Episódio 79: As medalhas de Duarte Pacheco

Quatro medalhas de metal com cerca de um século de existência estão hoje cuidadosamente guardadas no Técnico e servem de testemunho da importância e do impacto da passagem de Duarte Pacheco pela liderança dos destinos da Escola. Foi diretor duas vezes, de 1927 a 1932 e de 1936 a 1937, e trouxe consigo uma promessa que rapidamente cumpriu: a construção daquelas que viriam a ser as novas instalações do Técnico, o atual campus da Alameda, em Lisboa.
Estas medalhas, oferecidas a Duarte Pacheco enquanto diretor do Técnico, representam momentos e figuras histórias com impacto e de grande diversidade, como o rosto de perfil do Imperador Napoleão III, a celebração da Grande Exposição Industrial Portuguesa, realizada em 1932, da Exposição Universal de Paris de 1900, assinalada pelo Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, e a Exposição Internacional de Londres de 1862. Que importância tinham as medalhas no início do século XX? Mário Gouveia, historiador e conservador do primeiro projeto de museologia digital dedicado à medalhística, impulsionado pelo Imprensa Nacional Casa da Moeda, explica: “Têm como função principal evocar um facto relevante – político, institucional, económico, social, cultural, religioso, filosófico, artístico, literário… o que as caracteriza é serem objetos portáteis e duradouros”. Falamos de um ritual que cumpre os objetivos de comemorar, celebrar, evocar, perpetuar, premiar, reconhecer, distinguir. Ser retratado nas medalhas era “uma forma de comunicação de poder e de eternização das posições de poder”. Já a troca de medalhas servia para “recompensar pessoas, mas também de afirmação pessoal”.

Duarte Pacheco nunca viu as suas ações cunhadas numa medalha, mas esta recompensa que significava recebê-los não terá sido alheia ao papel crucial na construção daquilo que o campus do Técnico é hoje em dia. “Desde 1911 que os vários diretores tentavam financiamento para construir a escola de raiz. Todos eles falharam. E este homem não falha. Ele conseguiu o que os outros não tinham conseguido: tinha o “toque de Midas” e um grupo de influência muito grande”, explica Sandra Vaz Costa, historiadora de arte e gestora de projetos de património cultural. A sua ascensão foi absolutamente meteórica: formou-se no Técnico em Engenharia Eletrotécnica, em 1923, e voltou à Escola em 1926, já como professor de matemáticas gerais. Durante o período em que não esteve no Técnico partilhou gabinete com Caetano Maria Beirão da Veiga (1884-1962), que fora Vereador da Câmara Municipal de Lisboa, tendo acesso a “documentação camarária que o comum dos mortais não tem”. “Nestes dois anos ele anda a procurar qual é o sítio ideal para a construção das instalações do Técnico. E descobre”, avança Sandra Vaz Costa, autora do livro “O País a Régua e Esquadro – Urbanismo, Arquitetura e Memória na Obra Pública de Duarte Pacheco”. Sabia qual o melhor local em termos de preço – nos anos 20 ainda uma zona rural, constituido por quintas. “E o projeto concretiza-se até com um esquema fenomenal que criou de autofinanciamento”, descreve. Já depois de ser nomeado diretor do Técnico, pede financiamento para comprar terrenos das antigas quintas (zona com cotação baixa no mercado), pede o licenciamento à Câmara Municipal de Lisboa, e começa a construção. Como a financiou? “Quando comprou terrenos, comprou muito mais do que precisava para construir e vai começar a vender ao Estado para construção do Instituto Nacional de Estatística, da Casa da Moeda, e a particulares, nomeadamente a professores do Técnico, para a construção de moradias de professores”. O campus, projetado pelo arquiteto Porfírio Pardal Monteiro (ouvir Episódio 19: A 1.ª Imagem do Técnico) começaria a receber as primeiras aulas em 1932, tendo ficado concluído em 1937.

Os feitos de Duarte Pacheco estenderam-se também à história do país. Foi Ministro da Instrução Pública em 1928, tendo acelerado o processo de construção de residências universitárias, e foi Ministro das Obras Públicas e Comunicações, entre 1932-36 e 1938-1943, ano em que morreu num desastre de automóvel, precisamente com 43 anos. Pelo caminho, “transformou completamente a paisagem do país. Escolas primárias, liceus, campus universitários, primeiros rasgos de autoestrada, hospitais…”.
Teve ao peito duas medalhas de grande valor, representativas das mais relevantes condecorações de Estado: Grã Cruz da Ordem Militar de Cristo (1933) e Grã Cruz da Ordem Santiago da Espada (1940). Na sala da Presidência do Técnico está também um retrato seu e em Loulé, sua terra natal, há um monumento que assinala as suas obras. Mas é noutro detalhe que Sandra Vaz Costa vê o impacto de Duarte Pacheco no país: “A ponte Salazar ‘caiu’ e o viaduto Duarte Pacheco manteve-se”.

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