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Episódio 21: Os Painéis da Destilaria

sexta, novembro 19th, 2021

É uma imagem comum no dia-a-dia do Técnico e acontece pelo menos desde os anos 60. Um grupo de alunos de Engenharia Química aguarda no hall do rés-do-chão do Pavilhão de Química que os estudantes de outra turma saiam do anfiteatro para poderem entrar e assistir à sua aula. Enquanto esperam, analisam os painéis da destilaria que ocupam dois cantos superiores da parede. “Eram icónicos. Estávamos ali e grande parte das pessoas estavam a apontar pormenores: porque é que a bomba está ali numa cova naquele sítio, a questionar-se sobre coisas que viam nos painéis e que não percebiam bem como é que funcionavam”, recorda João Carlos Moura Bordado, Professor de Engenharia Química do Técnico e estudante do Técnico no final dos anos 60.
Os painéis representam uma destilaria, ou uma fábrica de etanol, que foi construída em Angola provavelmente entre os anos 30 e 40. “Contemplávamos [os painéis] com um certo interesse. Ver uma fábrica de um produto tão elementar como o etanol era interessante, os alunos olhavam para aquilo com alguma admiração. Há ali uma série de pormenores que um aluno só mais tarde vai perceber porque é que importante que seja daquela forma”, complementa.

A fábrica produzia cerca de 15 toneladas de etanol (álcool etílico) por dia. “É uma quantidade enorme. Estamos a falar de uma fábrica com terreno e edifícios com pelo menos 4 a 5 hectares. E depois o equipamento de aço, quer reservatório de matérias-primas, quer de produto acabado, ocupa cerca de 1 hectare”, descreve.
Os painéis são ilustrativos e as técnicas que os mesmo testemunham “são basicamente as mesmas com alguns acrescentos; em termos construtivos, as fábricas continuam a ser muito parecidas”. As cores nos painéis seguem também uma lógica: “Tipicamente na indústria química, atribuímos uma cor ao produto principal, neste caso seria à matéria-prima e ao etanol, tudo quanto é água geralmente é verde, ar comprimido são tubagens azuis. Cada tipo de fluido tem uma determinada cor, existe uma espécie de código de cores”, explica João Carlos Bordado, professor com 48 anos de experiência no ensino e 25 na indústria química.
Não é claro quando foram os painéis colocados nas paredes, nem quem os ofereceu ao Técnico. “Quando entrei no Técnico em 1968, como aluno de Engenharia Química, já estavam lá e já tinham algum pó. Imagino que estivessem há dez anos ou mais. Pode ter sido algo que o dono da obra a exigiu que fosse feito e, quando a fábrica ficou construída, ofereceu ao Técnico”, analisa João Bordado. Na altura não havia a tradição de fazer maquetes, pelo que muitas fábricas exigiam à empresa construtora que fizessem.

No final dos anos 60, o ambiente do Técnico era um bocadinho diferente: “Tinha uma estrutura muito liberal. Cada aluno organizava-se como queria e tal, ia às aulas que queria, os alunos não tinham faltas, mas se não se organizassem e se atrasassem nas matérias, de facto depois não conseguiam passar de ano quando chegassem ao exame”, recorda João Bordado.
Para os alunos que hoje entram no Técnico, o docente recomenda como ferramenta principal – para que possam posteriormente progredir na carreira profissional – “a capacidade de autocrítica”: perceber o que hoje não correu bem e amanhã se pode fazer melhor.
“Os alunos de Engenharia que entram no Técnico devem ser motivados para a atividade profissional que vão exercer. Dar-lhes exemplos [como os painéis da destilaria] logo nos primeiros momentos de contacto com o Técnico daquilo que vão ver na vida profissional é ilustrativo mas também impactante”, complementa.

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Episódio 20: O Laboratório de Química Orgânica

sexta, novembro 12th, 2021

Estamos em 1953 e o Técnico assiste a uma pequena revolução no ensino da Química Laboratorial. Com a supervisão de Pierre Laurent, dá-se início à reforma total do Laboratório de Química Orgânica, situado no Pavilhão de Química do campus da Alameda, e de todo o paradigma da relação entre os alunos com o ensino da Química. Bernardo Herold, professor catedrático do Técnico jubilado em 2003, atualmente com 88 anos, acompanhou todo o processo e viria a gerir o laboratório a partir de 1962.
A renovação deste laboratório foi feita por administração direta, sem recurso a empreiteiro. “O Professor Laurent andava sempre em cima dos operários, herdei um bocadinho isso”, partilha. Como? “Ando sempre com uma fita métrica no bolso porque as dimensões exatas das coisas têm uma importância enorme”.

O renovado Laboratório de Química Orgânica tornou-se tão relevante que “as pessoas nem conseguem imaginar como é que o ensino laboratorial era feito antes destas transformações ao laboratório. Em Portugal era o topo, não havia nenhum tão bem e tão funcionalmente adaptado à química orgânica de síntese”. No espaço, antes da reforma, havia um laboratório com condições de bancadas e de serviços instalados completamente insuficientes. “O Professor Laurent foi contratado com a finalidade específica de reformar o ensino laboratorial da química orgânica. Chegou e viu um laboratório onde quase nada funcionava. Tinha bancadas que estavam revestidas de cerâmica, apenas seis bicos de gás e duas tinas com água nos extremos das bancadas. Isso tornava os trabalhos como ele os concebia completamente impossíveis”, conta Bernardo Herold. “A conceção que havia antes dele era que o laboratório funcionava na base de aparelhos. Havia uns tantos aparelhos que estavam nas várias bancadas e cada grupo de estudantes ia servir-se de um aparelho para fazer um ensaio ou um trabalho. Foi ultrapassada nessa altura”, complementa.

