Episódio 18: O 1.º Laser em Portugal

Os lasers estão hoje em todo o lado, de forma mais ou menos invisível. Da indústria automóvel para cortar chapa aos apontadores que são usados nas aulas, da depilação a laser à fibra ótica que transporta a informação, dos videojogos aos projetores de cinema, ou até mesmo para desviar os resíduos de satélites que existem na alta atmosfera. Mas foi nos anos 60, quando ninguém sabia muito bem para que poderiam vir a servir, que testemunhámos a entrada do primeiro laser em Portugal, e no Técnico, pelas mãos do professor e investigador Manuel Alves Marques (1930- 2010). Um laser de rubi, com cerca de dois palmos de tamanho, constituído por um núcleo principal feito de cristal de rubi, envolvido por uma lâmpada de flash. “Na altura (anos 60) havia aplicações para a transmissão de dados, mas não sabemos para que foi realmente utilizado”, explica-nos João Mendanha Dias, professor do Departamento de Física e investigador no Grupo de Lasers e Plasmas do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN). “Também houve um laser de rubi no Batalhão de Transmissões de Lisboa. Não sei se será o mesmo ou se havia dois iguais, um para a parte militar e outro para a parte civil”, complementa.
O laser chegou ao Grupo de Lasers e Plasmas do IPFN na altura da sua fundação, nos anos 90. “Nessa altura, o Prof. Alves Marques deu-nos algum equipamento, um deles foi este laser de rubi. E passou para nós. No início tentámos ligar logo aquilo, tivemos que arranjar um transformador, acabámos por pô-lo a funcionar, só mais tarde viemos a saber que teria sido o primeiro laser em Portugal. No início nem percebíamos como funcionava”, recorda. O primeiro laser do mundo, construído em 1960 num laboratório da Califórnia, era de resto muito parecido com este, mas com metade do tamanho.

“Termos aqui o primeiro laser que funcionou em Portugal tem um aspeto simbólico. Serve-nos de inspiração, mostramos a outras pessoas e ficam encantadas em ver o cristal e a lâmpada de flash. Também tem aqui uma parte pedagógica porque não é muito comum podermos olhar para dentro de um laser”, descreve Luís Oliveira e Silva, presidente do Conselho de Escola do Técnico e professor no Departamento de Física e investigador no Grupo de Lasers e Plasmas do IPFN. “Como todos os lasers, produz luz muito especial: move-se numa única direção e tem uma única cor, é coerente (os fotões estão todos sincronizados) e isso é que torna esta luz verdadeiramente especial. O princípio que está aqui é o que existe em todos os lasers, desde lasers industriais até ao laser mais simples que nós vemos quando vamos fazer compras no supermercado e passamos o código de barras”, descreve.
“Há três componentes principais do laser: o cristal, que é o meio ativo onde se dá a amplificação por emissão estimulada de luz, a fonte de bombeamento, que é a lâmpada de flash, que dá energia para estimularmos o cristal e depois o sistema de realimentação e amplificação, para fazer os fotões andarem para trás e para a frente e cópias de si próprios e fazerem a tal luz coerente e muito brilhante, que é um laser”, complementa João Mendanha Dias.

A utilização do laser acabou por ser “ uma evolução natural da investigação que era feita no Técnico pelo Professor Alves Marques”, como partilha Luís Oliveira e Silva. Alves Marques, o primeiro a realizar um doutoramento pelo Instituto Superior Técnico (em 1962), estudava as propriedades físicas e químicas de soluções e diferentes compósitos e, antes dos lasers, recorria a outras fontes de luz menos precisas. A investigação que hoje se faz no Técnico é também herdeira dessa tradição da Física Experimental, que remonta também aos anos 30 e ao trabalho de António da Silveira (1904-1985), professor de Física do Técnico desde 1936 até 1974. Mas as diferenças da investigação que hoje se faz nesta área para a dos anos 60 está a “várias ordens de grandeza” de distância. “Neste momento, temos no Técnico vários lasers intensos que ocupam praticamente uma sala completa – o Laboratório de Lasers Intensos tem cerca de 100 metros quadrados, 80 deles ocupados com o laser. Os estudos que agora se fazem são em condições ainda mais extremas do que era possível fazer nessa altura. Há mais luz, é mais controlado, mais intenso, flashes de luz ainda mais curtos, as características agora são ainda mais interessantes”, aponta Luís Oliveira e Silva.
A herança dessa tradição espelha-se também na filosofia que seguida pelos investigadores do Técnico e sintetizada por Luís Oliveira e Silva: “Sempre acreditamos que a física é essencialmente uma ciência experimental. É no confronto com as experiências que os nossos avanços são validados”.

 

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