Episódio 28 – Os Dentes de Mastodontes

Não muito longe do campus da Alameda do Técnico foram encontrados “dentes muito grandes” de antepassados de mastodontes, com cerca de 20 milhões de anos, época em que estes ancestrais dos elefantes viviam junto às margens do rio Tejo. Estão atualmente no Museu Décio Thadeu, do Técnico, dirigido por Manuel Francisco, que lhes atribui “um significado particular”: mostram que existiram aqui, no exato local onde milhares de alunos se formam, elefantes durante muitos milhões de anos.
A zona envolvente do Técnico, em particular o Areeiro, é de resto umas das zonas mais ricas em fósseis do período miocénico [de entre há 24 milhões de anos até há 5 milhões de anos atrás], de animais como elefantes, rinocerontes, hipopótamos, entre outros. “O Areeiro era uma zona que tinha muitas areias, que eram usadas para indústrias, e que eram removidas à mão. Quando os trabalhadores escavavam à mão era mais fácil encontrar dentes e ossos desses animais”, explica Simão Mateus, paleontólogo do Dino Parque da Lourinhã, que também estudou parte do acervo dos Museus do Técnico durante a sua tese de doutoramento.
Para além dos mastodontes desse período, podemos imaginar em Portugal uma verdadeira savana e animais como hienas, hipopótamos, girafas e castores a percorrer o seu caminho entre vegetação extremamente alta, com quase dois metros de altura, no período pré-idade do gelo. “Uma das coisas que conseguimos perceber é a dimensão e a diversidade da fauna pré-idade do gelo, muito parecida com a fauna [atual] de África”, explica Simão Mateus. Entrando na idade do gelo, começam a aparecer na região animais mais parecidos com rinocerontes lanudos e mamutes. “O Areeiro já não é das zonas fossilíferas porque começaram a construir em cima. Uma das questões para se descobrir fósseis é não haver construções”, complementa.

Voltando aos dentes de mastodontes: estes elefantes “lisboetas, alfacinhas e ribajetanos viviam num ambiente mais quente, em meandros fluviais onde havia ervas altas, a savana tinha-se desenvolvido há pouco tempo (para aí uns dez milhões de anos)”. Havia uma grande variedade de elefantes, que se tinham diversificado “em formas muito estranhas”, rinocerontes com chifres bastante diferentes dos que temos atualmente, alguns com chifres de mais de um metro. “Por outro lado, tínhamos animais que vieram a dar origem aos cavalos, com três dedos e do tamanho de gatos, que eram os cavalos da altura. Havia também os tigres dentes de sabre, que comiam estes cavalos, os castores e os esquilos. Tínhamos também coisas mais estranhas como tubarões entrarem pela bacia do tejo e sado com toda a facilidade”, descreve Simão Mateus. Seres humanos ainda não.
Os dois tipos de elefantes que existem atualmente – o africano e o asiático – são uma simplificação da variedade que a família dos elefantes tinha anteriormente e que se manifestava também em Portugal. “Os elefantes não se extinguiram da Península Ibérica assim há tanto tempo. Acredita-se que há cerca de 2000 anos ainda existiam elefantes autóctones na Península Ibérica e na Europa, muito parecidos com os atuais Acredita-se que a extinção tenha sido devida a caça humana”, explica Simão Mateus.