Foi então concebido um laboratório de modo a possibilitar o trabalho simultâneo de 48 estudantes, 6 por cada bancada, foi aumentado o número de válvulas de água, gás e tomadas de eletricidade. Por baixo de cada bancada, foi retirada a parte de carpintaria e arranjado móveis amovíveis, onde cada estudante podia guardar o material que era distribuído no início do ano, como copos, balões, refrigerante, etc. “O Professor Laurent, atribuiu uma unidade de trabalho a cada dois estudantes e durante todo o ano eles trabalhavam nesse sector de bancada. Eu fui o primeiro aluno a servir-me desta bancada no sítio onde estou aqui a falar”, mostra com emoção.
“O Técnico foi a minha casa. Aquilo que é criticado, com toda a razão, do incesto universitário: eu sou um exemplo extremo. Fiz doutoramento na Alemanha e depois tive que chefiar uma cátedra e criar um grupo de investigação sem ter a mínima experiência, salvo o meu doutoramento. Fazer a vida numa escola não é só sucessos e alegrias, há muita coisa que a gente não gosta de contar mas que está cá dentro. Em determinados momentos somos invadidos por essas recordações. Quando chego aqui eu sou inundado por uma torrente de recordações”, partilha. Algumas delas verdadeiramente caricatas: “Antigamente, quando os aquecimentos eram com bicos de gás, sempre que havia um derrame de um líquido inflamável dava logo origem a grandes labaredas. Nos primeiros tempos havia um extintor em cada bancada e eu apaguei muitos incêndios. Às vezes pelo ruído eu percebia o que estava a acontecer e ia com o contentor para o apagar”, recorda.

Não há registo de acidentes graves no laboratório, também graças à sua conceção numa perspetiva de segurança. De resto, a resistência é uma das principais caraterísticas do laboratório. Tem bancadas de chumbo, que resiste muito bem à corrosão e acumula quase 70 anos de uso. “Não há material melhor do que isto. Material moldável, que fez com que fizesse uma geometria da superfície da bancada muito interessante e útil. Muito resistente e muito funcional. Em calão de oficina de automóveis isto chamava-se material de guerra”, defende. “Isto serve, no fundo, tão bem como serviu no primeiro dia. É muito funcional. Para o tipo de trabalho que se faz nas aulas práticas, é perfeitamente adequado. Acho que está perfeito para servir mais 50 anos”.

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Episódio 19: A 1.ª Imagem do Técnico

sexta, novembro 5th, 2021

“Você é o arquiteto que eu e o Conselho escolhemos. Portanto, só tenho um caminho a seguir: entregar-lhe o projeto para o Instituto ou confiar este trabalho a um arquiteto estrangeiro”. Terá sido com estas palavras, na inauguração Estação Ferroviária do Cais do Sodré em 1928, que Duarte Pacheco (que foi Diretor do Técnico e Ministro das Obras Públicas e Comunicações) convenceu o então jovem arquiteto e também professor do Técnico, Porfírio Pardal Monteiro a desenhar aquilo que ainda hoje é o traçado base do campus da Alameda. “Ele [Duarte Pacheco] queria mostrar que o Técnico era uma Instituição atual e que a sua arquitetura acompanhava essa modernidade”, conta João Pardal Monteiro, arquiteto, professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa e sobrinho-neto de Porfírio Pardal Monteiro.
“O Técnico é de facto a primeira obra moderna de Portugal, a primeira que segue o movimento moderno, quer com os terraços, as janelas corridas, os pavilhões”, defende Ana Tostões, professora do Instituto Superior Técnico. “Falamos de um campus, de espaços verdes e espaços livres que vão criar esta atmosfera muito especial. Esta opção de fazer vários edifícios ligados por um espaço público verde é também muito pioneira para a época”, complementa. Nascia assim o “primeiro campus universitário de Lisboa, que resulta do pensamento crítico do Alfredo Bensaúde, que giza o programa de uma universidade baseada na ciência aplicada e que é única em Portugal”, aponta.

A “1.ª imagem do Técnico”, uma perspetiva desenhada por Porfírio Pardal Monteiro (também conhecido como “o arquiteto de Lisboa”) e colorida a aguarela por Fred Kradolfer, mostra um projeto muito semelhante àquilo que se veio a tornar o Instituto Superior Técnico, em Lisboa. “Os arquitetos na altura tinham essa sorte, faziam os projetos e poucas alterações lhes faziam. Eles discutiam muito antes mas quando faziam o projeto, o projeto ficava”, partilha João Pardal Monteiro. “Quase todas as intervenções [posteriores] tiveram o cuidado de deixar os pavilhões do Porfírio intactos”, acrescenta. No desenho do projeto vê-se uma cidade bem diferente da Lisboa de hoje. “Havia o Arco do Cego mas os prédios à volta não existiam. O Técnico acaba por chamar o que vem à volta”.

