Episódio 85 – O cartaz “De que são feitas as coisas?”

Em 1981, o Instituto Superior Técnico acolhia uma exposição de física intitulada “De que são feitas as coisas?”, e estava-se longe de imaginar que a mesma estaria na base da mudança estrutural que viria a acontecer na ciência e na promoção da cultura científica em Portugal. A exposição, dividida pelo Salão Nobre e pelo átrio do Pavilhão Central do campus Alameda do Técnico, estava associada uma conferência sobre física de partículas da Sociedade Europeia de Física, que trouxe esse ano à Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, mais de 500 físicos e nomes como, Richard Feynman e Abdus Salam. “Era uma conferência de topo internacional, feita num país onde praticamente não havia física de partículas. Havia todo o ambiente na Europa de Portugal pós-revolucionário”, recorda Mário Pimenta, professor do Departamento de Física do Técnico e atual presidente do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP). A exposição aconteceu de 8 a 20 de julho, num “ano de calor insuportável”, foi feita com o apoio do CERN (Organização Europeia para a Investigação Nuclear) e incluía placards, filmes, publicações de banda desenhada e uma espécie de feira de ciência com várias áreas científicas representadas. Mário Pimenta, que esteve responsável pela banca de eletromagnetismo, recorda: “Teve um impacto enorme, as pessoas estavam muito ávidas de saber o que acontecia. Era Portugal a abrir-se para a Europa e para o Mundo… Foi o princípio de facto da história da física de partículas experimental em Portugal”.

O cartaz da exposição “De que são feitas as coisas?” testemunha também o início do impacto que um homem – José Mariano Gago, estudante do Técnico entre 1965 e 1971; presidente da Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico (AEIST) no ano de 1969/70 e, posteriormente, professor catedrático do Departamento de Física do Técnico a partir de 1979 – teve em todo o sistema científico português. “Mariano Gago [que integrava o grupo de investigadores recém-chegados a Portugal que estava na organização da Conferência e Exposição] era muito sensível à divulgação científica, e em particular na educação de adultos, e tinha uma coluna no Diário Popular. Aproveitando a vinda dessa gente, decidiu fazer um evento de repercussão pública, não deixar só os cientistas todos fechados na Gulbenkian e levar às pessoas do governo para mostrar e fechar acordos, que também se fez, mas transformar isso num acontecimento público”, recorda Mário Pimenta.
Mariano Gago, que esteve no CERN até regressar a Portugal, em 1978, apresentou um curso livre de física de partículas, no mesmo ano. “Foi um bocadinho a semente de fazer a Física Experimental de Partículas em Portugal”, defende. O LIP viria a ser criado em 1986, no momento da adesão de Portugal ao CERN, e teve Mariano Gago como presidente e fundador. Conta hoje com 200 pessoas, 95 delas doutoradas. Foi na mesma Conferência de 1981 que se fez o primeiro acordo, entre Portugal e o CERN, com o seu então diretor, Herwig Schopper, a testemunhar “o ambiente positivo de um país que acreditava que a ciência (fundamental) era fonte de progresso”.
A partir da exposição no Técnico, Mariano Gago, que veio também a ser Ministro da Ciência e da Tecnologia, entre 1995 e 2002, e Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, entre 2005 e 2011, continuou a organizar eventos de divulgação pelo país até ao surgimento do Ciência Viva, em 1995. “É com a criação do Ciência Viva que se dá esse salto qualitativo imenso. Dá-se outro salto imenso com a Expo 1998 e [a construção] do Pavilhão do Conhecimento”, aponta Mário Pimenta.

O balanço da ação de Mariano Gago é feito também por Manuel Heitor, professor catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica do Técnico, que também foi seu Secretário de Estado e tornar-se-ia mais tarde Ministro da Ciência e da Tecnologia e Ensino Superior (2015 e 2022): “O principal resultado é que hoje Portugal tem o grupo da população a nível europeu com o maior nível de cultura científica. Isto não aconteceu por acaso, são 30 anos de investimento na cultura científica”. “Sempre aprendi com ele a não tomar decisões de forma muito rápida. Para o bem e para o mal, às vezes demorava muito tempo a tomar decisões, porque era dominado por um grande clima de incerteza até saber qual era a decisão a tomar. Estar sempre a questionar e a garantir que a construção do futuro se faz pensando a incerteza e que não vale a pena ter certezas. Trazer a incerteza do contexto social para todas as questões”, recorda.
Também Ana Noronha, professora do Departamento de Física do Técnico e Diretora Executiva do Ciência Viva, recorda a filosofia de Mariano Gago que acreditava que “para se desenvolver a ciência era preciso que a população soubesse e percebesse a importância da ciência e porque é que essa ciência seria crítica para o desenvolvimento do país”. É uma estratégia que passava pela “ação nas escolas, criando uma rede de Centros de Ciência Viva, e ações diretas com a população em todo o país”.
Mariano Gago morreu em 2015, com apenas 66 anos de idade. Em sua homenagem multiplicam-se os prémios, encontros e até dá nome ao Largo onde se encontra o Pavilhão do Conhecimento. Tudo segue uma lógica descrita por Manuel Heitor: “Mais do que saudade é fazer acontecer o legado dele”.

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