Episódio 70 – O dínamo de Gramme

Ter aparelhos capazes de gerar correntes contínuas de eletricidade pode não parecer nada de especial nos dias que correm (quase todos os gadgets eletrónicos, por exemplo, trabalham com corrente contínua) mas tal era ainda uma miragem até ao aparecimento do Dínamo de Gramme, que nos chegou a partir de uma técnica desenvolvida em 1871 por Zénobe Gramme. Após a construção e comercialização do dínamo por François Breguet, entre 1882 e 1885, a técnica tornou-se mesmo incontornável para a área da eletrotecnia. “É a primeira vez que se consegue a partir do movimento de rotação, numa bobine inserida num campo magnético, ter uma tensão constante, quase sem flutuações no tempo. Isso passou a ser usado em praticamente todos os dínamos construídos a partir desta altura”, explica Moisés Piedade, professor aposentado do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Técnico e um dos fundadores do Museu Faraday.

Quando falamos de um dínamo elétrico referimo-nos a um conversor de energia que transforma energia mecânica de rotação numa tensão contínua sendo, por isso, considerado um gerador elétrico. Depois da pilha de Volta, o dínamo foi a primeira fonte de energia de tensão contínua com capacidade de gerar potências elétricas elevadas. Com o Dínamo de Gramme chegava assim a revolução: “é dos objetos, ao nível de geração da tensão contínua, que eu considero dos mais importantes na eletrotecnia. Até ali eram objetos também baseados na rotação de bobinas na presença de campos magnéticos, mas a tensão obtida era pulsada, com muitas variações no tempo”, explica. Esta mudança de paradigma “deve-se a uma invenção – o anel de Gramme – que é a maneira como é enrolada a parte da bobine móvel, que é um anel contínuo com diferentes tomadas em vários pontos. Essas tomadas são ligadas a um coletor que depois apoia sobre duas escovas, de modo que quando se roda, aquele anel roda no campo magnético, produz sempre a tensão positiva no polo positivo de saída, independentemente da posição em que está aquela bobina que roda”, aprofunda Moisés Piedade.

Gramme terá chegado a este dínamo através de uma experiência assim descrita por Moisés Piedade: “Fez um dínamo e ligou-o a outro situado a 500 metros de distância. Foi a primeira vez que se verificou que um dínamo gerava uma tensão contínua e o outro funcionava como motor. E isto foi uma revolução grande em termos de eletrotecnia porque mostrou que este dínamo pode funcionar quer como gerador, quer como motor. Nós hoje em dia, nos carros elétricos temos isso”. A mesma máquina pode, assim, ser um motor – a partir da eletricidade gerar energia mecânica, mas a partir da energia mecânica também gerar eletricidade.

Este exemplar histórico do Dínamo de Gramme encontra-se no Museu Faraday, no campus da Alameda do Técnico, partilhando a atenção dos visitantes com objetos que contam a história da eletricidade, da eletrónica, da informática, do som e da imagem, entre outras áreas do saber. É um dos poucos construídos por Breguet, conhecido sobretudo pela sua atividade enquanto relojoeiro de alta precisão. Um dos seus relógios mais famosos – o n.º 160 – terá sido encomendado por oficial da “Guarda da Rainha” e amigo íntimo da rainha Maria Antonieta, a quem seria alegadamente oferecido. Mas nunca chegou ao seu destino. O relógio “Rainha Maria Antonieta” é considerado o mais emblemático dos cerca de 1500 relógios que fez em toda a sua vida, tendo demorado 44 anos a ser concluído.
Ao valor do exemplar junta-se, assim, o valor de quem o construiu. Quando foi desviado para o Museu, o Dínamo de Gramme estava, contudo um pouco desvalorizado. Ou, por outras palavras, desmagnetizado e sem funcionar. Foi, de imediato, submetido à filosofia do Museu Faraday, assim resumido por Moisés Piedade: “as coisas que temos aqui têm que estar a trabalhar, se não estão, temos de as pôr”.

 

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