A estratégia de construção, que durou menos de uma década, passou por empregar o maior número de pessoas mas também de gastar o menor dinheiro possível. Não estranha que as oficinas tenham sido os primeiros edifícios a serem construídos no Técnico: “Foi possível empregar pessoas e fazer as coisas lá sem ter que pagar fora. O mobiliário, as portas, alguma serralharia foi tudo feito no Técnico”. Uma filosofia de poupança que deu também aso a mitos e histórias caricatas. A mais conhecida: as quatro casas de banho do pavilhão Central do Técnico terão ficado com azulejos diferentes até ao final do século porque foram feitas com amostras pedidas a quatro companhias, que as haviam enviado para tentar ganhar o concurso. “Há esse mito. Eu não acredito nisso. Era impossível”, contrapõe Ana Tostões.
O edifício terá sobrevivido a tentativas posteriores de desmantelamento. “Chegou a pensar-se em deitar o Técnico todo abaixo e deixar só o edifício do Pavilhão Central como memória. De certo modo foi a razão de surgirem as Torres e o Pavilhão de Civil, como forma de manter o Técnico ali. O património ou se intervém e se usa, ou morre”, defende.
Para além de dar origem ao nascimento do edifício do Técnico, este desenho marcou o início de uma colaboração e amizade entre Pardal Monteiro e Duarte Pacheco, interrompida por um episódio que já se tornou famoso entre engenheiros e arquitetos: “Duarte Pacheco tinha a mania de riscar em cima dos desenhos dos arquitetos, que é uma coisa de que nenhum arquiteto gosta. Um dia estavam a discutir o arranjo de Vila Viçosa e o Porfírio levou-lhe o desenho emoldurado com um vidro. O Pacheco ficou furioso. A zanga tem coisas mais profundas do que isso, mais filosóficas, mas essa foi a gota de água”. Não chegaram a fazer as pazes, uma vez que Duarte Pacheco viria a morrer num acidente de automóvel, em 1943. Porfírio apenas teria oportunidade de lhe fazer um elogio fúnebre.

 

  • Obras emblemáticas do Arquiteto Porfírio Pardal Monteiro (fotografias na Wikipedia):
    – Gare Ferroviária do Cais do Sodré
    – Instituto Superior Técnico
    – Instituto Nacional de Estatística
    – Seminário dos Olivais
    – Igreja de Nossa Senhora de Fátima
    – Edifício do Diário de Notícias,
    – Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos,
    – Laboratório Nacional de Engenharia Civil,
    – Cidade Universitária (Reitoria e Faculdades de Direito e de Letras),
    – Hotéis Tivoli, Mundial e Ritz,
    – Biblioteca Nacional.

 

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Episódio 18: O 1.º Laser em Portugal

sexta, outubro 29th, 2021

Os lasers estão hoje em todo o lado, de forma mais ou menos invisível. Da indústria automóvel para cortar chapa aos apontadores que são usados nas aulas, da depilação a laser à fibra ótica que transporta a informação, dos videojogos aos projetores de cinema, ou até mesmo para desviar os resíduos de satélites que existem na alta atmosfera. Mas foi nos anos 60, quando ninguém sabia muito bem para que poderiam vir a servir, que testemunhámos a entrada do primeiro laser em Portugal, e no Técnico, pelas mãos do professor e investigador Manuel Alves Marques (1930- 2010). Um laser de rubi, com cerca de dois palmos de tamanho, constituído por um núcleo principal feito de cristal de rubi, envolvido por uma lâmpada de flash. “Na altura (anos 60) havia aplicações para a transmissão de dados, mas não sabemos para que foi realmente utilizado”, explica-nos João Mendanha Dias, professor do Departamento de Física e investigador no Grupo de Lasers e Plasmas do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN). “Também houve um laser de rubi no Batalhão de Transmissões de Lisboa. Não sei se será o mesmo ou se havia dois iguais, um para a parte militar e outro para a parte civil”, complementa.
O laser chegou ao Grupo de Lasers e Plasmas do IPFN na altura da sua fundação, nos anos 90. “Nessa altura, o Prof. Alves Marques deu-nos algum equipamento, um deles foi este laser de rubi. E passou para nós. No início tentámos ligar logo aquilo, tivemos que arranjar um transformador, acabámos por pô-lo a funcionar, só mais tarde viemos a saber que teria sido o primeiro laser em Portugal. No início nem percebíamos como funcionava”, recorda. O primeiro laser do mundo, construído em 1960 num laboratório da Califórnia, era de resto muito parecido com este, mas com metade do tamanho.

“Termos aqui o primeiro laser que funcionou em Portugal tem um aspeto simbólico. Serve-nos de inspiração, mostramos a outras pessoas e ficam encantadas em ver o cristal e a lâmpada de flash. Também tem aqui uma parte pedagógica porque não é muito comum podermos olhar para dentro de um laser”, descreve Luís Oliveira e Silva, presidente do Conselho de Escola do Técnico e professor no Departamento de Física e investigador no Grupo de Lasers e Plasmas do IPFN. “Como todos os lasers, produz luz muito especial: move-se numa única direção e tem uma única cor, é coerente (os fotões estão todos sincronizados) e isso é que torna esta luz verdadeiramente especial. O princípio que está aqui é o que existe em todos os lasers, desde lasers industriais até ao laser mais simples que nós vemos quando vamos fazer compras no supermercado e passamos o código de barras”, descreve.
“Há três componentes principais do laser: o cristal, que é o meio ativo onde se dá a amplificação por emissão estimulada de luz, a fonte de bombeamento, que é a lâmpada de flash, que dá energia para estimularmos o cristal e depois o sistema de realimentação e amplificação, para fazer os fotões andarem para trás e para a frente e cópias de si próprios e fazerem a tal luz coerente e muito brilhante, que é um laser”, complementa João Mendanha Dias.

A utilização do laser acabou por ser “ uma evolução natural da investigação que era feita no Técnico pelo Professor Alves Marques”, como partilha Luís Oliveira e Silva. Alves Marques, o primeiro a realizar um doutoramento pelo Instituto Superior Técnico (em 1962), estudava as propriedades físicas e químicas de soluções e diferentes compósitos e, antes dos lasers, recorria a outras fontes de luz menos precisas. A investigação que hoje se faz no Técnico é também herdeira dessa tradição da Física Experimental, que remonta também aos anos 30 e ao trabalho de António da Silveira (1904-1985), professor de Física do Técnico desde 1936 até 1974. Mas as diferenças da investigação que hoje se faz nesta área para a dos anos 60 está a “várias ordens de grandeza” de distância. “Neste momento, temos no Técnico vários lasers intensos que ocupam praticamente uma sala completa – o Laboratório de Lasers Intensos tem cerca de 100 metros quadrados, 80 deles ocupados com o laser. Os estudos que agora se fazem são em condições ainda mais extremas do que era possível fazer nessa altura. Há mais luz, é mais controlado, mais intenso, flashes de luz ainda mais curtos, as características agora são ainda mais interessantes”, aponta Luís Oliveira e Silva.
A herança dessa tradição espelha-se também na filosofia que seguida pelos investigadores do Técnico e sintetizada por Luís Oliveira e Silva: “Sempre acreditamos que a física é essencialmente uma ciência experimental. É no confronto com as experiências que os nossos avanços são validados”.

