Episódio 63 – O primeiro circuito integrado português

Hoje estão em todo o lado e são cruciais para o funcionamento dos vários equipamentos que usamos no nosso dia-a-dia, mas até 1982 não havia ainda um único circuito integrado feito totalmente em Portugal. O primeiro foi pensado e criado no Técnico, cujos investigadores apanharam a boleia de um projeto internacional para inscrever os seus nomes em escala micrométrica. Um deles foi Moisés Piedade, professor aposentado do Departamento de Engenharia Eletrotécnica no Técnico, fundador e diretor honorário do Museu Faraday, que não tem dúvidas: “Isto abriu uma era nova. Houve depois vários circuitos, feitos no INESC / Técnico, desenhados e fabricados cá”.
A porta para esse conhecimento foi aberta por alguns professores do departamento que, na altura, estavam a fazer o seu doutoramento no estrangeiro (Luís Vidigal, Alves Marques, por exemplo). “Graças a contactos que tiveram durante essa fase da vida, trouxeram a possibilidade de integrarmos projetos que essas universidades estavam a executar em silício e, portanto, o Técnico apanhou a boleia dessas instituições estrangeiras, como a Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, e a Universidade de Grenoble, em França”, explica Carlos Beltran Almeida, antigo professor do mesmo Departamento do Técnico, na época a frequentar o doutoramento e também ele um dos primeiros autores de circuitos integrados. “Trabalharam com pioneiros destes países neste tipo de participação que estava vedada à Universidade”, complementa.

Até esse ano, o caminho foi longo e feito essencialmente pelo setor industrial. “Quem fazia circuitos integrados (no país) eram as grandes companhias de semicondutores: recebiam componentes, montavam e entregavam circuitos – tratavam só da montagem. Toda a parte da conceção era feita no estrangeiro e todo o resto da indústria de circuitos, todo o know how tecnológico estava em posse das empresas”, atesta Carlos Beltran Almeida. “Não havia intrusos, ‘mirones universitários’ nesse domínio”, complementa. Tudo viria a transformar-se com a publicação do livro “Introduction to VLSI Systems”, em 1979, de Carver Mead e Linn Conway. “Esse livro veio abrir para todo o mundo, nomeadamente o Universitário, a maneira como se projetavam circuitos VLSI -Very Large Scale Integration. Eram circuitos que tinham mais de uma centena de milhar de gates no seu interior. Esse livro ensinou, digamos, a fazer projeto e as técnicas que estavam subjacentes à fabricação desses projetos”, defende Carlos Beltran Almeida.
O livro abriu conhecimentos de como se instalava o silício a nível dos ‘layouts’ das camadas que constituem um circuito integrado. “Não é só silício, é o silício com muitas impurezas, com camadas de isolantes, com camadas de metal e tudo aquilo numa sanduiche que foi explicada nesse livro. Para além de explicar isso, dava também exemplos das bibliotecas de alguns circuitos mais vulgares”,complementa.

Aberto o conhecimento e estabelecidas as colaborações, era então tempo de inscrever o nome do Técnico na história desta tecnologia. No âmbito de um projeto internacional, investigadores do Técnico puderam usar uma pequena área silício para fazer os seus circuitos, que foram inscritos lado a lado com de outros investigadores da Universidade francesa. “Neste silício, que pensávamos que era escasso, acabou por ser suficiente para meter 8 ou 9 projetos feitos em Portugal por vários grupos, vários investigadores”, recorda Carlos Beltran Almeida.
E como é que se desenhava um circuito integrado? Voltamos a Moisés Piedade: “As ferramentas eram muito toscas. Desenhávamos isto em folhas A3 quadriculadas e cada quadradinho correspondia a três micrómetros [hoje em dia já se trabalha em nanómetros, que são mil vezes mais pequenos], ou seja, a maior definição que eu podia ter em qualquer das camadas do chip era de três “microns”. A ferramenta que tínhamos era um editor gráfico para especificar retângulos, coordenadas de início, depois o tamanho – comprimentos, largura e o tipo de material. Tinha umas 10 ou 11 camadas e tínhamos uma coleção de lápis de cor onde desenhávamos em papel quadriculado as diferentes camadas. Era desenho mesmo”. E, tal como se faz nas pinturas, estas primeiras e históricas obras de arte foram assinadas por elementos do Técnico, há 40 anos.

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