chile, para a Universidade Politécnica da Catalunha, para a Universidade Politécnica de Madrid… portanto, foi uma variedade de universidades. Selecionou-se unidades de referência e foram perceber o que essas universidades ofereciam. Daí depois nasceram os 12 aspetos que eles consideraram relevantes e necessários de introduzir no novo modelo de ensino.

[Os 12 aspetos enumerados no relatório final da comissão:
· Uma formação de base sólida em ciências da engenharia
· Internacionalização
· Curso geral de ciências de engenharia de primeiro ciclo lecionado em inglês
· Anos letivos organizados de modo a potenciar maior foco e trabalho contínuo
· Diversidade de diplomas
· Competências transversais integradas nas unidades curriculares de que falámos há pouco
· Projetos integradores, multidisciplinares
· Formação em empreendedorismo e inovação
· Uma forte ligação entre empresas e academia
· Flexibilidade nos percursos académicos
· Boas condições de ensino, estudo e vivência para a comunidade académica
· Um ensino com uma componente humanista
· um ensino baseado em projetos, em investigação, em relação com o mercado e com uma filosofia hands-on]

Se nós formos ler as notas de Alfredo Bensaude, ele é bastante crítico à avaliação ser feita somente por exames. Ele refere mesmo isso, “entre nós, tem-se estudado, em geral, mais para o exame do que para o saber”, e também refere que (não só tem a ver com a avaliação e a forma da avaliação ser feita por exame final) provém do nosso ensino verbalista. Daí também a nossa ideia de haver mais ensino laboratorial, mais ensino baseado em projetos… pode ser um bocadinho mais complexo, acaba por dar mais trabalho, mas acho que só temos a ganhar com isso em termos de aprendizagem.»
(Raquel Aires Barros)

 

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