 

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Episódio 17: Os Modelos de Redes Cristalinas

sexta, outubro 22nd, 2021

À entrada da Torre do Sul, no campus da Alameda do Técnico, não passam despercebidos vários modelos de redes cristalinas, misturados com outros objetos do universo da química expostos em vitrinas e nas paredes. Esses modelos, que “permitem uma leitura química das interações entre moléculas, átomos ou iões que constituem cada cristal”, como nos explica Clementina Teixeira, professora aposentada do Técnico. Dois deles que selecionámos representam as estrututuras cristalinas do sulfato de cobre penta-hidratado e do ferricianeto potássio (nome comercial). O primeiro representa duas células unitárias, o segundo apenas uma e meia.
Materializam-se em pequenas bolas coloridas unidas por segmentos metálicos, dispostas em rede. “Uma rede cristalina é algo que se baseia numa rede espacial, que é um conceito matemático, e que explica como é que se distribuem os átomos, as moléculas ou os iões num cristal”, esclarece Clementina Teixeira.
Estas representações ajudam a perceber “a estrutura, os ângulos entre as ligações, como são feitas as ligações entre os constituintes para cada substância, os planos reticulares… Tudo isso dá informação química sobre as estruturas das substâncias e a maneira mais correta de as determinar é no estado sólido quando formam um cristal”, complementa.

“Há muitos modelos, estes são especiais porque são rigorosos”, defende. “A rede cristalina é infinita, mas estamos a tentar reduzir o infinito ao nosso objeto de estudo que é o modelo com a célula unitária”.
Os modelos de redes cristalinas, numa ampliação à escala de 100 milhões de várias substâncias, são também conhecidos como modelos miniatura Beevers, em homenagem ao seu criador Arnold Beevers (1908-2001), que criou uma empresa em Edimburgo que passou a comercializá-los. Os modelos que estão no Técnico foram adquiridos em 1998, em Budapeste e vieram de alguma forma revolucionar a pedagogia em torno dos modelos de cristais. “A alternativa a estes modelos eram outros feitos com esferas transparentes, compactas de outras cores. O que acontece é que fazíamos esses modelos às vezes em bolas de pingue-pongue. Os modelos [que existiam na altura] eram tão requisitados nas cadeiras de química geral, onde dávamos as estruturas do estado sólido, que andava toda a gente a usá-los”, recorda.
“Os modelos [de redes cristalinas do Técnico] são quase históricos porque foram comprados numa altura em que Beevers ainda era vivo. O gestor da empresa atual achou um encanto todo esse percurso de utilização dos modelos e de fotografar crianças a interagir com eles e ofereceu-se para reparar gratuitamente os modelos que estavam danificados (em 2018)”, conta.

Neta de um ourives – “cresci no meio de pedras preciosas” -, Clementina Teixeira recorda outro momento simbólico da divulgação dos cristais: o Crystals on the Rocks, projeto criado em 1991, num período em que o vulcão Etna entrou em erupção. O projeto foi integrado nas aulas em 1993, venceu um Prémio da Secretaria de Estado da Juventude em 1995 e deu origem a um kit para professores. Em 2019, Clementina Teixeira foi também uma das mulheres homenageadas pela Ciência Viva. Atualmente mantém-se ligada a projetos informais de divulgação da química: “Sou fascinada por tudo, neste momento estou a trabalhar em botânica. Quero continuar a produzir trabalho e também a colocar no Técnico um projeto onde não haja limites entre as várias áreas do saber. O que eu quero deixar ao Técnico são ideias, fundamentalmente”.

  • Agradecimentos:
    Clementina Teixeira

 

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Episódio 16: O Meteorito de São Julião de Moreira

sexta, outubro 15th, 2021

Não se sabe quando este corpo celeste entrou na atmosfera da Terra mas é possível imaginar o momento, fazendo um paralelo em relação a outros meteoritos. Uma entrada “provavelmente com grande impacto, formando uma cratera de impacto, bastante ruído, possivelmente uma explosão”, arrisca Zita Martins professora do Técnico e investigadora na área da astrobiologia no Centro de Química Estrutural. “Tudo o que acontece com este tipo de meteoritos”, resume. Todos têm a chamada crosta de fusão, uma camada de cerca de 1 ou 2 milímetros queimada, muito escura, provocada pela entrada na atmosfera, que queima a sua parte exterior. Geralmente o que acontece é que ao entrar na atmosfera terrestre e antes de pousar na superfície, o grande pedaço de rocha desintegra-se. “Este meteorito inicialmente tinha 160kg, o que vemos aqui não é de todo isso, é apenas um pedaço”.
Sabemos que este meteorito foi descoberto em 1877 por um lavrador, quando andava no campo a trabalhar na povoação de São Julião de Moreira, perto de Ponte de Lima, no Minho – daí o seu nome de batismo. No entanto, “pode ter caído há séculos ou milhares de anos. Sabemos que foi descoberto a cerca de 1,40m de profundidade, o que para um solo naquela região representa algumas dezenas de milhares de anos”, explica Manuel Francisco, professor do Técnico, onde também é diretor dos Museus de Geociências. E também sabemos que o dono do terreno “ganhou 3 contos de reis pela venda, o que era um balúrdio à data”. Muitos pedaços do meteorito estão hoje distribuídos por museus de todo o mundo, incluindo o Vaticano.

