Episódio 53 – Os painéis científicos

São 116 painéis enrolados que guardam a memória do conhecimento científico de uma época, mas já se assumiram como uma das mais eficazes formas de partilha de conhecimento. Os painéis científicos são, provavelmente, a versão mais antiga dos atuais powerpoints. Eram exibidos, no início do século XX, recorrendo a um sistema de roldanas e fios. De cada vez que era preciso mostrar um desses painéis, o professor puxava os cabos e aparecia um novo “diapositivo” com ilustrações científicas.
Os painéis científicos do Técnico, com datas originais de 1911, têm cerca de 2 metros de altura por 1,5 de largura e apresentam ilustrações de paleontologia, geologia, representando dinossauros, mamíferos, esponjas, trilobites e plantas, entre outros. São comumente chamados de quadros parietais (de parede) e feitos em tela suportada por ripas de madeira nas extremidades superior e inferior. No Técnico, “foram usados seguramente até à década de 50, altura em que o curso [de Engenharia de Minas] perde a sua cadeira de paleontologia e o estudo é descontinuado”, explica Manuel Francisco, diretor do Museu de Geociências do Instituto Superior Técnico, onde os painéis se encontram atualmente.
Mafalda Paiva, ilustradora científica do Centro de Arqueologia de Lisboa, realça também a forma “extraordinária” como as ilustrações estão dispostas nos painéis: “Não são só claro e escuro. Têm um pouquinho mais que lhes dá relevo. Foi-lhes colocado um tom branco, nas zonas mais claras, para que se tornem mais volumosas. Temos o escuro, a cor do papel e o branco, que faz com que a ilustração fique ainda mais rica”.

A maioria das ilustrações foi feita por Karl Alfred von Zittel (1839-1904), um professor de paleontologia na Universidade de Munique (Alemanha), que as desenhou para auxílio às suas aulas. A sua coleção acabaria por ser reproduzida e distribuída massivamente pelas principais universidades do mundo. Em Portugal, apenas são conhecidas a coleção de mais de 3000 exemplares do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa e os 116 painéis do Técnico. “São 116 mas tenho a certeza que há muito mais nessas reservas, nesses armazéns… temos é que os descobrir”, acredita Marta Lourenço, atual diretora desse Museu.
A coleção do Técnico guarda uma surpresa. Três ilustrações de três painéis estavam, até há pouco tempo, envolvidas em mistério quanto aos seus autores. Manuel Francisco recorda: “Havia alguns painéis que não tinham número. Pensámos: será que se perderam, será que não? Ao abrir percebemos que eram sobre fósseis nacionais e a maior surpresa foi verificar que eram painéis com uma qualidade semelhante aos outros mas tinham pequenas assinaturas e datas”. São da década de 40 e foram desenhados por três antigos alunos do Técnico que frequentaram as aulas de paleontologia. “Curiosamente, um desses alunos – Fernando de Mello Mendes (ouvir o Episódio 37 – Os Modelos de Minas de Freiberg) – acabou ainda por ser meu professor”, conta. Para Marta Lourenço, o facto de haver painéis desenvolvidos por alunos do Técnico dá ainda mais valor à coleção. “Passa a ser um objeto único que passa a ter uma importância e um significado local, para a história da instituição”, aponta.

A coleção encontra-se atualmente guardada numa sala do Museu de Geociências, no campus Alameda do Técnico, ela própria um pedaço da história do Técnico. Inaugurada nos anos 30, mantém parte do mobiliário original. Já foi biblioteca, sala de arrumos de cadeiras e de livros e sofreu algumas inundações.
E como sobreviveram os painéis à passagem do tempo? Marta Lourenço confessa que não está “habituada a ver tantos painéis neste belíssimo estado de conservação”. Falamos de um dispositivo de pendurar na sala de aula que normalmente está “muito esfarrapado” pelo uso. Mafalda Paiva partilha da mesma opinião. “Deviam estar danificados e foram recortados e colados com muita qualidade”, resume. E isso faz com que percam valor? “O objeto está lá, a ilustração está lá e são tão competentes como eram há 100 anos atrás”, defende.
Que futuro está destinado para esta coleção? “É uma coleção única e é preciso estudá-la, inventariá-la e torná-la acessível a todos”, avança Marta Lourenço. Este tipo de objetos “permite olhar o passado, mas também o passado da educação, da ciência e levantar questões que outros objetos não permitem”, conclui.

  • Agradecimentos:
    Mafalda Paiva
    Manuel Francisco
    Marta Lourenço
    Museu de Geociências do Instituto Superior Técnico

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