Episódio 45 – Raposa, busca e salvamento

O Raposa é um pequeno robot com cerca de 70 cm de comprimento, 50 cm de largura e não mais que 15 cm de altura, espalmado, com umas rodas dentadas a fazer lembrar um tanque de guerra. Mas vem em paz. Foi criado para chegar primeiro aos locais de catástrofe onde é possível salvar vidas. Entra em ação em situações em que é perigoso enviar um meio humano para ver se há vítimas entre escombros. Faz uma pré-visualização e inspeção da situação, identifica e leva uma luz (e uma voz) de esperança às potenciais vítimas enquanto esperam por socorro.
“Quando vamos a um sítio e temos pessoas debaixo dos escombros e podemos salvá-las, não vamos envolver humanos bombeiros para um sítio que está em risco de cair em cima delas”, explica Pedro Lima, professor do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Técnico e investigador do Instituto de Sistemas e Robótica (ISR). “Se mandarmos um robot, podemos perder o dinheiro que ele custou mas não mais do que isso. E já conseguimos comunicar com a pessoa enquanto fazemos o resto do trabalho”, complementa.
O Raposa (nome que rouba algumas letras ao conceito de robot semi-autónomo para operações de busca e salvamento) torna-se assim numa poderosa extensão capaz de fazer o que os humanos não conseguem. E o que se pede a um robot nesse contexto? Responde António Pato, Coronel de Engenharia na reserva, e segundo-comandante do Regimento de Sapadores de Bombeiros de Lisboa entre 2003 e 2008: “Para um bombeiro, um robot deve ser o mais pequeno possível, deve ter o maior número de capacidades possível, a maior autonomia possível e uma bateria que dure muito tempo. Por outro lado, ter um microfone e um altifalante controlado por um portátil, para vermos uma vítima e falar para ela. Em termos anímicos é uma bomba de motivação para a vítima saber que alguém sabe onde está”.

O Raposa apresentava ainda como algumas das suas grandes qualidades, a capacidade de subir escadas, andar em espaços apertados como os canos de esgotos das cidades e ainda ter autonomia para conseguir continuar a sua atividade desligando-se do cabo de energia. Os investigadores do Técnico / ISR são os responsáveis pela sua programação, enquanto que a mecânica e eletrónica ficaram a cargo da empresa IDMind, uma spin-off do Técnico, representada por Paulo Alvito, seu fundador e engenheiro eletrotécnico licenciado pelo Técnico: “A nossa preocupação foi fazer um robot leve e conseguir encapsular dentro do espaço do robot, que não era assim tanto, toda a eletrónica e as baterias”.
O projeto de colaboração entre o Técnico, o Regimento de Sapadores de Bombeiros de Lisboa e a IDMind surgiu em 2003, após uma carta de António Pato a Pedro Lima. “Ouvi, salvo erro na TSF, o Prof. Pedro Lima a falar sobre robots de futebol (ouvir o episódio 41). Quando cheguei ao regimento redigi-lhe uma cartinha a dizer quem éramos e qual era a ideia de termos um contacto para a área de busca e salvamento”, recorda António Pato. A carta encaixou na perfeição no projeto de investigação Rescue, que o Técnico integrava desde 2000. Do papel ao alumínio nascia o Raposa, que depois de construído passou a ser testado em treinos com Isabel Ribeiro, professora catedrática aposentada do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Técnico e investiagdora do ISR. O projeto prolongar-se-ia até 2005.

Rodrigo Ventura, professor no Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e investigador no ISR, também recorda os tempos da Robocup, que não se centrava apenas na competição de futebol. A liga de busca e salvamento, por exemplo, “apresentava desafios técnicos interessantes de muita complexidade”. O Raposa significa, na sua visão, “um dos primeiros exercícios de construção de robots em cooperação entre a Academia, a sociedade civil e as empresas”.
O robot conheceu, entretanto, uma segunda versão designada NG (New Generation), também desenvolvida em parceria com a IDMind. Já foi vendida a algumas Universidades internacionais e tem sido usada também em contexto de inspeção de locais potencialmente perigosos (como minas). Para o futuro da robótica, ficam os votos de Paulo Alvito: “Que os robots, no futuro, sejam sobretudo isto: uma ferramenta onde haverá uma colaboração homem-máquina. E que este tipo de projetos sirva de inspiração para quem pensa em fazer. É possível”.

História Extra
Dos escombros de Lisboa a uma missão (analógica) a Marte
«Tem havido desenvolvimentos nesta área, sobretudo a nível mecânico. Permite que o robot seja capaz de ir a sítios onde as primeiras versões não eram capazes e alargar o tipo de cenários em que este robot pode operar.
Houve um processo muito grande de maturação. Ao longo dos anos, o Raposa tornou-se extremamente robusto. Continuou a ser usado para demonstrações. É usado com um portátil perfeitamente pré-histórico, que não tem upgrades nem nada, mas que durante muitos anos… liga-se o portátil, liga-se o robot, ele arranca sempre e corre tudo bem. Tornou-se robusto. O segundo (New Generation) continua ainda a ser usado. Tenho estado mais interessado no desafio da robótica espacial, dos robots no ambiente do Espaço, e houve um cruzamento… esse trabalho do robot de salvamento cruzou-se com a parte do Espaço. Foi o trabalho desenvolvido inicialmente no contexto do Raposa que depois levámos para uma Missão analógica a Marte que realizámos em outubro de 2021, em Israel. Na base acabámos por não usar o Raposa, usámos um outro robot também com interesse de poder colaborar com outras equipas em que desenvolvemos uma consola de teleoperação, com dispositivos desenvolvidos por nós, que foi inicialmente desenvolvidos para o Raposa, e que depois foram usados na missão analógica. Há aqui um cruzamento suave de trabalho.
Os ambientes têm semelhança, não só por serem ambientes em que a locomoção é desafiante como também no Espaço isso ainda é mais exacerbado com o facto de não podermos estar a ver diretamente o robot. E o facto do Espaço introduzir a componente da latência, do tempo que demoram as imagens a cá chegar e como conseguimos teleoperar esse robot perante esse atraso. Temos que garantir a segurança do robot. Sabemos que se o mandarmos parar agora, ele só parará daqui a um ou dois segundos.» (Rodrigo Ventura)

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