É num dos dois Museus de Geociências do Técnico, o Museu Décio Thadeu, que se encontra este meteorito especial. Falamos de um objeto extraordinário, muito cristalino, e uma inspiração para cineastas e produtores, nas palavras de Manuel Francisco. E de um meteorito denso, com um interior muito bonito em que se adivinha um padrão do entrelaçado entre ferro e níquel, como adivinha Zita Martins.
É especial também por ter sido estudado por Alfredo Bensaúde, primeiro diretor do Instituto Superior Técnico (1911-1920) e doutorado em Engenharia de Minas. Como nos explica Manuel Francisco, o meteorito chegou originalmente ao Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, instituição que viria a dar origem ao Técnico. “Na altura em que o seu nome é sugerido para estudar o meteorito, ele estava a fazer provas para ser admitido como professor nesse Instituto”. “É interessante ver que o Bensaúde foi um visionário em muitos aspetos, também pioneiro na análise de um meteorito. Há dados que ele publicou (em 1889) que mostram o estudo deste meteorito e incluem a primeira referência ao uso de microscópio para observar meteoritos em Portugal. Outros cientistas de outras partes do mundo também analisaram este meteorito e as análises coincidem todas. É de uma beleza enorme ver o que as análises de pedaços diferentes do mesmo meteorito coincidem”, complementa Zita Martins.

Mas o que define um meteorito? São rochas extraterrestres muito antigas, algumas delas do tempo da formação do nosso sistema solar. Ou “pedaços de história do nosso sistema solar, de todos nós, da origem da vida” e “máquinas do tempo” como Zita Martins gosta de descrever. A maior parte dos meteoritos vem de asteroides – de uma conhecida cintura de asteroides entre Marte e Júpiter e entram no campo gravitacional da Terra na sequência de colisões entre si. Quando “temos a sorte” dessas rochas sobreviverem à entrada através da atmosfera e conseguirem pousar na superfície do nosso planeta, então aí sim temos um meteorito. Há algumas exceções: meteoritos que vieram da Lua e de Marte. E outras coisas completamente diferentes: meteoros, as chamadas estrelas cadentes, que são rastos de luz de poeira que arde na atmosfera e por isso projeta essa luminosidade.
Aos Museus de Geociências do Técnico, e seu laboratório, onde fazem análise mineral e rochas, continuam a chegar, por via não científica, dezenas de alegados meteoritos para analisar. Nunca o são. “Dou cabo dos sonhos das pessoas. Já desiludi muita gente”, resume Manuel Francisco.

Quanto ao Meteorito de São Julião de Moreira e tudo o que ainda não se sabe sobre ele, talvez ainda venha a ser descoberto por futuros alunos do Técnico. “Estamos a estudar meteoritos semelhantes a este”, explica Zita Martins. “Este especificamente ainda não analisei, analisei o irmão gémeo, quase. Tem a ver com o que eu quero encontrar. No grupo de astrobiologia que temos aqui no Técnico, estamos muito interessados em tentar detetar moléculas orgânicas que sabemos que compõem a célula, que é a unidade básica da vida, e perceber como é que surgiu a vida na Terra. Por outro lado, estamos também interessados em estar envolvidos em várias missões espaciais e tentar perceber a química que existe em determinados corpos celeste muito primitivos, como asteroides, cometas, etc”, complementa. Tudo isso feito num “lugar de sonho” assim resumido: “Estar numa Universidade que tem um Museu que tem um meteorito”.


Conteúdo Extra: Os Meteoritos e a origem da vida na Terra:

As características do meteorito de São Julião de Moreira inserem-no num contexto muito especial de meteoritos que podem apontar pistas para a descoberta de como surgiu a vida na Terra. Nas palavras de Zita Martins:
«Este meteorito é especial porque tem vários minerais (ferro, níquel, cobalto e também fósforo). O fósforo é muito importante… Uma das grandes questões na ciência é: como é que surgiu a vida aqui na Terra? Como é que passamos de ter simples moléculas orgânicas ou até determinados elementos químicos e passamos a ter unidade básica da vida que é a célula.
E o que nós sabíamos até recentemente é que um determinado grupo de meteoritos – condritos carbonáceos – que são muito ricos em carbono e tinham aminoácidos que constituem as proteínas, tinham bases nitrogenadas, vários compostos orgânicos… Mas havia uma grande questão: de onde é que vem o fósforo?
Se pensarmos em material genético, começamos a pensar no ADN, que nos diz a cor dos olhos, a cor do cabelo, etc… Toda essa informação é um esqueleto, é uma molécula em hélice dupla, e essa estrutura tem fósforo. A questão que se colocava era de onde vem esse fósforo e não havia grandes respostas.
Os cientistas que trabalham na área dos meteoritos verificaram que este tipo de meteoritos ferrosos, como o de São Julião de Moreira, têm um mineral um bocadinho diferente (Schreibersita – composto por ferro, níquel e fósforo na sua estrutura). Esse mineral é muito raro aqui na Terra mas existe em abundância neste tipo de meteoritos.
Um grupo de investigadores, num estudo com mais ou menos dez anos, simulou o ambiente da terra primitiva (mais ou menos 4.6 mil milhões de anos, mais ou menos aquando da sua formação), incluindo as fumarolas, colocaram lá para dentro estes meteoritos e viram que determinadas moléculas orgânicas (pirofosfito) se formaram. Que é um possível percurso de outra molécula (pirofosfato). Essa molécula é importante porque é associada ao ATP (adenosina trifosfato) – é como se fosse a nossa central de energia da célula. Todos os seres vivos precisam disso, o ATP é uma molécula fundamental para o metabolismo.
Ver que estes meteoritos ferrosos têm um papel fundamental para a origem e para o desenvolvimento da vida torna este pedaço de rocha muito especial».

