Episódio 57 – ELONICA, prótese visual

Chama-se ELONICA, uma variação da palavra Eletrónica, e chama atenção pela cabeça motorizada de um manequim com uns óculos de natação e uma cartola negra. Mas é só a parte mais visível de uma estrutura, criada em 2007, que integra cinco motores elétricos, baterias de lítio, um painel solar que captura a luz produzida por um sol artificial e um monitor de vídeo que apresenta quatro imagens que correspondem a 4 fases diferentes de processamento de imagem de uma retina artificial.
A ELONICA é um demonstrador interativo de uma prótese visual, que reúne conhecimentos interdisciplinares da área da engenharia eletrónica. “Temos a recuperação de energia, a partir de um painel solar, temos carregamento de baterias que estão na cabeça, temos o controlo da cabeça que tem quatro ou cinco motores”, exemplifica Moisés Piedade, antigo professor do Instituto Superior Técnico, no Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores (DEEC) e fundador e diretor honorário do Museu Faraday. Foi sua a iniciativa de criar este projeto pedagógico para atrair jovens estudantes para a Engenharia. “A ideia era dar-lhe um aspeto mais geral, um aspeto humano. A ELONICA era uma moça cega de nascença que tinha vindo para Engenharia Eletrotécnica com a esperança de poder resolver este problema de uma falha do corpo humano. Criei a personagem”, explica.A “personagem”, hoje em transição para o Museu Faraday, surgiu como consequência de um projeto de investigação europeu – o CORTIVIS – que envolveu investigadores do Técnico / INESC ID. “Era um projeto de visão artificial com implante direto de elétrodos no córtex visual e, portanto, tínhamos que transformar as imagens captadas por uma câmara em impulsos semelhantes aos que a retina humana gera, que eram transmitidos por uns cabos elétricos para micro elétricos que eram implementados no córtex visual”, resume Moisés Piedade. Os óculos de natação servem, por isso, para esconder e suportar a câmara de vídeo. E através dela tornava-se possível ver como a retina humana gera sinais, projetados num monitor. Mas “isso não estava no projeto [científico], foi acrescentado”, alerta Leonel Sousa, professor no DEEC do Técnico e investigador que participou no projeto. E resume assim o funcionamento da ELONICA: “Uns óculos com uma camara que adquiria a imagem. Um sistema embebido, que era um sistema computacional, calculava o modelo de retina e criava os sinais elétricos que iriam depois estimular o córtex visual. Tínhamos depois o modelo inverso, que pegava nestes sinais e dispunha num display, exatamente aquilo que pensávamos que iria ser a visão funcional de uma pessoa que usasse aquele sistema. O que via era basicamente sombras, objetos mas relativamente difusos”.

O projeto de investigação CORTIVIS, que decorreu entre 2001 e 2004, nunca teve como meta a criação de imagens nítidas a partir do sistema implementado. Mas tinha um objetivo muito ambicioso: restabelecer alguma visão em cegos profundos (não apenas ao nível da retina, mas também de visão periférica – o nervo ótico e o córtex visual). Reuniu várias equipas multidisciplinares, das áreas da bioengenharia, eletrotécnica, medicina, entre outras. “Nós tínhamos alguma experiência nos modelos computacionais e na arquitetura de computadores”, explica Leonel Sousa. O projeto do Técnico pretendia fazer aquisição de imagem e o seu processamento. “O que pretendíamos é que toda a informação e a energia que fazia funcionar o dispositivo que estava implantado no cérebro não tivesse ligações físicas ao exterior. A informação era enviada em radiofrequência, a própria energia era induzida do exterior para o interior e tudo funcionava sem relações externas. Relativamente aos anos 90 era um avanço considerável”, acrescenta.
Quem avançou também para colaborar com o projeto foi Pedro Tomás, atualmente professor associado do DEEC, mas em 2002 aluno de Licenciatura que precisava escolher uma tese. “Olhei para o tema e pensei: não percebo nada disto, deve ser giro”, graceja. E a partir daí deu o seu contributo “a validar os requisitos de hardware para implementação do módulo de retina artificial, que fosse capaz de reproduzir os seus mecanismos de processamento visual”.
E em que ponto está o projeto hoje? “A perspetiva é que, do ponto de vista da Engenharia, é possível um dia virmos a restaurar a visão de pessoas. Do ponto de vista da medicina falta-nos um elemento fundamental: ainda não percebemos muito bem tudo aquilo que necessitamos para expandir o nosso corpo humano e fazer uma interação mais direta com dispositivos exteriores”, responde Pedro Tomás. “Não se conseguia e ainda hoje não se consegue avançar muito mais sem experiências práticas em humanos [muito difíceis de operacionalizar]. Falta-nos na cadeia o elemento humano, para que os modelos (matemáticos) possam avançar verdadeiramente”, complementa Leonel Sousa.

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