Episódio 30 – O Analisador de gases portátil

Hoje em dia é relativamente simples e rápido medir os compostos químicos no ar, por exemplo em parques de estacionamento e em fábricas, recorrendo a aparelhos eletrónicos, mas o cenário era completamente diferente em 1873, ano em que Louis Hengist Orsat (1837-1882) patenteou o chamado “equipamento de Orsat” e criou um método universal de determinação da composição da mistura de gases no ar.
Uma versão do Analisador de Gases Portátil tem lugar de destaque no espólio do Departamento de Engenharia Química do Técnico, tendo integrado o conjunto inicial de equipamentos que terão equipado os laboratórios do Técnico desde o seu início. Este equipamento, apresentado por Moisés Pinto, professor do Departamento de Engenharia Química do Instituto Superior Técnico, “é totalmente construído em vidro, com umas mangueirinhas de borracha e umas torneirinhas, portanto não tem eletrónica nenhuma”. Foi inventado para determinar a composição de misturas de gases e o seu aspeto visual “entra muito naquilo que é o imaginário, digamos assim, comum das pessoas quando pensam num laboratório de química”: tem uma sequência de ampolas com torneiras, todas dentro de uma caixa de madeira, que também serve de mala de transporte, que “dá assim um ar um bocadinho desafiante e intrigante para quem o vê e não sabe o que é”. O equipamento é totalmente portátil, o que lhe permitia a análise de gases junto do sítio onde estavam a ser emitidos.
O método do analisador de gases baseia-se na medição da diferença de volume do gás depois de contactar com diferentes soluções. “Ou seja, nós temos um volume inicial que depois de contactar com uma solução é reduzido por exemplo para metade e aí consigo saber que metade daquele gás era por exemplo dióxido de carbono”, explica Moisés Pinto. “A novidade deste equipamento é fazer logo a determinação do teor de quatro gases diferentes. Pegar na mesma amostra de gás e sequencialmente a mesma amostra ser passada por diferentes buretas, e conseguimos ter uma determinação mais rápida do teor de gases”, complementa.
O Analisador de Gases permitia ganhar tempo nas medições, mas também inseriu a importante característica da reprodutibilidade. “Tornou-se um equipamento bastante comum, que na altura se usava para fazer estas medições, e que permitiu também comparar as medições que eram feitas em diferentes laboratórios”, explica.
Utilizado até pelo menos à década de 60 do século passado, deu entrada no acervo de equipamentos do Departamento em 1995, tendo também sido usado para ensinar os alunos a analisar gases. Antes disso, esta tecnologia serviu e deu bases para as tecnologias atuais para funções cruciais como a análises dos gases expelidos por fábricas, da existência de atmosfera perigosa em cidades muito poluídas ou parques de estacionamento e até da análise de fumos dos escapes de automóveis. Algumas dessas análises podem, no limite, salvar-nos a vida.
Nos dias de hoje, as técnicas analíticas para fazer este tipo de medições são completamente diferentes e baseadas essencialmente em equipamentos eletrónicos. “Eu diria que o princípio de medição é também químico, ou seja, existe ali uma interação entre aquelas moléculas daquele gás e algum detetor ou algum processo que faz a separação dessas moléculas para depois serem quantificadas”, argumenta Moisés Pinto. “Nós hoje em dia confiamos muito em sensores que produzem sinais elétricos e depois podemos processá-los e daí inferir, sobre neste caso, a composição dos gases. Naquela altura isso não acontecia. Estamos a falar de equipamentos que tinham que confiar em medidas físico-químicas muito básicas”, complementa.

 

Conteúdo Extra: Uma história contada por Moisés Pinto
A importância da capacidade de manuseamento dos equipamentos no século XX

«A manipulação deste tipo de equipamentos pressupunha que quem o utilizava sabia muito bem o que estava a fazer. No século XXI muitas vezes usa-se equipamentos analíticos sem saber os detalhes técnicos que lá estão por trás. No fundo também tem que ser assim, é impossível para quem está no laboratório de análises dominar todos os detalhes exatamente técnicos. Este tipo de equipamentos antigos, normalmente requeriam que o analista percebesse bem aquilo que estava a fazer senão as coisas não iam correr bem, ou seja, as torneiras que tinha que abrir, qual a sequência da passagem dos gases, etc, etc, porque o aparelho é totalmente manual, nem sequer tem nenhuma ligação à eletricidade. Podíamos fazer as medições exatamente só com este conceito de medir o volume do gás. Mais nada.
As pessoas naquela altura tinham que ter uma certa capacidade de manuseamento dos equipamentos que hoje em dia não acontece. Os equipamentos hoje em dia têm empresas que fazem manutenção, representantes, etc. Na altura isso não acontecia. Os equipamentos eram comprados e muitas das vezes até importados do estrangeiro e a manutenção tinha que ser feita pelo analista no laboratório que tinha que perceber como é que funcionava e que tinha que ser capaz de ir fazendo as pequenas manutenções».

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