 

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Episódio 15: O protótipo da TLMoto

sexta, outubro 8th, 2021

“Há mais do que vrum vrum nas motas. Há muito essa coisa de dizer que motas elétricas ou carros elétricos não têm muita piada. Aconselho essas pessoas a experimentarem conduzir uma mota ou um carro elétrico. Vão mudar a sua opinião sobre mobilidade elétrica. Aquilo que se consegue neste momento fazer com carro e moto elétrica é capaz de dar mais prazer às pessoas do que um carro a combustão. A mobilidade elétrica permite-nos expandir ainda mais os horizontes das coisas”. A explicação é de Diogo Vicente, líder da equipa TLMoto entre 2019 e 2020, atualmente a terminar o curso de Engenharia Mecânica. O discurso serve-nos também para apresentar o protótipo TLM03e, a segunda mota elétrica (e terceiro protótipo) desenvolvida por este projeto de estudantes do Instituto Superior Técnico e que é descrita como “o culminar de 6 anos de projeto e de várias experiências que esta equipa tem vindo a acumular”. Gonçalo Jacob, atual líder da equipa e estudante de Engenharia Aeroespacial, confirma a ideia: “Não é a primeira mota elétrica, mas é a primeira mota elétrica fiável e que anda com uma certa capacidade para nos sentirmos confiantes. Conseguimos atingir um patamar de ter uma mota capaz e a partir de agora é só introduzir melhorias”, explica. “É um protótipo que tem mais potência, mais autonomia e tem o mesmo peso [das versões anteriores]. Atinge o 42 kw de pico, potência correspondente a cerca de 50 cavalos, e uma velocidade de cerca de 180 km/h. A principal diferença para as motas de combustão, que continuam a conseguir velocidades mais altas, é a aceleração: um motor elétrico tem muito mais força. A força de um motor elétrico vem logo desde início e depois começa a diminuir”, complementa. A mota tem por base os chassis das duas primeiras versões mas “tem muitos mais detalhes que permite ser uma mota mais rápida de trabalhar, como a inclusão de novos hardwares na mota, como telemetria, que nos vai permitir saber o que se está a passar com o piloto em pista”, explica Diogo Vicente.

A mota, que será o trunfo da equipa na competição internacional MotoStudent na categoria de veículos elétricos, foi construída quase na íntegra pelos estudantes do Técnico. “É quase tudo feito por nós. O projeto é mesmo nós aprendermos e sermos nós a desenvolver e a construir”, explica Gonçalo Jacob. As exceções: As obrigações da organização da competição, como pneus, travões e motor, outras que não justificam o esforço de construção, como rodas e as suspensões.
O TLMoto, fundado em 2012, foi o primeiro projeto de estudantes em Portugal a desenvolver uma mota elétrica, mas também o primeiro a criar uma mota a combustão (o primeiro protótipo do projeto), que se estreou na MotoStudent de 2014. A partir do ano seguinte, o projeto abraçou o desafio da mobilidade elétrica e integrou essa categoria. “A primeira mota elétrica deu-nos dores de cabeça com a parte electrónica, que era a parte nova do projeto, impossibilitando-nos de fazer a derradeira corrida em Espanha em 2018. No entanto, estivemos presentes e ficámos bem classificados na apresentação do nosso projeto de Engenharia”, recorda Diogo Vicente.

Quanto à mota movida a combustão – a TLM01i – que competiu durante 3 anos, está neste momento literalmente espalhada pela oficina do projeto. “Temos ali as carenagens, aqui o braço oscilante e o quadro. Ali debaixo daquele armário está o motor. Naquele carrinho estão a maior parte das peças que faltam. Está um pouco desmontada. Este ano decidimos focar-nos apenas na mota elétrica. A mota a combustão não é uma prioridade”, mostra-nos Gonçalo numa visita guiada pelo espaço. Nesses anos de competição aprenderam que “de prova para prova se deve desmontar a mota toda para verificar se há algum problema com o quadro, com o braço oscilante, essas coisas todas, fazer uma limpeza a fundo na mota para garantir que no próximo fim-de-semana de corridas ela está impecável”, explica.
Para o futuro deste projeto, que conta já com o envolvimento de cerca de 60 estudantes do Técnico, Gonçalo Jacob aponta como objetivo principal um bom desempenho em competição da TLM03e. “Termos uma mota capaz e fiável e fazer o maior número de testes possível para ajudar a desenvolver a TLM04”, defende. E aponta um objetivo ainda mais importante: “Ter uma equipa capaz e unida para que seja ela a definir os objetivos e a trabalhar para eles. É a equipa junta que tem que definir o rumo”, complementa.

