Episódio 87: O quenotrão

A história da primeira pessoa a doutorar-se no Instituto Superior Técnico cruza-se com a do quenotrão, objeto que hoje pode ser observado no Museu Faraday, no campus Alameda, e que foi fundamental para o trabalho que conduziu a esse momento histórico da Escola. Manuel Alves Marques (ouvir episódio 18 – O 1.º laser em Portugal) concluía em 1962 o seu doutoramento, o primeiro a ser feito na íntegra no Técnico, na área da Engenharia Eletrotécnica, durante o qual estudou as vibrações das moléculas em torno de determinados metais. Para isso, recorreu à espectroscopia de Raman, técnica de identificação da estrutura química que deu um Prémio Nobel ao investigador indiano, Chandrasekhara Venkata Raman, em 1930. Para estudar essas propriedades, Alves Marques (1930- 2010) criou uma instalação de origem onde aplicaria a técnica de difração de raios-x. Na mesma instalação surgia o quenotrão, um retificador de vácuo que era usado para proporcionar alta tensão contínua para o funcionamento de ampolas de raio-x.

“Naquela altura, na parte da física experimental, era preciso criar uma nova instalação, fazer o projeto de uma instalação para se obter determinados resultados experimentais. Passava sempre por aí”, explica Isabel Cabaço, professora aposentada do Departamento de Física do Técnico, que se licenciou em Engenharia Química, em 1968. A instalação, que Isabel Cabaço ainda conheceu enquanto aluna orientada por Alves Marques, estava na cave do Pavilhão de Máquinas e servia para obter medidas de polarização, “que na altura pouquíssimas pessoas faziam”. “O quenotrão trabalhou durante muitos anos, foi muito útil, permitiu a elaboração de uma tese de grande qualidade [tese de Alves Marques, orientada por António Silveira, figura marcante da Escola], foi usado por estudantes e do meu ponto de vista é um objeto lindíssimo”, descreve.

O quenotrão do Técnico tem cerca de 80cm de comprimento e é parecido com uma lâmpada elétrica em forma de pêra mas com duas extremidades com casquilhos, em vez de uma. Para que serve? “Basicamente é uma válvula de um retificador de vácuo mas para altas tensões. Suporta tensões inversas com um retificador de 250 quilovolts”, explica Moisés Piedade, professor aposentado do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Técnico e um dos fundadores do Museu Faraday. Todos rádios e pequenos aparelhos semelhantes, por exemplo, são alimentados a corrente contínua, que ou vem de baterias ou da corrente elétrica alternada. “Há sempre um retificador, um conversor de corrente alternada e corrente contínua metido pelo meio. E, neste caso especial, estas válvulas são para produzir tensões extremamente altas contínuas que eram basicamente usadas nas ampolas de raio-x”, acrescenta. Era precisamente como complemento desse tipo de ampolas que o quenotrão era utilizado na instalação concretizada por Alves Marques. Ainda hoje, no campus Taguspark, existe “uma máquina de verificação de circuitos eletrónicos, circuitos impressos, baseada em raio-x, onde se fazem radiografias a circuitos eletrónicos para ver ligações que não são visíveis a olho nu”, conta. 

Depois de ter deixado de funcionar, no final dos anos 80, o quenotrão ficou arrumado numa cave do Edifício Civil. Quando Moisés Piedade visitou o espaço, à procura de objetos de eletrotecnia para o Museu Faraday, havia uma inundação. “Às tantas já não conseguia avançar porque já tinha 10 cm de água”, relembra. Mas continuou e acabou por encontrar este objeto, sem que na altura soubesse ainda o que era. “Moisés salvou o quenotrão das águas”, brinca Isabel Cabaço.

 

História Extra:
Professor Alves Marques: Muito trabalho, sono e meditação
«O Prof. Alves Marques era uma pessoa muito honesta, muito sóbria e era um trabalhador infatigável. Levantava-se às 4h da manhã (e deitava-se às 22h) e era frequente dormitar. Quando havia concursos e provas, ele que era membro do júri e às vezes um dos membros principais, adormecia…. ou meditava.
Ele ia muitas vezes a congressos internacionais, e muitas vezes custeava as despesas de deslocação e de inscrição para permitir que os seus colaboradores tivessem Bolsa. Era frequente estar a ouvir uma palestra e estrar a dormitar, mas quando a palestra terminava ele era a primeira pessoa a pôr uma questão pertinente.»
(Isabel Cabaço)

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