Episódio 42 – Os Modelos de Gesso

São doze modelos de gesso, usados sobretudo para fins pedagógicos nas áreas da arquitetura e da construção. Contar a sua história passa por três datas – 1892, 1901 e 1905 – e por uma pergunta: serão estas peças únicas no mundo? “Não consegui encontrar iguais em lado nenhum. Tanto quanto sei, da minha investigação, não existem mais exemplares destes”, descreve Paulo Mota, restaurador do Museu de Engenharia Civil, responsável pela recuperação destes modelos mas também pela investigação do seu enquadramento histórico. “Não há nenhum bom restaurador que seja só um restaurador”, explica.
Estes moldes, atualmente no Museu de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico, no campus da Alameda, tiveram uma enorme importância no ensino da construção civil, que passava por uma forte componente de desenho. Foi crucial tanto para arquitetos como para engenheiros, “quando a pedra ainda era um material de solidez de resolução de túneis, de resolução de monumentos”, defende Nuno Matos Silva, arquiteto que também foi professor de desenho no curso de Arquitetura no Técnico até 2021. Representam “a ciência do desenho do corte da pedra, que para ser sólida, para dar construções sólidas, deveria ser cortada de uma maneira geometricamente científica”, explica. “Era o ponto mais alto do estudo da geometria para os arquitetos”, complementa.

Os centenários modelos de gesso atravessaram décadas de ensino e terão, muito provavelmente, passado pelas mãos de Porfírio Pardal Monteiro (1897 -1957) [ver episódio 19] e Álvaro Machado (1874 – 1944), dois dos notáveis professores de arquitetura no início do século XX. “O desenho era uma preocupação do Bensaude [fundador e primeiro diretor do Técnico] para todas as áreas da Engenharia”, explica Pedro Matos Silva.
Foi possível chegar à origem dos modelos através dos seus selos de baixo relevo que têm inscrito a seguinte informação: “Frères des Ècoles Chrétiennes, Rue Oudinot – Paris”. Tratava-se de uma instituição de origem cristã que retirava crianças da rua e dava-lhes formação, que mais tarde acabavam por fabricar e comercializar estes modelos de gesso para serem vendidos a outras instituições (escolares). “Possivelmente foi assim que vieram para cá”, aponta Paulo Mota. A instituição acabou por ser considerada uma seita e ilegalizada em 1904, na sequência da separação entre a Igreja e o Estado imposto pelo governo francês da altura. “Como os monges foram perseguidos, possivelmente não ficaram nem com os moldes nem com as peças”, descreve.

Os modelos de gesso do Técnico foram encontrados com o desgaste natural de mais de 100 anos de existência. “Não foi um restauro complicado. Limitei-me a refazer algumas partes que estavam partidas, fixar e pintar”, descreve Paulo Mota. Na verdade, o trabalho foi muito além disso porque descobrir a história dos objetos “é importante e ajuda a melhorar o trabalho de restauro”. “Faço sempre investigação em todas as peças, quando é possível”, aponta. Neste caso, e através da sua pesquisa encontrou também os manuais do início do século passado que ajudam a contextualizar a origem destes modelos. Resultado do trabalho para Nuno Matos Silva: “Não há dúvida que os modelos são vistosos e ainda para mais com o trabalho do Paulo fazem aqui uma excelente presença”.

História Extra
Modelos de gesso ou armas de arremesso no pós-25 de abril?

A história é contada por António Lamas, Professor catedrático jubilado do Departamento de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico:
«Eu estava cá fechado no Técnico, no Pavilhão Central, num fim-de-semana, e houve uma tentativa de assalto. Havia dois movimentos de alunos, um de muito extrema esquerda e outro associado ao Partido Comunista. Os que estavam dentro do Pavilhão Central barricaram-se dentro do Técnico, porque tinham estado em reunião. Fecharam as portas e os outros tentaram entrar. Os que estavam no Salão Nobre bombardearam os que estavam no pátio ali em frente ao Pavilhão Central, indo buscar tudo o que encontraram: bancos, cadeiras, estiradores e os modelos de gesso… A certa altura, eu e o chefe das Oficinas de Civil, que também ficava ali no Pavilhão Central (éramos os únicos no Pavilhão) vimos o que estava a acontecer e tentámos suster aquele bombardeamento de modelos de arquitetura sobre os assaltantes. E conseguimos salvar alguns. O que temos aqui são os restos dessa batalha campal no Pavilhão Central».
Paulo Mota, responsável pelo restauro dos modelos, não conhecia a história. Isto é tudo o que consegue dizer sobre o assunto: «Nestes modelos não consigo corroborar essa ideia. Mas a coleção não está completa. Há modelos que faltam, digamos que podem ter sido outros modelos que estão em falta que podem ter sido usados para esse efeito. Mas estes não me parece, porque os blocos não estavam partidos, nunca tiveram aspetos de terem caído ao chão nem terem sido arremessados de alguma maneira.»

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