  • Agradecimentos:
    Diogo Vicente
    Gonçalo Jacob
    TLMoto

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Episódio 14: Os Mapas Tridimensionais

sexta, outubro 1st, 2021

São três mapas e não passam despercebidos a quem entra no Pavilhão de Civil do campus Alameda do Instituto Superior Técnico ou aos que visitam o Museu de Civil do Técnico. Os mapas tridimensionais, datados de 1937, personificam aquilo que Filipe Folque (1800-1874), uma das grandes figuras da cartografia, dizia sobre essa área de conhecimento: misturam arte e engenho. A arte destes mapas feitos à escala, com cerca de um metro de altura, é assumida com materiais de gesso, curvas de nível e lamelados de madeira que colados uns aos outros fazem o relevo. António Lamas, Professor catedrático jubilado do Departamento de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico, conduz-nos pela geografia dos dois mapas que estão no hall de entrada do edifício.
Mapa um: “Isto é o Porto de Lisboa, o plano de ordenamento do Porto de Lisboa de 1937. Vemos o Terreiro do Paço, a doca de Alcântara, que vai até Belém. Deve ter sido uma maquete que foi mandada para o Técnico”.
Mapa dois: “É o Estuário do Tejo, numa escala maior. Esta é mais didática ainda. Lisboa com um pormenor enorme. Devem ter sido feitas para uma exposição de obras públicas na altura. Temos um relevo até Póvoa de Santa Iria, baixa de Loures, Odivelas… os mouchões, aquelas ilhas no Tejo que são um bocadinho movediças…e tem um pormenor da Europa também”.
O terceiro mapa está no Museu de Civil e é-nos apresentado por Ana Paula Falcão, professora auxiliar no Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico, responsável pela unidade curricular de Topografia. “Temos toda a área de Portugal continental representada neste suporte físico. O que prevalece neste mapa é a representação do relevo, de onde saem as serras, as montanhas, as elevações, mas também os vales e as linhas de água”.

 

Datados da década de 1937, os mapas foram executados por José Estevão Vitória Pereira, inventor do processo de modelação. Apenas quase 60 anos depois passaram a ocupar lugar de destaque num edifício do Técnico. “Quando viemos para aqui [Edifício de Engenharia Civil, inaugurado no início dos anos 90] eu tive a incumbência de distribuir espaços e de supervisionar a decoração”, explica António Lamas. Lembrava-se de ter visto os mapas há muito tempo, no Pavilhão Central, numa sala de arrumações. “É uma história de andar por aí há muitos anos e conhecer as originalidades do nosso Técnico”, conta. Uma dessas originalidades: nos anos 70 vira os mapas numa sala de arrumações, a mesma onde alguns funcionários criavam galinhas e recolhiam ovos. “Tinha curiosidade e fui ver a criação de galinhas lá em cima. Lembro-me perfeitamente dos mapas. Estavam sem proteção e esmurrados, encostados à parede”, recorda. Nos anos 90, foram restaurados e “as pessoas ficaram encantadas” com o resultado final, exposto desde então.

 

Ana Paula Falcão explica-nos também a importância destas obras: “Nessa altura já tínhamos cartografia rigorosa, com referencial comum para toda a área geográfica de Portugal continental, mas não era frequente nem normal haver estas representações tridimensionais”, aponta. “A localização dos mapas é muito importante, primeiro pela beleza das cartografias, em segundo lugar porque queremos formar na nossa escola alunos com consciência, com leitura para o futuro, mas também com leitura para o passado. Estas maquetes são um bom exemplo dos cuidados que a nossa escola sempre foi tendo na educação dos alunos”, complementa.
O entusiasmo de Ana Paula Falcão pela cartografia vem de longa data e contagia também o seu quotidiano. “Eu era menina de andar com mapas atrás e ainda hoje tenho esse jeito de andar com os mapas atrás. Quando estou a ler no mapa, estou a ler outras coisas para além das indicações que os sistemas de navegação (como o GPS) me dão. Gosto de acompanhar as viagens com a cartografia e ver se o sistema de navegação não se engana”, brinca.

 

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Episódio 13: O Aquilégio Medicinal

sexta, setembro 24th, 2021

«Aquilegio medicinal, em que se dá noticia das agoas de Caldàs, de fontes, rios, poços, lagoas e cisternas do Reyno de Portugal e dos Algarves que, ou pelas virtudes medicinaes que tem, ou por outra alguma singularidade, são dignas de particular memoria». É com esta prosa e com a grafia usada no início do século XVIII que arranca o “Aquilégio Medicinal”, livro escrito por Francisco da Fonseca Henriques, «natural de Mirandella, Medico do Augustissimo Rey de Portugal D. João V». Trata-se do primeiro inventário das águas minerais naturais de Portugal continental ou, tal como refere o prólogo da sua primeira edição em 1726, “que vale o mesmo que colecção de águas medicinais”.
Uma das edições originais, com quase trezentos anos, está guardada no Laboratório de Análises do Instituto Superior Técnico (LAIST). É uma das “relíquias” cuidadas por Maria Cândida Vaz, professora e investigadora aposentada do Técnico, nascida em 1939, e diretora do Laboratório entre 1984 e 2004, que teve contacto com a obra ainda enquanto jovem investigadora. “O primeiro contacto que tive com o livro foi já no Técnico. Uma das minhas colegas da altura era muito dada a história e disse: “comprei um livro para o laboratório”. Foi um bocadinho caro, talvez tenha comprado num leilão”, recorda. “O Dr. Mirandela [nome pelo qual também era conhecido o médico] era uma referência das análises de água que se fazia no Técnico. Naquela data não havia grandes conhecimentos, e ele fez um levantamento de todas as águas do país. É muito meritório porque desenvolveu uma área que teria ficado esquecida”, complementa a professora que também foi premiada com a medalha de Mérito Científico 2018, atribuída pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Motivo: “Distinguiu-se pelo controlo analítico e a inovação e metodologias de análise, bem como pelo estímulo contínuo à qualidade das águas em Portugal”.

 

No Aquilégio Medicinal encontramos referências a locais que na época eram utilizados para fins curativos, através das chamadas “água medicinais”. O livro rapidamente se tornou uma referência do potencial hidrogeológico e hidromineral do país, com referências a águas termais de todo o país, como por exemplo o “primeiro hospital termal do mundo nas Caldas da Rainha”, que merece 12 páginas da obra.
A geografia de Portugal é percorrida também pela vida pessoal e profissional de Maria Cândida Vaz. Nasceu também em Mirandela, licenciou-se em Engenharia Química pela Faculdade de Engenharia do Porto e foi professora e investigadora do Técnico desde muito nova, onde fez o Doutoramento. “Muitas vezes era a única mulher engenheira nas aulas. Quando acabei de me formar [na Licenciatura] éramos só cinco. Lembro-me de ter uma aula de desenho em que eu era a única rapariga entre 100 pessoas”, recorda.

