Episódio 40 – O Retrato a Óleo de Alfredo Bensaude

É o retrato de “uma figura que sai da escuridão” para iluminar o ensino da engenharia em Portugal. “Não fazemos ideia se está de pé ou se está sentado. É a mágica do Alfredo Bensaude: não precisa de se colocar onde quer que seja para mostrar aquilo que é”. A descrição é de Ana Mafalda Cardeira, professora do ensino do 3.º ciclo e secundário e doutorada em Belas Artes, e refere-se ao retrato a óleo de Alfredo Bensaude (1856 – 1941), datado de 1924, atualmente na sala do presidente do Técnico, no campus Alameda, em Lisboa.
O retrato terá sido pintado por João Reis (1899 — 1982) – e não por Ricardo Bensaude como se acreditava até à elaboração deste episódio – no âmbito da sessão solene de homenagem a Alfredo Bensaude, o primeiro diretor do Técnico (entre 1911 e 1922). A homenagem surge a partir de uma encomenda do então Conselho Escolar do Técnico, feita em 1924, também o mesmo em que Alfredo Bensaude foi nomeado diretor honorário do Instituto Superior Técnico. O “formador, pedagogo, uma espécie de génio”, nas palavras de Ana Mafalda Cardeira, aparece no retrato sem qualquer tipo de adereços. “É um sentido que João Reis dá a esta pintura. Não há necessidade de aceitar elementos quando a figura está tão bem representada”. O retrato realça e ilumina a cabeça de Alfredo Bensaude, destacando assim as suas ideias, a sua mente. “Aqui está a poética do João Reis, que se vê muito bem nesse quadro”, defende.
Palmira Silva, docente no Departamento de Engenharia Química do Instituto Superior Técnico, foi responsável pela programação das comemorações do Centenário do Técnico, em 2011, sendo na altura membro do Conselho de Gestão (CG) da Escola. Viu o quadro pelas primeiras vezes em 2009, quando se sentava na mesa de reuniões da sala do Presidente. “No início o que tínhamos era só aquele quadro, aquela imagem daquele senhor de bigode e não sabíamos muito mais sobre ele. Depois foi-se tornando uma personagem absolutamente fascinante à medida que íamos descobrindo as caraterísticas e a forma fantástica como ele pensava”, recorda. O quadro de Alfredo Bensaude deu, de resto, o mote para o trabalho desenvolvido nas comemorações do centenário.

“O Técnico deve a Alfredo Bensaude ser a Escola de referência que é hoje porque foram essas as bases com que foi criada. Insistia, por exemplo, num ensino muito rigoroso da matemática, com bases muito fortes de física, tendo contratado docentes estrangeiros”, descreve. Uma das suas máximas – “uma escola de amadores não forma bons profissionais” – foi, de resto, adotada por gerações de alunos e professores do Técnico.
Bensaude deixou como uma das suas grandes heranças a proposta de reestruturação do ensino da engenharia em Portugal, apoiada na opinião dos alunos, aceite pelo governo republicano e que daria origem à criação do Técnico, em 1911. Os seus onze anos de diretor, após Doutoramento em Engenharia de Minas na Alemanha, foram ainda marcados pela procura de novas instalações para o Instituto Superior Técnico, mas viria a sair sem conseguir concretizar esse “sonho”. “Agora já não o vejo como um senhor de idade com um bigode. Quando olho para o quadro já vejo todas as fases do Bensaude e olho para ele de uma maneira completamente diferente”, acrescenta Palmira Silva. E não só vê tudo isso, como “ouve” instrumentos musicais. Explicando: Bensaude foi também um exímio construtor (amador) de violinos (ver episódio 1). Um deles foi recuperado pelo Técnico e outro emprestado pela família para a inauguração da exposição do Centenário do Técnico, que contou com um pequeno concerto com ambos os violinos no átrio do pavilhão Central do campus Alameda. “Quando olho para o retrato ouço os violinos”.

 

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«Tínhamos a indicação de o retrato ter sido pintado por Ricardo Bensaude, que era um primo de Alfredo Bensaude. Mas quando olhei para a pintura, em termos plásticos, não fazia sentido. Temos uma pintura de cariz naturalista, clássico e, digamos assim, académico, que não corresponde à plástica de Ricardo Bensaude, que é uma plástica já moderna. Aumentando algumas zonas da pintura deparo-me com a assinatura do João Reis, filho de Carlos Reis, naturalista tal como o pai, que tenta dar continuidade…
É uma pintura muito interessante, comparando até com outras obras do João Reis e vendo até os outros retratos que há no Instituto, de facto é impressionante. As suas dimensões são confortáveis. Estamos ali num 1m de altura, ou se calhar até 80cm. Não é demasiado grande. O grande que sai das trevas para a luz é o Alfredo Bensaude e isso é que é muito interessante para essa altura.
João Reis foi um colega e muito amigo de Ricardo Bensaude, conviviam na Escola de Belas Artes. Pode ter sido uma indicação do próprio Alfredo Bensaude que tinha as recomendações do Ricardo Bensaude…
Nessa altura, a pintura portuguesa vivia num período de transição (um certo atraso de meio século face à Europa). A modernidade já tinha entrado completamente em Paris e cá ainda havia este atraso. Ainda uma prevalência do naturalismo. Havia essa resistência de gosto»
Ana Mafalda Cardeira

 

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