Episódio 91: O kit pedagógico de micro-ondas

Dentro de uma mala verde estão cabos, peças metálicas, uma lupa e muitas outras peças que podiam passar despercebidas entre a coleção do Museu Faraday, no campus Alameda. Interligadas compõem o kit pedagógico de micro-ondas que, na década de 60 do século passado, serviu de base à experimentação feita no Técnico e foi crucial para o trabalho doutoramento de Francisco Borges da Silva (1934-2021), na área dos amplificadores de sinais.
O kit destinava-se a divulgar junto de estudantes e investigadores as técnicas de micro-ondas, que tiveram grande desenvolvimento, após o fim da 2.ª Guerra Mundial. “Estávamos numa altura em que era importante ter um kit pedagógico para as pessoas nas escolas e universidades se familiarizarem com as aplicações e as propriedades do micro-ondas”, confirma Moisés Piedade, responsável pelo Museu Faraday e professor aposentado do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Técnico.
O kit pedagógico de micro-ondas do Técnico tem “tudo o que é necessário para fazer as experiências fundamentais em micro-ondas”, desde transmissão, antenas, recetores de micro-ondas, dispositivos atenuadores, cavidades ressonantes, que permitem determinar a frequência do sinal emitido de cerca de 10GHz (os micro-ondas domésticos funcionam à volta de 2GHz). Do trabalho de Francisco Borges da Silva permanecem também no Museu Faraday os emissores e os recetores que o investigador construiu à mão usando as oficinas do Técnico. Após anos de repouso, a busca de peças para a coleção do Museu – onde também pode ser encontrado o kit de eletromagnetismo (ouvir Episódio 54 – O Kit de Electromagnetismo) – deu nova vida ao kit pedagógico de micro-ondas.

Rui Louro, colega de Moisés Piedade enquanto estudante do Técnico e atual colaborador do Museu, ficou com essa missão. “Aqui no Museu calhou-me a mim fazer o modelador de áudio para o sistema de micro-ondas de demonstração que nós temos. Ia olhando para o manual, verificando as experiências possíveis e ia reproduzindo algumas que me interessassem…”, recorda. “Quando o encontrei, parecia novo, estava impecável”, complementa. Nesse trabalho, adicionou o sinal de áudio a partir de um antigo walkman. Esse sinal é transmitido ao longo do feixe, sendo detetado na outra ponta. O som “entrou no amplificador, saindo num altifalante e verificou-se que as coisas funcionavam”.
Funcionalidade bastante diferente daquela para a qual o micro-ondas é usado no dia-a-dia, descoberta um pouco por acidente: “Foi um engenheiro que tinha uma barra de chocolate no bolso e estava em frente ao feeder do micro-ondas e o resultado foi que ele sentiu a barra derreter-lhe no bolso”, explica Rui Louro. A frequência de 2Hz desses aparelhos “é bastante boa para aquecer, faz vibrar as moléculas de tudo o que tem água e, portanto, fazer o aquecimento. Tem uma antena para aquele espaço confinado ao forno de micro-ondas. Esse campo magnético é que faz vibrar as moléculas de tudo o que tenha água e aquecer por atrito”, explica Moisés Piedade.
O kit pedagógico de micro-ondas assume-se como mais um exemplo da importância da experimentação no ensino e na investigação. Um sentimento assim resumido por Moisés Piedade: “Hoje em dia podemos aprender tudo sem fazer nada – eu tenho a informação toda, desde que saiba um bocadinho de matemática e física posso aprender tudo… só que para mim não sei. Eu só sei quando fiz. Uma vez feitas as experiências, eu já me esqueci de tudo, da teoria mas fiquei com os princípios físicos bem solidificados. Para mim sempre foi muito importante numa Escola de Engenharia a vivência da experiência porque essa nunca mais se esquece”.

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