 

Enquanto investigadora, viajou constantemente pelo país. Para fazer as análises de águas termais, era preciso ir ao campo. “É preciso fazer as análises para saber se as águas continuam a ter as mesmas características ou se se alterou por qualquer razão”, explica. Viagens que trazem muitas memórias, como uma de janeiro de imenso frio e chuva, em Cabeço de Vide: “O único local para colocar o material numa mesa para fazermos as análises era debaixo de uma árvore. Enquanto o Engenheiro Mário Moura fazia as análises e eu tinha o guarda-chuva aberto para não caírem pingos da chuva nas amostras”, recorda. Outra relíquia que ainda guarda no Técnico: a mala de cabedal onde levava equipamentos e frascos necessários para trazer água para ser analisada no relatório ao longo dessas viagens. E por falar em tesouros, Maria Cândida Vaz dedica-se agora a tentar fazer um inventário do espólio e publicar a história do LAIST. “Hoje em dia estudo as relíquias do Técnico”, resume.

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Episódio 12: O Técnico Solar Boat

sexta, setembro 17th, 2021

Em 2017, um grupo de alunos de Técnico passava uma noite sem dormir no Mónaco, a tentar terminar de montar aquele que seria o primeiro protótipo do projeto Técnico Solar Boat, batizado de São Rafael 01 (SR01). O barco fora acabado de pintar na véspera da partida e aproveitou-se a viagem Lisboa-Mónaco para que o mesmo secasse. “A uma semana do Mónaco, o barco ainda não estava feito, havia umas peças feitas a carbono mas não estava montado, não estava pintado, nem lá perto. Mas nós íamos ao Mónaco – já tínhamos a viagem toda marcada, o campismo agendado…”, explica Dinis Rodrigues, antigo aluno do Técnico e antigo líder de equipa do projeto. Descrição do cenário dessa noite: “Bateria a explodir, curtos-circuitos a acontecer, pessoal a cortar-se e a ir ao hospital, sem saber onde podíamos jantar, onde ir ao supermercado… a fazermos uma barulheira descomunal durante a noite”. Resultado: “Acabámos o barco eram 10h30 da manhã (às 10h começava a primeira prova). A competição começou sem nós, mas metemos o barco à água, abrimos uma garrafa de champanhe e demos todos um mergulho na água. Só depois é que nos lembrámos: ‘pessoal, a competição já começou, temos que ir para lá’. Já nem queríamos saber. O barco já estava pronto, fizemos uma festa ali”, recorda.

Participar no Monaco Solar & Energy Boat Challenge em julho desse ano havia sido o objetivo estabelecido quando o projeto nasceu em 2016. “O barco ainda não existia e já sabíamos que íamos a essa competição. Foi sempre o prazo que estipulámos”, conta Dinis Rodrigues.

O SR01, assim chamado em homenagem às viagens de Vasco da Gama, tornava-se dessa forma a grande estrela do projeto Técnico Solar Boat, um projeto de engenharia, completamente open source, que pretende promover as energias renováveis, a sustentabilidade e a mobilidade elétrica. Este projeto universitário é constituído por dezenas de estudantes de engenharia do Instituto Superior Técnico, que trabalham em conjunto no desenvolvimento de barcos movidos a energia solar. Depois da odisseia de estreia, nasceram já mais dois protótipos – O SR02, em 2019 e o SR03, já em 2021. Paralelamente, está também a ser construída uma nova embarcação de competição movida a hidrogénio.

Já em 2019, o Técnico Solar Boat regressou ao Mónaco com o SR02, onde conseguiu os seus melhores resultados até ao momento: segundo lugar na classe a que concorriam e um primeiro lugar na prova de endurance, com 52 voltas (7 voltas de avanço para a segunda classificada). “No segundo protótipo, o objetivo foi tornar o barco mais eficiente, atingir velocidades superiores”, conta João Novo, líder de equipa do Técnico Solar Boat desde 2020. Recentemente, a equipa conseguiu incorporar hidrófilos (hydrofoil) na estrutura do barco – parecidas com asas de avião instaladas por baixo do barco, que fazem o casco levitar e sobrevoar a água de forma a ser mais eficiente. “É algo incrível de ver, é o futuro. Desde o primeiro protótipo que se tencionava fazer isso”, explica.

Para além disso, há o sonho cada vez mais próximo da realidade de que o barco seja 100% feito no Técnico. “Estamos a caminhar a passos largos para lá”, defende. Há, por exemplo, dois alunos a desenvolverem teses em áreas nas quais o projeto ainda não é autónomo, como os controladores de motores e em maximum power point trackers, para a cada instante retirar o máximo de potência dos painéis solares.

Perante a ausência de competição, o projeto tem aproveitado para colocar os seus barcos a “voar” sobre as águas portuguesas. Em 2020, o evento Odisseia fez o barco percorrer as águas do Douro, Lisboa, Sesimbra e Lagos. Em 2021, foi a vez da Madeira receber o novíssimo SR03. A equipa do projeto aguarda a possibilidade de poder voltar às competições no Mónaco, para escrever novos episódios na caderneta de histórias do Técnico Solar Boat. Como aquela em 2018, quando o SR01 alcançou o 5.º lugar na competição de endurance, mesmo tendo entrado com 30 minutos de atraso, numa estreia absoluta de rodagem do motor em água.

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