Episódio 13: O Aquilégio Medicinal

«Aquilegio medicinal, em que se dá noticia das agoas de Caldàs, de fontes, rios, poços, lagoas e cisternas do Reyno de Portugal e dos Algarves que, ou pelas virtudes medicinaes que tem, ou por outra alguma singularidade, são dignas de particular memoria». É com esta prosa e com a grafia usada no início do século XVIII que arranca o “Aquilégio Medicinal”, livro escrito por Francisco da Fonseca Henriques, «natural de Mirandella, Medico do Augustissimo Rey de Portugal D. João V». Trata-se do primeiro inventário das águas minerais naturais de Portugal continental ou, tal como refere o prólogo da sua primeira edição em 1726, “que vale o mesmo que colecção de águas medicinais”.
Uma das edições originais, com quase trezentos anos, está guardada no Laboratório de Análises do Instituto Superior Técnico (LAIST). É uma das “relíquias” cuidadas por Maria Cândida Vaz, professora e investigadora aposentada do Técnico, nascida em 1939, e diretora do Laboratório entre 1984 e 2004, que teve contacto com a obra ainda enquanto jovem investigadora. “O primeiro contacto que tive com o livro foi já no Técnico. Uma das minhas colegas da altura era muito dada a história e disse: “comprei um livro para o laboratório”. Foi um bocadinho caro, talvez tenha comprado num leilão”, recorda. “O Dr. Mirandela [nome pelo qual também era conhecido o médico] era uma referência das análises de água que se fazia no Técnico. Naquela data não havia grandes conhecimentos, e ele fez um levantamento de todas as águas do país. É muito meritório porque desenvolveu uma área que teria ficado esquecida”, complementa a professora que também foi premiada com a medalha de Mérito Científico 2018, atribuída pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Motivo: “Distinguiu-se pelo controlo analítico e a inovação e metodologias de análise, bem como pelo estímulo contínuo à qualidade das águas em Portugal”.

 

No Aquilégio Medicinal encontramos referências a locais que na época eram utilizados para fins curativos, através das chamadas “água medicinais”. O livro rapidamente se tornou uma referência do potencial hidrogeológico e hidromineral do país, com referências a águas termais de todo o país, como por exemplo o “primeiro hospital termal do mundo nas Caldas da Rainha”, que merece 12 páginas da obra.
A geografia de Portugal é percorrida também pela vida pessoal e profissional de Maria Cândida Vaz. Nasceu também em Mirandela, licenciou-se em Engenharia Química pela Faculdade de Engenharia do Porto e foi professora e investigadora do Técnico desde muito nova, onde fez o Doutoramento. “Muitas vezes era a única mulher engenheira nas aulas. Quando acabei de me formar [na Licenciatura] éramos só cinco. Lembro-me de ter uma aula de desenho em que eu era a única rapariga entre 100 pessoas”, recorda.

 

Enquanto investigadora, viajou constantemente pelo país. Para fazer as análises de águas termais, era preciso ir ao campo. “É preciso fazer as análises para saber se as águas continuam a ter as mesmas características ou se se alterou por qualquer razão”, explica. Viagens que trazem muitas memórias, como uma de janeiro de imenso frio e chuva, em Cabeço de Vide: “O único local para colocar o material numa mesa para fazermos as análises era debaixo de uma árvore. Enquanto o Engenheiro Mário Moura fazia as análises e eu tinha o guarda-chuva aberto para não caírem pingos da chuva nas amostras”, recorda. Outra relíquia que ainda guarda no Técnico: a mala de cabedal onde levava equipamentos e frascos necessários para trazer água para ser analisada no relatório ao longo dessas viagens. E por falar em tesouros, Maria Cândida Vaz dedica-se agora a tentar fazer um inventário do espólio e publicar a história do LAIST. “Hoje em dia estudo as relíquias do Técnico”, resume.

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