A Colaboração entre o Museus de Geociências do Técnico e o Dino Parque da Lourinhã conhecerá novos capítulos no futuro. “No Técnico, acredite-se ou não, no Museu Décio Thadeu, estão fósseis de castores, tigres dentes de sabre, girafas, e tudo isso são fósseis extremamente importantes, principalmente porque são fósseis que estão no virar de uma extinção, em que a Península Ibérica está a perder qualidades de savana e daqui a pouco tempo vai começar a entrar na idade do gelo e toda a fauna se vai alterar”, explica Simão Mateus. Estudá-los pode ajudar a perceber como é que pequenas alterações de temperatura (aquecimento global e arrefecimento global) podem causar extinções em massa e como é que isso altera todo esse ecossistema, por exemplo. Simão Mateus acredita que esta colaboração pode ajudar “a dar a conhecer as riquezas do Museu, para que outros investigadores, mais peritos em cada um dos grupos de animais, possam investigar e estudar melhor a fauna miocénica de Portugal”. O desafio não se adivinha fácil: “No Técnico há muito trabalho ainda para se fazer, tem ótimos exemplares de animais que não estão muito bem estudados. O acervo do Técnico dava para uma vida inteira de trabalho para uma ou duas pessoas”.


Conteúdo complementar:

As caraterísticas dos elefantes, por Tiago Carrilho, biólogo no Jardim Zoológico de Lisboa

«Os elefantes têm várias características interessantes, uma delas é o facto de ser liderado pelas fêmeas. Estamos a falar de um grupo que é matriarcal. Quando estão no seu habitat natural, e também aqui no zoo, temos uma fêmea que controla todas as movimentações do grupo, enquanto os machos normalmente são solitários. Por isso é que aqui no zoo temos esta instalação das crias e das fêmeas mais jovens. E a outra instalação do macho.
Outra caraterística interessante dos elefantes é que são recordistas da quantidade de alimento que comem: podem chegar a comer 200 kg de matéria vegetal por dia. Aqui foi feita uma adaptação, porque não se movimentam tanto, ainda assim comem uns modestos 90kg de erva por dia.
Mesmo sendo herbívoros, o sistema digestivo dos elefantes não é muito eficaz. Têm que comer muito alimento para terem porte energético e nutritivo. Podem ao longo do ano comer 150 espécies de plantas diferentes.
A tromba dos elefantes – a junção do lábio superior e o nariz – é um órgão que tem 156 mil músculos. Há mais músculos naquela tromba toda do que os que temos no nosso corpo todo. Tem várias funções: uma como se fosse quase um braço humano; consegue agarrar em alimento, manusear objetos… também consegue cheirar, detetar pressão, temperatura, estamos a falar de um órgão que é absolutamente incrível se olharmos para a história da biodiversidade animal.
O elefante africano da savana é o maior mamífero africano e o maior mamífero terrestre. Pode chegar aos 6000 Kg. Temos três fêmeas e um macho no Zoo de Lisboa. A Matriarca é a Jane, que lidera o grupo. Há uma hierarquia incrível.
Podem chegar até aos 65 ou 70 anos e aqui no zoo temos duas juvenis de 15 a 20 anos e o macho a chegar aos 30/35 anos e a matriarca que deve ter um bocadinho mais, cerca de 40 anos.
Como é que sabem que a idade chegou ao fim?
Tem tudo a ver com a alimentação. Têm os molares fundidos e vão crescendo à medida que se vão desenvolvendo. Eles podem ter no fundo seis molares fundidos e bastante grandes. Estamos a falar de dentes que podem pesar cerca de 4kg. Estes molares vão sendo desgastados ao longo da sua vida, estamos a falar de um animal que come bastante alimento quando chega ali aos 60 ou 65 anos o molar está tão desgastado que o animal deixa de conseguir alimentar-se. É nesta altura que a sua saúde começa a deteriorar-se e eles têm a perceção que não têm uma durabilidade muito maior do que esta.
São muitos diferentes dos que viviam há muitos milhões de anos? A evolução foi drástica?
Há determinadas caraterísticas que, olhando para eles, conseguimos encontrar pontos em comum, por exemplo a tromba. Se pegarmos num animal como mamute, e no caso do pêlo, que vivia em zonas muito geladas, tinha que ter essa capacidade para sobreviver no frio, neste momento essa característica já não se verifica. No caso da tromba, tem uma estrutura que se manteve pelas funcionalidades e pela utilidade que tem».

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